Com o Brasil mergulhado em uma aguda crise econômica, política e social, a corrida presidencial adquiriu grande centralidade no processo eleitoral. Entretanto, ainda que a presidência seja o posto principal da estrutura política brasileira, as eleições para os executivos estaduais também possuem grande relevância. Os governadores não apenas são responsáveis por questões do cotidiano da população (como segurança pública, saúde e educação, entre outros), como, também, participam da dinâmica política nacional, exercendo pressões sobre o governo federal e articulando iniciativas com as bancadas federais de seus estados.
A despeito dessa importância, rascunhar um quadro preciso da disputa nos 26 estados e no Distrito Federal é tarefa inglória, principalmente, em função da desigualdade dos dados disponíveis. Diante dessas dificuldades, o objetivo desse texto é apenas tentar delinear algumas tendências que se insinuam nas eleições estaduais, sem, entretanto, tomá-las como verdades absolutas.
Para isso, tomo como referência as últimas pesquisas publicadas pelo Ibope em cada ente federativo. Essas enquetes foram produzidas em três momentos: entre 16 a 18 de setembro (AM, PA, RR, RO, AP, MA, PB, PE, BA, DF, MG, SP, RJ); em diferentes dias da primeira quinzena de setembro (RS, PR, ES); e em variados períodos da segunda quinzena de agosto (AC, TO, CE, PI, RN, SE, AL, MT, MS, GO e SC). Na observação desses dados, deve-se considerar que as pesquisas realizadas há mais tempo tendem a apresentar cenários mais distantes do existente hoje, em função da evolução posterior das disputas ainda não captada por novas pesquisas.
O quadro geral: força da velha direita
Um primeiro dado evidenciado pelas pesquisas mencionadas é o de que há relativa dispersão partidária dos votos para os governos estaduais, na medida em que 11 agremiações diferentes ocupam o primeiro lugar em, pelo menos, um estado.
Em meio a essa dispersão, é importante salientar que os três partidos que constituem a coluna vertebral da Nova República (PT, PSDB e MDB) permanecem se destacando do conjunto. No caso específico do PSDB, é importante indicar que, além de liderar em quatro estados, o partido possui, ainda, três outros candidatos que estão em segundo lugar, mas tecnicamente empatados com os líderes de seus estados (SP, SC e RS). Fechando o grupo dos partidos que lideram em mais de um estado, aparecem o DEM e o PSB, partidos que tiveram papeis significativos nas coalizões dos governos federais, respectivamente, do PSDB e do PT.
Essas constatações, entretanto, não deve conduzir à ideia de que haja um equilíbrio de forças entre os espectros amplos da direita e da esquerda. Se tomarmos como referência o impeachment de Dilma Rousseff – fato que marcou a principal encruzilhada política do último período –, os partidos que votaram contra a destituição da presidenta lideram em apenas 8 estados (6 do PT + 1 do PDT + 1 do PCdoB), ao passo que os favoráveis acumulam 20 lideranças.
A depender da evolução do quadro eleitoral, essa correlação de forças pode ficar ainda mais desequilibrada, uma vez que o PT possui duas das lideranças mais frágeis: no Acre, há empate absoluto com o candidato do PP e, em Santa Catarina, empate técnico.
Outro elemento significativo no cenário atual diz respeito ao grau de renovação nos governos estaduais. Dos 20 governadores que buscam a reeleição, dez ocupam a primeira posição, ao passo que outros cinco têm boas chances de alcançarem o segundo turno. Mesmo entre aqueles que não concorrem à reeleição, há inúmeros casos de políticos tradicionais com longas carreiras públicas que lideram as disputas em seus respectivos estados, como Eduardo Paes (DEM) no Rio de Janeiro, Antonio Anastasia (PSDB) em Minas Gerais e Helder Barbalho (MDB) no Pará. Esses dados sugerem que, a nível estadual, tem havido um relativo bloqueio à expressão mais contundente do sentimento de saturação com os políticos tradicionais que atualmente caracteriza boa parte do eleitorado.
Dois elementos que podem ser inicialmente mobilizados como hipóteses para uma explicação dessa situação. De um lado, o peso das máquinas administrativas e dos currais eleitorais parece continuar sendo um fator preponderante na definição do voto estadual. De outro lado, é inegável que alguns políticos com longa experiência adotaram medidas de renovação formal de suas imagens, seja se afastando de partidos mais desgastados em determinadas regiões, seja adotando nomes públicos mais simpáticos.
