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Gramsci e o Fascismo: o fracasso da política de apaziguamento dos socialistas

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

Entre 1921 e 1922, Antonio Gramsci escreveu um conjunto de artigos analisando a ascensão do fascismo e a ineficácia das estratégias utilizadas pela organização majoritária da esquerda italiana no seu enfrentamento. Parte destes artigos está reunida na segundo volume da coletânea de Escritos Políticos publicada pela Civilização Brasileira, sob a rubrica geral “Socialismo e Fascismo”.[1] Como Trotsky recordaria dez anos depois, Gramsci era o único dirigente do PCI que antevia a possibilidade de uma ditadura fascista. A reflexão de Gramsci é extremamente rica e pertinente para pensar contextos e conjunturas distintos, ainda que com as devidas mediações e com a necessidade de evitar qualquer transposição mecânica.

O contexto em que estes artigos foram escritos é de um progressivo avanço do fascismo, tanto em termos eleitorais quanto – e sobretudo – das ações violentas perpetradas pelas milícias fascistas contra as organizações operárias e camponesas. Gramsci fala desde a perspectiva de um Partido Comunista recém constituído – o PCI foi criado em janeiro de 1921, a partir de uma cisão com o Partido Socialista – e que era sistematicamente acusado de “divisionismo” pelos dirigentes do PSI, que permanecia numericamente majoritário na esquerda italiana.

Embora não deixasse de reconhecer a cumplicidade do Estado burguês e especialmente do Judiciário, inteiramente complacente com os crimes fascistas, Gramsci avaliava que a esquerda reformista, articulada no Partido Socialista, tinha enorme responsabilidade na criação das condições favoráveis à ascensão fascista. O Partido Socialista sabotou as ocupações de fábrica em Turim durante o Biênio Rosso (1919-1920), criticando o “radicalismo” da classe operária que se organizava para a Revolução Social e apostou sistematicamente em uma política de apaziguamento com setores da classe dominante e com os próprios fascistas, com drásticas consequências.

A política de apaziguamento dos socialistas atingiu seu ápice com a assinatura do Pacto de Roma, em 3 de agosto de 1921, através do qual socialistas e fascistas acordaram “a imediata cessação de ‘ameaças, vias de fato, represálias, punições, vinganças, pressões e violências pessoais’ entre os militantes socialistas e fascistas, bem como o respeito recíproco aos símbolos dos dois partidos.”[2] Gramsci atacou violentamente este acordo e ironizou da confiança suicida dos socialistas, qualificando o pacto como “orientação cega e politicamente desastrosa”.[3]

Também os acordos com setores tidos como “democráticos” da classe dominante, ao custo de renúncia à perspectiva revolucionária e à autonomia política e organizativa dos trabalhadores eram entendidos como estratégia suicida. Apontando que os dirigentes políticos e sindicais do socialismo “aproveitam-se da ocasião para concluir que é preciso colaborar com ‘as forças não rigidamente revolucionárias e classistas que são contrárias ao golpe de Estado’”, Gramsci contrapunha as experiências alemã e húngara. Na Alemanha de março de 1920, “os ‘colaboradores não rigidamente revolucionários’, que em nada haviam contribuído para a resistência, opuseram-se à continuação do movimento insurreicional”, impondo um recuo que tornou possível que “as forças reacionárias não fossem reprimidas, que pudessem recuar em ordem, dispersar-se segundo um plano preestabelecido e retomar o trabalho de armamento, de recrutamento, de organização, que hoje dá a Kapp e Lüttwitz uma maior probabilidade de êxito”.[4] A conclusão transparente é que a política de apaziguamento é diretamente responsável por permitir que a ameaça tenha subsistido e então se recolocasse com maior força.

A experiência da Hungria, onde em 1919 a República Socialista Húngara foi esmagada por uma ampla coalizão de direita, igualmente é mencionada por Gramsci como expressão da miséria da política de apaziguamento dos reformistas: “A experiência húngara deixou uma lição: os reacionários, para derrotar os comunistas, primeiro acariciam os socialistas, assumem compromissos com eles, fazem acordos de pacificação; depois, uma vez derrotados os comunistas, os compromissos e acordos são ignorados e também os socialistas experimentam a forca e o fuzilamento”. Assim, as indecisões, a inépcia e a incapacidade dos dirigentes socialista em compreender as situações políticas agravaria o “risco de [a Itália] ser arrastada num caos de barbárie sem precedentes na história de nosso país.[5]

A reflexão de Gramsci ao longo deste biênio é marcada pela angústia de quem via se desenvolver o enredo de uma tragédia anunciada, não tendo como impedi-la a despeito de sua intensa militância, dada a insuficiência dos instrumentos com que então contava a organização comunista para impedir a ascensão fascista e barrar a barbárie que por eles seria perpetuada. Em março de 1921, frustrado com a reafirmação de proposições burocráticas vazias no congresso da principal central sindical italiana, registrava que “aumentou nosso pessimismo, mas é sempre viva e atual nossa divisa: pessimismo de inteligência, otimismo da vontade”.[6] A tragédia histórica que se seguiu confirma que sua inteligência pessimista compreendeu o processo em curso. Sua lição segue imprescindível nos tempos atuais.

[1] GRAMSCI, Antonio. Socialismo e Fascismo. In: Escritos Políticos. Volume 2, 1921-1926. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 23-126.

[2] Notas aos Texto. In: GRAMSCI, op. cit., p. 447..

[3] GRAMSCI, Antonio. “Os partidos e as massas”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 91.

[4] GRAMSCI, Antonio. “Golpe de Estado”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 78-79.

[5] Idem, p. 79.

[6] [6]GRAMSCI, Antonio. “Burocratismo”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 43.

*Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. É autor, entre outros livros, de “Integralismo e Hegemonia Burguesa” (Edunioeste, 2011) e pesquisa sobre Estado, Poder, Direita, Hegemonia, Ditadura e Fascismo. [email protected]