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Por que votar Haddad no segundo turno: um debate com a esquerda socialista

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Faltam menos de duas semanas para o segundo turno das eleições presidenciais.  No dia 28 de outubro, será escolhido o próximo Presidente da República. A vitória de Bolsonaro no primeiro turno e as pesquisas de opinião, anunciadas até o momento, colocam a real possibilidade de eleição do candidato da extrema-direita neofascista.

A eleição de Bolsonaro representa o fortalecimento do que existe de pior na política brasileira, a mistura sinistra entre a redução dos direitos sociais do povo trabalhador e os ataques cada vez maiores às liberdades democráticas. Enfim, um risco real ao próprio regime democrático.

Diante deste perigo evidente, a maioria da esquerda socialista, como o PSOL, o PCB e o PSTU, com distintos enfoques e mesmo não apoiando politicamente o PT e seus governos de conciliação de classes, optaram pelo voto 13 neste segundo turno, contra Bolsonaro, indicando Haddad para presidente.  Infelizmente, outros grupos menores da esquerda socialista indicam voto nulo, ou ainda a possibilidade de votar em branco.

A gravidade do momento exige uma posição firme da esquerda socialista de conjunto. Jogar toda a nossa energia na construção de uma ampla unidade de ação e frente única contra a extrema-direita neofascista, em defesa dos direitos e da democracia.

Esta unidade passa, neste momento, por duas tarefas concretas: realizar uma grande campanha neste segundo turno contra Bolsonaro, chamando nítida e explicitamente o voto em Haddad Presidente 13 e construir e convocar pela base a manifestação unificada, mais uma vez puxada pelo movimento Mulheres contra Bolsonaro,  no dia 20 de outubro, próximo sábado.

Qualquer posição que signifique não se envolver direta e ativamente na campanha eleitoral do segundo turno ou, ainda pior, defender que possamos votar nulo ou branco no dia 28 de outubro, é um gravíssimo erro.

Pois, além de ajudar numa eventual vitória de Bolsonaro, nos enfraquece na tarefa de preparar a resistência contra a extrema-direita neofascista desde já, objetivo prioritário no momento, inclusive, independente do resultado eleitoral do segundo turno.

Haddad e Bolsonaro não são iguais

Apesar de toda a crítica que temos ao projeto político da direção do PT, de termos sido oposição de esquerda aos seus governos de conciliação com as grandes empresas, bancos e e partidos da velha direita, não podemos cair na visão sectária de afirmar que tanto faz a vitória de Bolsonaro ou Haddad. Ou seja, cair na ideia equivocada que o PT é igual a essa extrema-direita neofascista.

Seguimos afirmando que os 13 anos de governos petistas não romperam no fundamental – na política econômica, por exemplo – com os interesses dos ricos e poderosos. Entretanto, por sua origem e relação com os movimentos sociais até hoje, um governo do PT, embora não rompa com o grande pacto com a elite brasileira e transnacional, não será um governo como qualquer outro da direita burguesa.

Inclusive, o golpe parlamentar do Impeachment se explica pelo fato de que a grande burguesia, diante do cenário de crise econômica,  precisava e precisa aplicar sem contradições os planos de austeridade e as reformas constitucionais reacionárias, até o seu final. Por isso, optou pela retirada do PT do governo, pois este partido já não estava cumprindo o papel de trava absoluta das lutas sociais. Para isso, se utilizou muito da Operação Lava Jato e todo estardalhaço em torno dela, protagonizado pela grande mídia, especialmente a TV Globo.

O governo ilegítimo de Temer já foi expressão direta deste golpe. Por isso, fomos contra o Impeachment de Dilma, pois ele era feito não só para tirar o PT do governo, mas fundamentalmente para intensificar qualitativamente os ataques aos direitos sociais e trabalhistas do povo trabalhador.

Os últimos dois anos comprovam essa afirmação anterior, especialmente se levarmos em consideração a aprovação da reforma trabalhista, a ampliação da terceirização da mão-de-obra, o congelamento de investimentos sociais por 20 anos, entre outros duríssimos ataques.

O povo trabalhador, a juventude e os oprimidos resistiram bravamente, tendo como ponto alto de suas mobilizações a greve geral de abril de 2017. Mas, nossas lutas, por mais importante  que  tenham sido, não conseguiram frear o ajuste. O governo de Temer já não foi igual a um governo petista. Agora, tudo será ainda pior, se Bolsonaro assumir a Presidência da República.

