Nesta segunda-feira, 10, a poucas semanas das eleições presidenciais, Michel Temer anunciou duas Medidas Provisórias: a MP 850, que permite a criação da Abram (Agência Brasileira de Museus) e a MP 851, que cria e regulamenta os fundos patrimoniais. Ambas receberam duras críticas de entidades do setor, por inviabilizar a Política Nacional de Museus e avançar para a maior presença da iniciativa privada no financiamento e na gestão dos museus e equipamentos de cultura. As duas MPs foram tomadas após vários dias de fake news nas redes e na grande imprensa, que buscavam responsabilizar a UFRJ e a gestão pública pelo incêndio no Museu Nacional, defendendo a gestão privada.
As Medidas Provisórias foram publicadas no Diário Oficial nesta terça, 11. A MP 850 permite criar a Agência Brasileira de Museus (Abram), que passará a gerir 27 museus: o da Casa de Benjamin Constant; Casa da Hera; Casa das Princesas; da Abolição; da Inconfidência; da República; Museu das Bandeiras; das Missões; de Arqueologia de Itaipu; de Arte Religiosa e Tradicional; de Arte Sacra da Boa Morte; de Arte Sacra de Paraty; do Diamante; do Ouro; Forte Defensor Perpétuo; Histórico de Alcântara; Histórico Nacional; Imperial; Lasar Segall; Nacional de Belas Artes; Regional Casa dos Ottoni; Regional de Caeté; Regional de São João del-Rei; Solar Monjardim; Victor Meirelles; Villa-Lobos e Museus Castro Maya.
Todas estas unidades estavam sob responsabilidade do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), criado em 2009, e que deve ser extinto. Os trabalhadores do Ibram divulgaram uma nota pública, condenando a mudança. “REPUDIAMOS a criação da Agência Brasileira de Museus, a extinção deste Instituto e a privatização das políticas públicas de museus. O processo de mudança institucional imposto, sem diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras, a sociedade civil organizada, o Sistema Brasileiro de Museus, o Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, bem como todo o setor museológico, impossibilita a implementação da Política Nacional de Museus, a função social da memória e precariza a gestão, além de desrespeitar os profissionais que atuam nesse campo ao longo desses 200 anos de história museológica brasileira”, diz a nota, que exige a revogação das duas MPs.
A Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários (RBCMU), que participa um encontro no Rio de Janeiro nesta semana, também divulgou uma nota: “A RBCMU conclama a sociedade brasileira e internacional a reagir contra o atentado à democracia brasileira e às instituições públicas, representado pela medida provisória que cria de forma arbitrária a Agência Brasileira de Museus (ABRAM). Esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas públicas voltadas ao setor dos museus que resultaram na instituição do Estatuto de Museus e na criação do IBRAM, em que Estado e sociedade civil uniram esforços em prol da Cultura, do Patrimônio e dos Museus no país.”
Leia a íntegra das Medidas Provisórias
GOLPE NA UFRJ
A Abram terá natureza jurídica de Serviço Social Autônomo, como são o Sebrae, o Sesi e o Senai, por exemplo. Segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, o mesmo que deu uma coletiva na manhã seguinte ao incêndio, a Abram também participará da reconstrução do Museu Nacional, do Rio de Janeiro, sem detalhar exatamente como. No anúncio, o governo chegou a cogitar a possibilidade de incluir o Museu Nacional como responsabilidade da Abram, retirando-o da UFRJ, mas a MP não concretizou esta intenção.
Dias antes, a Reitoria já havia se manifestado publicamente, repudiando qualquer tentativa de retirada do Museu Nacional da UFRJ, que já estaria sendo discutido e proposto por grupos de banqueiros e empresários. “Qualquer medida a fim de retirar da UFRJ o Museu Nacional representaria ato arbitrário e autoritário contra a autonomia universitária e a comunidade científica do país. O Museu Nacional não é uma instituição dedicada exclusivamente à guarda de acervo. Além da guarda dessa memória, da cultura do país e do mundo, ali se produz conhecimento, ciência de ponta reconhecida pela Capes com a nota 7, maior índice de avaliação possível para uma instituição acadêmica no Brasil. O Museu Nacional é uma unidade da UFRJ de ensino, pesquisa e extensão, cuja indissociabilidade é prevista no artigo 207 da Constituição Federal. O corpo altamente qualificado de docentes, pesquisadores, estudantes e servidores técnico-administrativos em educação do Museu jamais poderia se submeter a uma Organização Social ou qualquer outra instituição que não seja a UFRJ”, afirmou a nota.