O reduto petista no Nordeste
Em termos eleitorais, o principal contraponto a esse fortalecimento da direita tradicional está localizado no Nordeste. Naquela região, PCdoB e PT, lideram, respectivamente, em um e quatro estados. Em três deles, são muito elevadas as probabilidades de vitória ainda no primeiro turno (BA, PI e CE), uma hipótese que também não é inteiramente descartada nos outros dois (MA e RN). Configura-se, dessa forma, um importante reduto do bloco político que aposta na estratégia da conciliação de classes.
Esse cenário é coerente com o realinhamento eleitoral do petismo e, mais especificamente, do lulismo, a partir do pleito de 2006. Desde então, Lula e Dilma obtiveram sólidas maiorias no Nordeste, que também tem se apresentado como carro-chefe das intenções de voto em Fernando Haddad.
Como ala esquerda da ordem capitalista, ainda que não tenham rompido os padrões históricos de subordinação regional do Nordeste ao Sul-Sudeste, os governos petistas se caracterizaram por algumas políticas públicas que tiveram profundo impacto na região que concentra os maiores índices de pobreza do país. Dentre elas, é possível citar o avanço na infraestrutura (em especial, no que se refere ao fornecimento de energia elétrica), a abertura de universidades e institutos federais, as políticas sociais e as iniciativas de incentivo ao consumo.
Apesar da força atualmente demonstrada, o médio prazo já anuncia um desafio importante para o bloco PT/PCdoB. Dos seus cinco candidatos que lideram as pesquisas, quatro são governadores em busca da reeleição, o que faz com que a extensão da força do bloco na região para além de 2022 dependa de uma necessária transição de quadros. Além disso, caso Haddad e Manuela saiam derrotados das eleições presidenciais, o mais provável é que os estados governados por seus partidos sejam colocados no final da lista de prioridades de qualquer presidente oposicionista, aumentando as dificuldades dos governadores.
O PSOL como alternativa à esquerda
Dentre as forças políticas que se localizam à esquerda do bloco PT/PCdoB, o PSOL é, inegavelmente, o que atinge os melhores resultados eleitorais. À exceção do Acre e do Amapá, onde não lançou candidaturas, o partido oscila entre 0 e 3% das intenções de voto em 24 estados. Ainda que tímidos, tais percentuais colocam o partido em empate técnico com os candidatos do PT em, pelo menos, cinco desses estados (MS, GO, DF, ES e PR).
O quadro é completado pelo Rio de Janeiro, onde o Ibope atribui 4% das intenções de voto a Tarcísio Motta, ainda que haja um notório potencial para um desempenho ainda melhor. Em 2014, o mesmo candidato se aproximou dos 9% na apuração final, tendo como concorrente pelo voto de esquerda um quadro petista (Lindbergh Farias) muito mais experiente e conhecido do que Márcia Tiburi.
Essa limitada influência eleitoral pode ser explicada por uma série de fatores. Em primeiro lugar, a conjuntura adversa, marcada por uma ofensiva burguesa e conservadora não apenas aproxima das posições de direita amplos segmentos da população, como, também, apresenta uma pressão pelo coesionamento da esquerda em torno do PT. Em segundo lugar, a opção política da maioria das coligações do PSOL de não aceitar os partidos da ordem – tanto de direita, quanto de esquerda –, reduz substancialmente o acesso de suas candidaturas ao tempo de televisão. Em terceiro lugar, a disparidade financeira entre o partido e seus concorrentes dificulta a obtenção de uma forte infraestrutura de campanha.
A importância das candidaturas do PSOL, entretanto, não deve ser medida prioritariamente por fatores quantitativos, mas por sua distinção qualitativa em relação aos principais partidos do país, aí incluídos PT e PCdoB. Nesse terreno, o elemento fundamental é a sua capacidade de servir como ponto de apoio político e programático para os movimentos sociais mais combativos do país, estabelecendo pontes entre eles, rejeitando a conciliação de classes e preservando a estratégia de uma política independente da classe trabalhadora e dos setores oprimidos.
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