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Das coxias ao proscênio: a burguesia brasileira convoca o fascismo

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

“Devido à crescente iniquidade, o amor arrefecerá na maioria, mas quem perseverar até o fim, este será salvo” (Mateus 24:12, 13)

Ao lado dos dois degenerados que arrancaram a placa de Marielle e que, em vídeo amplamente divulgado, disseram, em alto e bom som, que com Bolsonaro no poder será a hora de “largar o dedo nos vagabundos do PSOL, PCdoB e PT”, há um candidato a governador do Rio de Janeiro, que é juiz, e que, impudentemente, vibrou com as diatribes ditas por seus sequazes. Depois, todos gritaram o nome do cruzado Sérgio Moro, adorado pelos obtusos homens e mulheres de bem do país. O simples fato de que nem o MP, nem o TSE, nem o STF, nem o senhor Marcelo Bretas, nem o senhor Barroso, nem o senhor Fux e nem nenhum dos demais justiceiros de toga terem esboçado qualquer reação à barbárie feita contra a memória de Marielle deixa cada dia mais evidente que o Poder Judiciário é, hoje, um poder cada vez mais bonapartista na cena política, o qual prepara, tranquilamente, o caminho para o fascismo.

Este tipo de postura por parte de agentes do Estado brasileiro diz muito sobre a relação entre a nossa autocrática burguesia e a ameaça fascista que paira sobre o país. A classe dominante brasileira cumpriu todos os ritos obscurantistas, fez todas as oferendas e sacrifícios necessários, jejuou, rezou, dançou e conjurou todos os espíritos do mal. Sem pudores e receios, recorreu aos esgotos, aos subterrâneos e às masmorras. Convidou milicianos, integralistas, pastores descrentes, padres sem fé, teólogos da terra plana, filósofos da astrologia, escribas semiletrados, atores pornôs moralistas, generais sediciosos, procuradores cátaros, juízes fora da lei e todos os demais seres ímpios que pudessem lhe ajudar na execução do Golpe. Quando, depois de lhe ajudar no serviço, o demônio do fascismo, trazido ao mundo em carne e osso, vem lhe cobrar o seu preço, isto é, a Presidência da República, a burguesia, por meio dos seus finórios jornalistas da grande imprensa, demonstra um nítido desconforto, um certo receio, medo até, e age como se não tivesse feito convite algum a quem quer que fosse, como se nada tivesse a ver com o lixo que insidiosamente trouxe à tona, enfim, como se em nada tivesse contribuído para que o Espírito do Mal, finalmente, se fizesse carne. Agora, contudo, tal qual Mefistófeles a Fausto, o demônio do fascismo diz à burguesia brasileira:

“Quiseste tanto ver-me e ter-me aqui presente,
Ouvir minha voz e contemplar-me o aspecto
Tocou-me o teu desejo em rijo e por completo
Aqui estou! Mas que medo tão impertinente
Te domina, oh! Super Homem! E da alma o anseio
O mundo que conténs vaidosos no teu seio!
E com enorme orgulho, crendo-te genial,
Julgavas-te, de nós, Espíritos, igual?
Onde estás, [burguesia], a voz que por mim clamou.
E com forças da alma até aqui me arrastou?
És tu? Que com meu sopro logo empalideces,
Mergulhado da vida em vãos, loucos temores,
E como pobre verme, tremendo, surges?”
(Goethe)

