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BRASIL

Cuidado para não ser enganado pelo banqueiro que puxa as cordinhas na campanha de Bolsonaro

Por: Patrick Galba, do Rio de Janeiro, RJ

Paulo Guedes é dado como certo para ser o futuro ministro da economia de um eventual governo Bolsonaro. É apresentado pela imprensa como economista formado pela escola de Chicago e um grande liberal. Nos debates e entrevistas em que participou, Bolsonaro apontou Paulo Guedes como a única autoridade de seu futuro governo em relação à economia, a ponto de que qualquer pergunta sobre o tema deveria ser direcionada ao seu eventual futuro ministro.

Mas existe uma informação muito importante sobre Paulo Guedes que não tem aparecido na grande imprensa quando o guru de Bolsonaro é apresentado: ele é sócio-fundador de um dos maiores bancos do país, o BTG-Pactual.

O banco BTG-Pactual, segundo informações disponíveis na rede, foi fundado em 1983 e tem entre seus sócios figuras como André Esteves (o único banqueiro preso pela lava-jato) e o ex-ministro Nelson Jobim. O banco atualmente consta na lista dos 10 maiores bancos do Brasil, e está entre os cinco maiores bancos privados.

Ao que indica o passado recente, os sócios do banco parecem estar desenvolvendo formas ousadas de interferir na política. André Esteves, por exemplo, chegou a ser considerado “o banqueiro do PT”, um dos dez banqueiros mais influentes do mundo (segundo a Bloomberg) e ficou preso durante alguns meses em decorrência da delação do ex-senador Delcídio do Amaral. Segundo o ex-senador, Esteves teria operado para ajudar a abafar as investigações do escândalo da Petrobrás.

Paulo Guedes obviamente apresenta-se como alguém atualmente desligado do banco e dedicado exclusivamente a assessorar Bolsonaro na campanha presidencial. O banco, entretanto, não parece estar nem um pouco desligado de seu sócio-fundador.

O Programa de Paulo Guedes

Uma leitura rápida dos pontos econômicos do programa de governo da candidatura Bolsonaro registrado no TSE mostra que Paulo Guedes é quem efetivamente dará as cartas num eventual governo.

Apesar de ter tido sempre posições contra os trabalhadores (vide por exemplo, sua insistência em reduzir os direitos trabalhistas – algo que no seu programa de governo aparece de forma radical na proposta de uma “carteira de trabalho verde-amarela”, sem direitos trabalhistas[1]), Bolsonaro buscou ao longo de sua trajetória construir sua imagem de “patriota”, criticando a subordinação do Brasil a uma ordem internacional injusta (“globalista”), criticando a entrega a “preços de banana” de recursos naturais (como o Nióbio) e o desmonte da indústria brasileira.

Entretanto, nada disso aparece com qualquer importância no programa econômico registrado no TSE. Alí só dá Paulo Guedes.

Para dar alguns exemplos: em sua entrevista na rede Globo News, Guedes afirmou que os objetivos centrais da sua gestão seriam zerar o déficit público no primeiro ano de governo, e privatizar todas as empresas estatais. Perguntado pelos entrevistadores se estas seriam posições apenas dele ou posições oficiais da candidatura, Guedes apontou que seriam posições dele, mas que se tornariam posições do governo uma vez que nesse tema ele teria mais peso dentro de um eventual futuro governo.

A previsão de Guedes se confirmou totalmente no programa de governo da candidatura Bolsonaro registrado no TSE: ali constam de forma completa e ainda mais radical tanto a proposta de déficit zero em um ano (nas páginas 54-55) e de privatização de todas as empresas estatais (páginas 60-62).

Déficit zero em um ano

Trata-se, nas condições atuais, de uma proposta ultra-radical. O déficit do governo federal atualmente está próximo dos R$ 200 bilhões, um sifra tão grande que mesmo a proposta já radical de corte de gastos contida na PEC 241 de 2016 (a chamada “PEC do fim do mundo”) estimava ir cortando os gastos e investimento federais para fazer uma redução gradual desse déficit ao longo de doze anos, ou seja, os autores da PEC estimavam zerar o déficit até 2030.

