Mente-se mais quanto maior é a distância entre os seus objetivos e os daqueles que você precisa mover para alcançá-lo. Sabendo disso, Steve Bannon, um supremacista branco estadunidense que foi o estrategista da campanha que elegeu Trump em base a boatos falsos, aceitou emprestar a sua receita para a candidatura do Bolsonaro e os seus aliados. Como disse o ex-líder da Klu Klux Klan, David Duke, Bolsonaro soa como um dos seus.
Mas a mentira, para convencer alguém, precisa sempre se apegar a algum grão de verdade, ou a alguma ideia ou preconceito arraigado na mente das pessoas. Daí a importância do serviço prestado por séculos de racismo estrutural, o machismo, a LGBTfobia, décadas de ódio aos nordestinos, pois pavimentaram o caminho de Bolsonaro até aqui.
Os falsos discursos interditam o debate, desmoralizam, poluem e trazem à superfície o que de pior existe arraigado à estrutura social do país, construída desde o Brasil Colônia em base à escravidão e à desigualdade extrema.
A burguesia realizou um trabalho vitorioso na disseminação das ideologias de que quem reivindica direitos é vagabundo, de que as cotas raciais são um privilégio, de que os direitos humanos são os responsáveis pela violência, de que os LGBTQI’s querem impor uma ditadura de costumes, de que a mulher é um objeto de consumo dos homens, de que os empresários carregam o país nas costas ou de que os nordestinos “votam com a barriga”. Tudo falso, mas cujo som é facilmente reconhecido pelos nossos ouvidos.
Essas opressões foram e são necessárias para que os instrumentos de coerção possam tentar destruir a capacidade de empatia entre as pessoas, para cerrar os ouvidos aos medos e angústias de si mesmo e do próximo. Tentam impedir que frente à desilusão que acomete a todos nós e frente à piora das condições de vida provocada pelos privilégios de uma minoria, saiamos com saídas construídas coletivamente, acolhidos em torno da prática política que pode transformar o mundo, e portanto mais fortes e capazes de impedir os retrocessos.
Mas não seria possível explicar como esse conjunto de ideias fragmentadas transformaram-se num projeto político com tamanha adesão não fosse o uso sistemático e estratégico da disseminação de falsas teorias, pelas redes sociais, como a do PT ser o partido mais corrupto do mundo, como a suposta “conspiração comunista que vai transformar o Brasil numa Venezuela”, as fakenews para grupos específicos, dialogando com os monstros escondidos no inconsciente de cada um. Foi pra isso que serviu o caixa 2 da campanha do Bolsonaro que acabamos de descobrir, financiado por diversas empresas.
E é por essa característica dessas eleições que a denúncia contra Bolsonaro é um terreno difícil para nós, que lutamos pelo voto na candidatura do Haddad e da Manu, agravada ainda pelo boicote de uma parte importante das mídias tradicionais, em especial a Globo.
Estamos num momento onde poucos se escutam e escutam ao outro. Pouco se lê, e os que lêem o fazem em doses homeopáticas. Pilulas de informação e contra-informação que confundem-se caoticamente. Desconfia-se de tudo e de todos, e contraditoriamente é esse o caldo de cultura para que se possa acreditar no boato mais absurdo do grupo do whatsapp da família. Crescem as saídas messiânicas, da adesão pouco refletida a um todo poderoso que resolverá todos os problemas, a valorização da própria família, pois essa está em risco, e todas as outras formas de família estão podres, são lixo, não servem.
As bolhas não existem somente dentro dos algoritmos do Facebook, mas representam também a estratificação social dos grandes centros urbanos do Brasil, os shoppings e os condomínios, o transporte individual sobrepondo-se ao coletivo, e o transporte coletivo sobrepondo umas pessoas sobre as outras. O refúgio do trem lotado é o fone de ouvido, é a bolha do smartphone, é a alienação com relação ao outro, que sempre incomoda. Há condições favoráveis para que essas ideias de extremo individualismo tenham ganhado tamanha dimensão.
É de fundamental importância não desperdiçar nenhuma oportunidade de desmascarar Bolsonaro e o seu projeto de destruição de direitos sociais em base à restrição dos direitos democráticas e do próprio direito à vida. Por isso, a campanha #Caixa2doBolsonaro deve ser cuidadosamente explorada e, por cuidados, implica em não deixar flanco aberto para o atoleiro do debate da corrupção, que é o jogo no qual Bolsonaro e os golpistas são mestres. Precisaremos ser pacientes, pois a onda reacionária não chegou hoje nem vai embora amanhã. Portanto, não há atalho, e estamos jogando na casa do inimigo.
Um debate que a denúncia contra a campanha do Bolsonaro suscita e que precisa ser tratado com mais atenção é a interferência de uma rede internacional que especializou-se em utilizar dados das redes sociais para estimular e favorecer o crescimento dos políticos e partidos da extrema-direita através de notícias falsas e teorias da conspiração, e ao mesmo tempo demoniza tudo o que se relaciona a qualquer vaga ideia de esquerda, coletivista.
A não superação da crise mundial iniciada em 2008 convenceu uma grande parte da burguesia em todo o mundo de que a conta a ser paga por muitos de nós seria com a própria vida.
É por nossas vidas que lutamos. Por direitos sociais que nos permitam não apenas sobreviver, mas desfrutarmos o mundo, nos amarmos e sermos felizes. Construir a resistência nos bastiões onde os ouvidos ainda estão abertos, nos movimentos populares e contra a opressão racial, de gênero e da sexualidade. Criar raízes, fortalecer as nossas estruturas para que possamos estourar as bolhas e retomar o direito não só de falar, mas de sermos ouvidos.
Os fóruns com diversas organizações que estão surgindo para organizar a campanha do Haddad e Manu no segundo turno devem servir para disputar o voto, mas principalmente para a gente se ouvir, construir pontes, aprender com as diversas experiências de nossos aliados frente a um momento novo, para o qual não há saídas fáceis e que exigirá de nós alianças estratégicas com gente de origens muito diferentes.
Essa é a tarefa da nossa geração: romper as bolhas.
Vamos em frente, pois viemos de longe.
Foto: Steve Bannon / Reprodução
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