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Do discurso de ‘fuzilar petistas’ ao assassinato de Moa do Katendê

Por: Henrique Oliveira*, de Salvador, BA

O mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, conhecido mundialmente como Mestre Moa do Katendê, 63 anos, foi assassinado com 12 facadas na madrugada de segunda-feira em Salvador, após uma discussão sobre o resultado das eleições gerais realizada domingo. O assassino de Moa do Katendê é o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira Santana, que é um eleitor do candidato do PSL, Jair Bolsonaro.

Segundo o primo de Moa, Germinio do Amor Divino Pereira, que também foi atingido no braço, a vítima discutiu com o eleitor de Bolsonaro, porque percebia que o candidato do PSL representava uma ameaça aos poucos direitos duramente conquistados pelo negros no Brasil e que por isso tinha votado em Fernando Haddad do PT.

Após a discussão terminar, Paulo Sérgio Ferreira foi em casa, voltou ao bar com uma faca e atacou o mestre Moa do Katendê pelas costas. Em depoimento à polícia, Paulo Sérgio confessou que a discussão política foi o motivador do crime. As testemunhas que estavam no bar disseram que Paulo Sérgio entrou no estabelecimento dizendo que o “Brasil precisava se livrar do PT”.

O assassinato de Moa do Katendê é resultado do repertório discursivo fornecido por Jair Bolsonaro, na sua campanha presidencial baseada em notícias falsas e no discurso de ódio contra o PT e a esquerda em geral, assim como mulheres, negros e indígenas. No mês de setembro, enquanto fazia campanha eleitoral no estado do Acre, Jair Bolsonaro pegou o tripé de uma câmera e disse aos seus eleitores que iria “fuzilar a petralhada do Acre”. A violência é o principal mote de Bolsonaro, a sua proposta para segurança pública, se é que podemos chamar isso de proposta, é garantir que os policiais tenham “carta branca” para matar através do excludente de ilicitude.

O que na prática se configura em automaticamente inocentar os policiais, dando a legítima defesa sem precisar averiguar se realmente foi uma troca de tiro. Só que, o recurso da exclusão de ilicitude já é garantido pelo Ministério Público, através do alto índice de arquivamento dos autos de resistência.

Quando esteve no município de Jaci, no interior de São Paulo, Jair Bolsonaro fez um discurso irresponsável, incentivando que as pessoas reagissem a um assalto ou tentativa de homicídio, pois ele daria uma condecoração por “ação de bravura”, para policiais e civis. Ao mesmo tempo, um levantamento realizado pela Folha de São Paulo, utilizando dados da Corregedoria da PM de São Paulo, entre os anos 2006 e 2013, demonstrou que os PM’s saíram ilesos apenas em 8% dos ataques que sofreram, a cada dez ataques a policiais, em nove o policial acabou morto ou ferido.

E no próprio domingo eleitoral, a irmã da vereadora assassinada Marielle Franco, relatou na sua rede social que foi xingada e ameaçada por eleitores de Bolsonaro aos gritos de “piranha”, “Bolsonaro” e “esquerda de merda”, quando andava pela rua com a sua filha de dois anos no colo. Um candidato eleito pelo PSL no Rio de Janeiro, como o mais votado para Assembleia Estadual, foi um dos responsáveis por destruir uma placa de rua em homenagem a Marielle Franco durante a sua campanha.

Em Recife, uma jornalista foi agredida, xingada e ameaçada de estupro por dois eleitores de Bolsonaro, após ter sido identificada pelo seu crachá. A vítima ficou com hematomas no rosto e cortes no braço. Um inquérito policial foi aberto para investigar. Os eleitores de Bolsonaro  filmaram e tiraram foto, votando usando armas de fogo para digitar o número do candidato na urna eletrônica, o que é um crime eleitoral.