Na forma da PEC 241 os cortes e contingenciamentos já provocaram conseqüências drásticas: praticamente acabaram os concursos públicos no executivo; o grosso dos servidores da união – os normais que não são parte da “elite” – não tem reajuste há pelo menos dois anos; instituições públicas estão às mínguas sem verbas há mais de um ano – vide o caso do Museu Nacional, que durante todo o ano de 2018 recebeu menos de R$ 100 mil em verbas culminando em sua destruição num incêndio, e diversas instituições ameaçam fechar as portas; a saúde federal está numa profunda crise; e a educação, só para ter uma idéia, a CAPES anunciou recentemente que todas as bolsas de pesquisa poderão ser canceladas esse ano, o que significa basicamente o fim da pós-graduação no Brasil da forma que a conhecemos.

Na forma proposta por Paulo Guedes, entretanto, o desmonte do serviço público federal de uma forma muito mais radical: os cortes que precisariam ser feitos ao longo de 12 anos no espírito da PEC seriam todos feitos em um ano apenas. Qual a única forma de alcançar esse resultado? Demissões em massa de servidores, cortes salariais, fim de gratificações, fechamento de órgãos inteiros (como universidades, escolas técnicas, hospitais federais, etc.).

Qualquer retomada da arrecadação (que possa, inclusive, reduzir a trajetória de crescimento do déficit público, sendo este ou não um objetivo do governo) depende de existir crescimento econômico e isso depende em boa medida dos investimentos estatais, o que esse projeto nega completamente. Se você considera que a maioria da população diz que quer mais “saúde e educação” e melhores serviços públicos, este certamente não é um bom caminho.

Privatização de todas as estatais

Na entrevista de Paulo Guedes para a globo news mencionada acima o assunto que tomou a maior parte do tempo foi esse. Guedes apresenta uma conta segundo a qual a venda de todas as estatais daria R$ 2 trilhões ao governo. Os entrevistadores apresentaram estudos que apontam para um número diferente, algo em torno de R$ 700 bilhões. De qualquer forma, a discussão toda parte do mesmo pressuposto: que todas as estatais seriam vendidas por um eventual governo Bolsonaro.

A forma que o programa de privatização (“desestatização”) aparece no programa de governo de Bolsonaro é ainda mais radical. O programa defende a venda das estatais como forma de aumentar a “eficiência econômica, o bem estar e a distribuição de renda”, além de “equilibrar as contas públicas” e “aumentar a competitividade das empresas” (página 61 do programa).

Para atingir estes nobres objetivos, o programa de Bolsonaro aponta que é preciso fazer o que for necessário, sem “preconceitos ideológicos”. Por isso, propõe recorrer aos recursos públicos (via BNDES) para financiar a aquisição das empresas estatais pelo setor privado, tendo sua “centralidade” no financiamento do programa de desestatização (página 62 do programa de governo de Bolsonaro).

Um programa de privatização tão radical pode ser, em si, criticado por diversos pontos.

Em primeiro lugar, a idéia de que a venda de bancos públicos (como o Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal) e das empresas estatais vai gerar necessariamente uma grande economia para o governo é falsa. Muitas dessas empresas são atualmente muito lucrativas (o BB apenas teve no ano passado R$ 11,1 bilhões de lucros).

Além disso, o projeto de Bolsonaro-Guedes é usar dinheiro público para financiar a compra dessas empresas lucrativas pelo setor privado, o que significa uma entrada ainda menor de recursos efetivamente pagos pelo setor privado, ou mais dispersa no tempo.

Entretanto, o mais importante não é isso, mas que essas empresas tem um papel importante na economia do país. Por exemplo: durante o auge da crise que se iniciou em 2008 os bancos privados aumentaram suas taxas de juros para a estratosfera, e os bancos públicos foram fundamentais para garantir a permanência de crédito para todo o setor privado.

Neste período, BB e Caixa aumentaram substancialmente a sua participação no total das operações de financiamento. É possível afirmar com certeza que se não fossem os bancos públicos, a crise teria sido muito pior, e o grande fator que determina as quedas de arrecadação do governo é a justamente a falta de crescimento da economia, ou o fraco desempenho, que impacta na arrecadação.

Por outro lado, temos o impacto no emprego. Quem terá condições de comprar empresas como Correios, Petrobrás e os Bancos Públicos? Certamente que apenas outras grandes empresas que já atuam nestes setores. Imagine a compra da Petrobrás por uma grande empresa do setor de petróleo (como a Shell ou Exxon).