Por ter aceitado jogar as regras do jogo e se curvado à Casa Grande, o Partido dos Trabalhadores é, sim, responsável pela desilusão com a política – e, por conseguinte, pela desilusão com uma política transformadora – por parte de milhões de trabalhadores e da juventude plebeia. No entanto, o PT não pode ser responsabilizado criticamente pelo antipetismo que embala a campanha fascista de Bolsonaro, na medida em que tal antipetismo, ainda que se concentre no discurso anticorrupção, no fundo se origina justamente das rebaixadas mudanças que o PT fez em termos de política pública, se opondo radicalmente a elas. Dito de outro modo: se o PT não tivesse se envolvido em práticas corruptas e sim promovido grandes transformações sociais, levando a cabo tarefas como reforma agrária, reforma urbana e melhorias da Educação e Saúde públicas, o antipetismo dos segmentos médios que atualmente estão com Bolsonaro seria cem vezes mais fervoro, histérico e violento do que é hoje. Por outro lado, é verdade, se o PT tivesse avançado nas reformas sociais, incluindo aquilo que Gramsci certa feita chamou de “reforma moral intelectual” – o que, no caso brasileiro, exigiria uma profunda democratização dos meios de comunicação – possivelmente contaríamos hoje com parcelas da classe trabalhadoras mais organizadas, fortes e conscientes, certamente capazes de atrair para si forte apoio de segmentos oriundos dos estratos médios, assim como de impedir, ou pelo menos minimizar, o atual movimento feito por suas próprias parcelas em direção ao fascismo.

Diante da atual situação, dramática, a única esperança de vitória sobre o fascismo reside em uma aliança entre o forte movimento feminista e o proletariado mais explorado, entre a militância socialista das combativas mulheres e aquele setor que o sociólogo Ruy Braga denomina de precariado. Segundo as últimas pesquisas, Fernando Haddad só vence Jair Bolsonaro entre aqueles que ganham até 1 salário mínimo, isto é, entre aqueles que sobrevivem, ou tentam sobreviver, com cerca de 950 reais por mês. Justamente entre os mais explorados, entre a parcela do proletariado mais desprovida de estabilidade e direitos, é que a crítica ao fascismo neoliberal é mais forte. A esperança da civilização brasileira reside ali, justamente entre aqueles que nada têm a perder, e sim o mundo a ganhar. Aproximadamente 170 anos depois, pode-se dizer que seguem atuais as palavras finais do Manifesto de Marx e Engels. Uma frente única das organizações dos trabalhadores, dos movimentos sociais, com forte protagonismo do movimento feminista e sob direção das mulheres marxistas, deve se lançar com unas e dentes para não só consolidar e organizar o antifascismo entre as parcelas mais exploradas do proletariado, como também para disputar as demais parcelas da classe trabalhadora e prepará-la para o combate nas urnas e nas ruas. Nesse sentido, o voto, domingo, em Boulos e Guajajara é um voto educativo, um voto no futuro que, dialeticamente, pode nos orientar no presente.

A partir da semana que vem, no entanto, será hora de começar a exigir de Haddad e do PT um compromisso em adotar medidas autenticamente populares, as quais possam solapar parte significativa da base de massas do fascismo. Os compromissos com o mercado de nada adiantarão, e as provas são fartas e saltam aos olhos. A crescente convergência entre rentistas e fascistas fala por si só. Se na primeira vez o PT foi deposto tragicamente pelo capital, na segunda o será farsescamente, porém, com sangue, muito sangue, com nosso sangue. O PT deixou o ovo ser posto, deixou a ele um ambiente e um temperatura favoráveis, viu a pequena serpente rebentar da casca, nascer e crescer, sempre achando, ingenuamente, que ela não seria venenosa – ou que pelo menos não o morderia. Jamais acreditou que a nossa burguesia seria seduzida pelas propostas feitas pelo ofídio, e, assim, todos ficariam tranquilos no Éden, para sempre. Mas o pra sempre, como disse o poeta do rock, sempre acaba. O passado, em política, já passou. A nossa luta é a luta do tempo presente, para que possa haver um tempo futuro minimamente civilizado. Em um segundo turno, todos os que acreditam na humanidade devem exigir que o PT, caso vença o pleito, se comprometa a abater, sem piedade, a serpente. Não há mais conciliação possível. Se o PT assim se dispuser, poderá contar conosco, os socialistas, para que dias e noites sejam virados em busca dos votos dos trabalhadores contra Bolsonaro e, principalmente, poderá conosco contar para que cerquemos e decepemos a serpente, antes que ela nos devore a todos.