Mesmo não retirando diretamente o Museu Nacional da UFRJ, as MPs estabelecem mecanismos para isso, no que diz respeito ao financiamento. O dinheiro do Orçamento será enviado para a Abram. Segundo o ministro, será “mais do que o dobro” dos recursos que vinham sendo disponibilizados. Ou seja, a UFRJ teria que estabelecer atuação conjunta com essa entidade, semelhante ao Sistema S, para poder utilizar estes recursos. Ao mesmo tempo, o governo mantém o corte atual de verbas, que sufoca as universidades e museus.
Por outro lado, o governo edita a MP 851, que estabelece um marco regulatório para a captação de recursos privados, com a criação de Fundos Patrimoniais. Estes fundos poderão receber doações de bancos e empresas, para financiar projetos de instituições ligadas à educação, ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente, assistência social e desporto. Ou seja, todo o serviço público.
A Abram também terá recursos dos fundos patrimoniais e os recursos serão usados para a reconstrução do Museu Nacional. Ou seja, o governo federal, em vez de garantir recursos para a reconstrução do Museu Nacional, cria mecanismos que permitem que banqueiros façam doações, que serão geridas por uma entidade recém-criada, não pública.
Trata-se de uma forma de atender o pedido dos banqueiros, que condicionaram a “ajuda” ao Museu Nacional ao afastamento da UFRJ da gestão dos recursos. Ajuda, obviamente, que será recompensada, através da isenção de impostos, via Lei Rouanet.
As duas Medidas Provisórias entraram em vigor, mas serão submetidas a votação no Congresso Nacional.
Leia abaixo as notas em repúdio:
Carta Aberta em apoio à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao Museu Nacional/UFRJ e ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM).
A Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários (RBCMU) reunida na data de 10 de setembro de 2018, na cidade do Rio de Janeiro, durante o 3º Encontro da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC) vem a público manifestar seu apoio à UFRJ, à direção e à comunidade do Museu Nacional e ao IBRAM.
A RBCMU conclama a sociedade brasileira e internacional a reagir contra o atentado à democracia brasileira e às instituições públicas, representado pela medida provisória que cria de forma arbitrária a Agência Brasileira de Museus (ABRAM). Esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas públicas voltadas ao setor dos museus que resultaram na instituição do Estatuto de Museus e na criação do IBRAM, em que Estado e sociedade civil uniram esforços em prol da Cultura, do Patrimônio e dos Museus no país.
Ressalta-se a importância dos Museus Universitários e de suas coleções para o desenvolvimento da sociedade, devido ao seu papel crucial no ensino, pesquisa e extensão do conhecimento. No Brasil são mais de 600 museus universitários, destes 16 são ligados à UFRJ.
Nesse contexto, o Museu Nacional é referência na pesquisa científica, produzida por docentes, discentes, técnicos administrativos da UFRJ e seus colaboradores, sendo reconhecido internacionalmente como espaço acadêmico e de popularização das Ciências pela universidade.
E, sobretudo, enfatiza-se seu caráter e compromisso como instituição pública e lugar de memória na construção de vínculos afetivos junto a sucessivas gerações de cariocas e de diferentes segmentos sociais.
Assim, repudiamos veementemente a criação da ABRAM que fere gravemente os museus, as universidades, seus gestores, seus profissionais e, dessa forma, toda a sociedade brasileira.
Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários
NOTA DE REPÚDIO
Nós trabalhadores e trabalhadoras do Instituto Brasileiro de Museus, autarquia do Ministério da Cultura, criada pela lei 11906 de 20 de janeiro de 2009, que tem a missão de promover a valorização dos museus e do campo museal a fim de garantir o direito às memórias, o respeito a diversidade e a universalidade de acesso aos bens musealizados, REPUDIAMOS a criação da Agência Brasileira de Museus, a extinção deste Instituto e a privatização das políticas públicas de museus.
O processo de mudança institucional imposto, sem diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras, a sociedade civil organizada, o Sistema Brasileiro de Museus, o Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, bem como todo o setor museológico, impossibilita a implementação da Política Nacional de Museus, a função social da memória e precariza a gestão, além de desrespeitar os profissionais que atuam nesse campo ao longo desses 200 anos de história museológica brasileira.
A mudança imposta por esse governo a 25 dias das eleições é ilegítima e contraria o dever constitucional do estado brasileiro de garantir o pleno exercício dos direitos culturais e acessos ás fontes da cultura nacional.
Nossa pauta inegociável é a SUSPENSÃO IMEDIATA das medidas provisórias n°850 e 851 e o urgente debate sobre os encaminhamentos da Política Nacional de Museus que vem sendo implementada desde 2003.
Trabalhadores e trabalhadoras do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM)
Foto: Sérgio Sá Leitão, ministro da Cultura, em coletiva no dia seguinte a destruição do Museu Nacional. Antonio Cruz / Agência Brasil
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