Uma das primeiras medidas no caso dessas grandes fusões e aquisições é cortar todas as atividades em duplicata (como todo o setor administrativo, toda parte de pesquisa e desenvolvimento e inclusive diversos setores operacionais que não sejam considerados necessários pela nova empresa).

Com isso, pode-se ter certo uma coisa: essas privatizações vão gerar um grande número de demissões, para viabilizar uma lucratividade maior das empresas compradoras. Para essas empresas é boa notícia, mas para a economia do Brasil, e em especial para os trabalhadores ou para quem está procurando emprego, são péssimas medidas.

Por fim está o argumento da “concorrência” e da “eficiência”. Esse é o mais perverso de todos. Vejamos o exemplo dos bancos. Hoje no Brasil existem basicamente três grandes bancos privados com um número grande de agências que podem ser utilizados pelo trabalhador comum em todo o país: Itaú, Bradesco e Santander. Além disso, temos os dois bancos públicos: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. É um dos sistemas bancários mais concentrados do mundo.

Mas a verdade é que atualmente são esses dois bancos públicos que garantem o mínimo de concorrência no sistema bancário.

Por exemplo, a proposta de financiar barato as dívidas de quem está inadimplente no SERESA e no SPC lançada por Ciro Gomes e adotada por outros candidatos precisaria da Caixa e do BB para existir, assim como o financiamento de imóveis e diversos outros tipos de financiamento mais barato que só são praticados pelos bancos públicos. Além disso, se Caixa e BB forem privatizados, quem vai comprá-los? Provavelmente um dos grandes bancos privados, um grande banco estrangeiro ou então um “consórcio” formado por vários deles.

De qualquer forma, é uma tremenda ilusão imaginar que o resultado dessa transação seria um aumento da concorrência. É óbvio que se Itaú, Bradesco, Santander ou outro banco privado comprar a Caixa e o BB, a concorrência entre os bancos vai diminuir e não aumentar.

Agora, um fato curioso relacionado a este programa de privatizações: apesar do crescimento de Bolsonaro nas pesquisas e dessas propostas radicais de privatizações, que incluem os bancos públicos, os preços das ações na bolsa de valores desses três principais bancos privados não têm crescido muito. Os preços das ações na bolsa de valores são um termômetro de como os investidores, os capitalistas que especulam com o valor futuro das empresas, estão vendo o que está se desenhando para o futuro dessas empresas.

Parece estranho que diante de uma possibilidade concreta dos bancos privados abocanharem os gigantes Caixa e BB, ainda por cima com financiamento público do BNDES, colocada pelo crescimento da candidatura Bolsonaro, não existe ainda um movimento de investidores se posicionando para auferir os lucros dessa “tenebrosa” e monstruosa transação.

Privatizações e o banqueiro de Bolsonaro

Mas a estranheza se desfaz se olharmos o movimento dos preços das ações do quarto maior banco privado do Brasil. Os preços dessas ações crescendo de forma sólida pelo menos desde julho deste ano, e já tiveram uma alta de cerca de 30%. E qual é o quarto maior banco privado do Brasil? Este banco se chama BTG-Pactual (ele mesmo, lembram? O banco do qual Paulo Guedes é sócio-fundador!).

Ao que tudo indica, os investidores da bolsa estão apostando que num futuro governo Bolsonaro, o sócio-fundador do BTG-Pactual estará bem posicionado no ministério da economia para viabilizar um grande salto do banco em termos de aquisições do programa radical de privatizações, e ainda por cima com financiamento público via BNDES.

A alta das ações do BTG-Pactual na bolsa, entretanto, mostra que o programa de “privatizações” de Paulo Guedes já está tendo efeitos antes mesmo das eleições: a cada ponto percentual de Bolsonaro ganha nas pesquisas de opinião, o preço das ações do BTG-Pactual aumenta e, provavelmente, novos dígitos são adicionados nas contas bancárias dos sócios de Paulo Guedes.

Esse negócio ficou tão bom que o banco BTG-Pactual resolveu fazer suas próprias pesquisas. Na última pesquisa realizada pelo banco, divulgada no dia 17/09, Bolsonaro, que em média atinge 24-26% nas outras pesquisas, aparecia com 33%, com todos os outros principais concorrentes aparecendo muito atrás.