Afinal, um candidato da extrema-direita neofascista chegaria ao Governo Federal pelo voto popular, prometendo aplicar um plano ultra liberal, de retirada de direitos do povo trabalhador, de privatizações, de forte cunho autoritário e de perseguição aos movimentos sociais e à esquerda em geral.

Evitar um governo Bolsonaro deve ser nosso objetivo imediato mais importante, neste momento.

O antipetismo atual é regressivo

Por que Bolsonaro pode ganhar a eleição? Muitos setores da esquerda construíram uma visão distorcida da realidade, como se o fortalecimento de Bolsonaro se deve a um erro da própria esquerda, que não quis se desvencilhar do PT e não conseguiu se beneficiar de um sentimento de rejeição aos petistas.  Crêem que existe um amplo sentimento antipetista progressivo, que poderia ser capitalizado pela esquerda.  Mas, que pelo erro de ter lutado junto com o PT contra Temer, esse espaço não teria sido aproveitado por organizações da esquerda que não apoiam politicamente  o PT.

Essa visão abdica de analisar a profunda mudança negativa da correlação de forças entre as classes sociais, representada pelo golpe parlamentar de 2016, antecedido das manifestações reacionárias de 2015, hegemonizadas por setores das classes médias e dirigidas politicamente pela direita.

Confundem o processo de experiência com o PT que vinha se desenvolvendo, e que teve seu auge nas manifestações de junho de 2013, com um sentimento reacionário e de direita que ganhou corpo a partir de 2015 e se consolidou com o Impeachment de Dilma.

Quem dirigiu o golpe foi a velha direita mais tradicional, como o MDB, o DEM e o PSDB. Mas, os principais representantes da grande burguesia perderam o controle do processo de crise. Viram seu governo ilegítimo se tornar o mais impopular da nossa história, Temer ser odiado por quase toda a população e, ao lado desse processo, o crescimento e fortalecimento de uma extrema-direita neofascista, representada pela candidatura Bolsonaro, que já tinha colocado a “cabeca pra fora” nas manifestações em defesa do Impeachment de Dilma, defendendo uma intervenção militar,  e não foram combatidos.

Portanto, Bolsonaro não capitaliza um sentimento progressivo das massas. Ele é expressão de um giro à direita das classes médias, que arrastou parcelas significativa dos trabalhadores, sobretudo nos grandes centros urbanos, e chegou em condições de disputar o poder, se impondo neste segundo turno como a opção privilegiada da burguesia. As grandes empresas e bancos preferiram apoiar Alckmin na primeira volta, mas assistiram o fracasso rotundo da candidatura presidencial tucana e, agora, na sua maioria, perfila “atrás do Capitão”.

A luta por uma nova alternativa

Se a política de tratar os petistas da mesma forma que os golpistas e a negativa de estar nas ruas ao lado do PT para lutar contra Temer fosse garantia de êxito, como explicar os péssimos resultados políticos e eleitorais dos setores da esquerda que apostaram nessa via, como o PSTU e até setores do próprio PSOL, como a CST?

Apenas para ficar no exemplo dos resultados eleitorais: infelizmente, o PSTU viu cair ainda mais seu desempenho eleitoral, perdendo 36% dos votos para Presidente da República e 77% dos seus votos para a Câmara dos Deputados (sendo ultrapassado pela primeira vez pelo PCB nesta eleição legislativa) em comparação as eleições de 2014.

Da mesma forma, a CST amargou um péssimo resultado eleitoral com a candidatura do camarada Babá para deputado federal no Rio de Janeiro, chegando apenas a pouco mais de 2800 votos, mesmo estando à frente de um mandato de vereador na capital carioca.

A necessária e urgente construção de uma nova alternativa de independência de classe, que supere pela esquerda o projeto da direção do PT e do lulismo, não será atingida através de atalhos. E, muito menos, terceirizando para setores burgueses o justo combate que deve ser feito ao projeto de conciliação de classes da direção do PT.

Só estaremos à altura desta tarefa, caso tenhamos a disposição de lutarmos juntos e ao lado de todos e todas,  contra os terríveis ataques que virão.

Foto: Reprodução Youtube