O Bolsonarismo se alimenta da frustração e do ressentimento criado contra o PT, e se espalha de norte a sul do Brasil. Em Natal, uma médica do Hospital Giselda Trigueiro, rasgou uma receita após o seu paciente, um idoso de 72 anos, responder que votou em Fernando Haddad do PT. A médica Tereza Dantas disse que se arrependeu e que pediu a Deus perdão para que tirasse dela o sentimento de mágoa, que nunca foi extremista e estava se transformando naquilo que não gostava.

Torcedores de clubes como Atlético Mineiro e Palmeiras entoaram cânticos que “Bolsonaro vai matar viado”, é isso que os seus eleitores esperam com uma possível presidência de Jair Bolsonaro, legitimidade para matar homossexuais. Tudo isso num dos países em que mais se mata LGBT. E esses discursos encontram em Bolsonaro total apoio, pois ele já declarou que preferia ter um filho morto num acidente de carro do que ele fosse homossexual.

Ao comentar sobre a morte de Moa do Katendê, Jair Bolsonaro disse apenas que o seu eleitor cometeu um “excesso”, Bolsonaro chamou uma assassinato brutal, com 12 facadas de excesso. E será que ele tem a mesma opinião sobre a única facada que tomou quando fazia campanha em Minas Gerais? Acredito que não. E disse ainda que não tem nada a ver sobre o ocorrido e que não tem controle sobre seus eleitores. A questão é que Bolsonaro tem total responsabilidade pelo assassinato de Moa do Katendê, porque incentiva a violência como método de resolução das divergências políticas, sobretudo quando do outro lado a pessoa pode ser identificada como “petista”.

E Bolsonaro conta não só com apoio dos seus eleitores, mas também com as vistas grossas de setores da imprensa, tal qual o jornalista da Bandeirantes, Ricardo Boechat, que durante o jornal da BandNews, classificou o assassinato de Moa do Katendê como uma “bobagem”, porque temos 65 mil homicídios por ano. Uma vida a mais ou uma vida menos, não faz tanta diferença assim na opinião dele, ainda mais se essa vida for uma vida negra, que é a parcela expressiva das pessoas que são assassinadas no Brasil. Porque não adianta ficar dizendo que tem preocupação com os homicídios no país, sem levar em consideração que grande parte dessas vítimas são homens, negros e jovens, um setor altamente vulnerável.

Em seus perfis na rede social, os cantores baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso fizeram homenagens Moa do Katendê, e falaram sobre esse clima de ódio que tem tomado conta do Brasil e se personifica na candidatura de Jair Bolsonaro. Além de mestre de capoeira, Moa do Katendê foi o criador do bloco Afoxé do Badauê. A influência de Moa Katendê na cultura baiana lhe rendeu uma homenagem de Caetano Veloso nas músicas “Badauê” e “Beleza pura” em que Caetano fala sobre ‘o moço lindo do badauê’, era à Moa que o cantor se referia.

O jornal El País publicou recentemente um artigo com o título “porque votamos em Hitler”, que visa explicar, como em 1932, Hitler recebeu 37% dos votos dos alemães, numa sociedade que tinha a melhor educação pública e com maior nível de pessoas com doutorado. Inclusive, vários intelectuais com alta formação acadêmica aderiram ao Nazismo e se tornaram uma verdadeira máquina de matar. Doze anos depois da ascensão do Nazismo e milhares de mortos, muitos alemães que votaram Hitler disseram não ter a noção que o genocida iria trazer miséria ao mundo, as pessoas não perceberam a gravidade dos discursos do líder do partido nazista sobre judeus, homossexuais e demais grupos sociais que a sua ideologia classificava como inimigo na suposta raça ariana, quando se deram conta, o terror estava já estava instalado.

A morte  brutal de Moa do Katendê é resultado direto do ódio político alimentado contra o PT e seus eleitores, principalmente aos nordestinos, que foram novamente xingados na internet após impedirem a vitória no primeiro turno de Bolsonaro. E se não reagirmos agora, sofreremos graves consequências da banalidade do mal manipulada pelo Hitler à brasileira.

Henrique Oliveira é colaborador da Revista Rever/Salvador