Enquanto nas outras pesquisas Bolsonaro é o mais rejeitado, na pesquisa do BTG-Pactual Bolsonaro é o menos rejeitado (sendo a sua rejeição menor até mesmo do que a de figuras desconhecidas, como a do velhinho Eymael, o “democrata-cristão”).

Além disso, para o BTG-Pactual, Bolsonaro ganha de lavada de todo e qualquer adversário no segundo turno. A coisa toda é tão escancarada que diversos economistas e até o jornalista Luís Nassif denunciaram o notório conflito de interesses expresso na realização e divulgação de pesquisas de opinião para a eleição presidencial pelo banco que parece ser o maior beneficiário delas. O TSE, que tem proibido adesivo de estudante em universidade e enquete em site, até agora fez vista grossa para o negócio dos sócios de Guedes.

Tudo isso para baixar os juros e fazer crescer o emprego

Ainda segundo o programa de Bolsonaro/Guedes essas e outras medidas radicais contra o povo trabalhador se justificariam pois elas serviriam para baixar os juros, e com isso aumentar o investimento e a geração de empregos. A promessa do banqueiro Guedes ultrapassa os limites do cinismo.

Ele quer que o eleitor acredite que depois que o sistema bancário for vendido (para os seus sócios, muito provavelmente), e os bancos públicos deixarem de existir (a exceção do BNDES que ainda é necessário para toda esta operação), o 4 conglomerados bancários resultantes (os quatro maiores privados, que certamente incluiria os novos proprietários de Caixa e BB) vão aceitar reduzir substancialmente os juros, reduzindo também sua taxa de lucros. Como diria um cachorrinho de programa infantil: acredite se puder!

Uma candidatura da ala mais predatória e inconseqüente do capital tupiniquim

O capitalismo brasileiro tem suas crises expressas de uma forma aparente muito específica e parece estar desenvolvendo uma forma ainda mais peculiar de sair delas. A crise tupiniquim expressa um lado do capitalismo no qual o crescimento, quando ocorre, se dá sem qualquer aumento substancial da produtividade do trabalho e por isso rapidamente se coloca ele próprio um obstáculo a si mesmo, na forma de um aparente crescimento do peso dos salários no produto nacional.

A partir daí a classe capitalista periférica parece entrar numa espiral de desespero para aumentar a taxa de exploração por outras vias que não aquela característica dos aumentos de produtividade, a qual Marx chamaria de mais-valia relativa. Isto resulta numa crise de tipo específico, na qual a característica central é a busca do auxílio do Estado para implementar o aumento da taxa de exploração que os capitalistas são incapazes de fazer pela via “normal”.

Este processo, descrito em outros termos por Ruy Mauro Marini como a base da “super-exploração” da força de trabalho periférica, está na base do aparente suicídio do capital industrial brasileiro nos anos 1980-1990.

A participação da indústria no PIB brasileiro, que chegou a mais de 33% na década de 1980, atualmente encontra-se abaixo de 10%. O amplo programa de privatizações e a desnacionalização dos anos 1980-90 foram fundamentais para esse resultado. A classe capitalista brasileira optou por vender suas participações nas empresas, ainda que apenas para que estas fossem fechadas. O resultado foi a constituição de uma massa de capitais rentistas altamente dependentes do Estado e dos juros pagos pelo governo.

É esse setor que atualmente forma a base sócio-política para o programa econômico de Paulo Guedes, adotado por Bolsonaro. Sua intenção é muito simples: queimar o que restou das Estatais e da capacidade de prestar serviços públicos do Estado Brasileiro para salvar seus níveis de lucratividade. Por mais que seja algo prejudicial ao país como um todo (assim como o foi reduzir a participação da indústria no PIB em mais de 20 pontos percentuais), é algo que faz sentido do ponto de vista de seus projetos pessoais de acumulação.

Já para os simples mortais que estão fora deste projeto: Cuidado para não ser enganado pelo banqueiro de Bolsonaro!

[1] A proposta de Bolsonaro de aniquilar os direitos trabalhistas da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) consiste no seguinte: Passaria a existir dois tipos de carteira de trabalho, a normal “azul”, e a nova “verde-amarela”, e a escolha entre uma e outra seria opcional. Para quem escolher a “verde-amarela”, a CLT deixaria de valer, valendo apenas o contrato individual de trabalho. Na prática, essa proposta significa a morte definitiva dos direitos trabalhistas constantes na CLT. Este projeto aparece no programa de governo de Bolsonaro, na página 64.