Novidades nas Universidades: expansão, democratização e privatização na educação superior

Por: Ligia Gomes, do ABC, SP

Nos anos recentes, há muitas experiências difíceis e felizes de jovens que, com enorme esforço pessoal e dos familiares ingressam em universidades e se tornam os primeiros de suas famílias a frequentar o Ensino Superior. É uma enorme conquista pessoal e familiar, certamente motivo de muito orgulho.

A experiência é transformadora também para as universidades, que graças às políticas afirmativas, têm aos poucos mudado sua composição social. Assim, a Universidade de Brasília, primeira a adotar o sistema de cotas raciais em 2003, chegou em 2017 a uma maioria de autodeclarados negras e negros entre seus estudantes (50,6%).

Os novos estudantes rapidamente entendem que precisam se organizar para fazer com que a universidade se transforme com eles. Questionam o fato de apenas 1% dos seus professores serem negras e negros. Reivindicam que sejam abordadas história, filosofia e culturas africanas e indígenas nos currículos dos cursos e na agenda de pesquisa das universidades. Lutam por condições para permanecer nas universidades, bolsas para estudar, adquirir material, se alimentar, entre outras coisas.

É um processo muito rico, repleto de desafios, mas que apenas começou. E talvez não tenha começado muito bem, pois já corre o risco de andar para trás. Não apenas porque projeto do governo Temer é fazer o Brasil voltar 20 anos em 2, mas porque a injustiça social e racial em nosso país são tão imensos, que as políticas de ações afirmativas e ampliação de acesso ao ensino superior precisam de alicerces muito mais robustos para poderem fazer frente aos desafios.

A expansão em números

No gráfico a seguir temos expressos em grandes números um aspecto dessas imensas transformações pessoais e institucionais na educação superior brasileira: a expansão de matrículas no ensino superior de 1995 a 2015, segundo o censo da educação superior (INEP/MEC). Infelizmente não estão disponíveis ainda os dados referentes aos anos de 2016 e 2017 para que tenhamos uma dimensão mais precisa dos efeitos do ajuste fiscal e dos cortes do governo Temer no orçamento das Universidades.

Gráfico 1 – fonte: censo da educação superior 2016

Vemos no gráfico a política de expansão do ensino superior que teve início com o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e se aprofundou nos governos Lula e Dilma (PT). O número de matrículas nas universidades públicas passou de pouco mais de 700 mil para mais de 1 milhão durante o governo FHC, e entre 2003 e 2015 esse número praticamente dobrou, chegando a 1.952.145 matrículas. É realmente um aumento considerável.

No entanto, ao considerarmos o conjunto da população brasileira e suas necessidades, vemos que ainda é muito pouco. Mesmo se levarmos em conta apenas aquela parcela da população entre 18 e 24 anos (que sairia direto do ensino médio para a universidade antes de se consolidar no mercado de trabalho), são quase 23 milhões de pessoas, das quais apenas 9% encontraria vagas nas universidades públicas brasileiras.

Robin Hood às avessas
O setor privado foi o que mais se beneficiou das políticas de incentivo à expansão do Ensino Superior. Em 1995 o número de matrículas ofertadas na rede privada (1 milhão) era pouco maior na rede privada do que na pública (700 mil). Até 2003 esse número triplicou, chegando a quase três milhões. E em 2015 ultrapassou as 6 milhões de matrículas. Dessa forma, o número de matrículas nas universidades privadas mostra-se capaz de atender 27% dos jovens brasileiros entre 18 e 24.

Na verdade, aparentemente as universidades privadas poderiam receber muito mais do que isso, pois em 2016 apenas 41% das vagas abertas em processos seletivos foram convertidas em matrículas na rede privada. Os 59% restantes das vagas não foi ocupado.

O número de vagas não ocupadas é decorrente da imensa desigualdade social brasileira, do gigantesco número de pessoas cuja remuneração mensal não permite o pagamento de uma mensalidade em cursos superior. Boa parte das vagas das instituições privadas só pode ser ocupada graças aos repasses que o governo faz por meio de dois programas: o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que é um empréstimo ao estudante que será pago posteriormente; e pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI), pelo qual o governo abre mão dos impostos que as instituições privadas teriam que pagar em troca de bolsas de estudos.

Artigo de dois pesquisadores do financiamento da educação superior no Brasil (CHAVES e AMARAL, 2016) mostra que em 2016 foram gastos mais de R$15 bilhões com o FIES e deixou-se de arrecadar mais de R$ 1 bilhão com o PROUNI. Dados como esses mostram que o setor privado da educação superior brasileira, como qualquer outro setor privado em nosso país, não pode se sustentar sem recursos públicos. É importante destacar também que os recursos recebidos pelo PROUNI e FIES são praticamente isentos de riscos para os investidores da educação privada, sem chance de calote durante todo o período do curso.

E há ainda outros incentivos. Grandes grupos como a Kroton e a Estácio têm suas ações negociadas na bolsa de valores. Uma delas é que aqueles fundos de investimentos que investem nas ações desses grupos educacionais estão isentos de imposto de renda. A ironia é que os fundos de investimentos não estão preocupados com a educação, mas exclusivamente com as possibilidades de lucros. Investem em empresas de educação, alimentação, mineração ou qualquer outro setor conforme a possibilidade de retorno financeiro seja maior.

Para que os lucros sejam maiores as instituições privadas precisam rebaixar os salários dos professores, diminuir os gastos com manutenção de bibliotecas e laboratórios, etc. Não é à toa que os professores das universidades privadas foram uma das primeiras categorias a sentir os efeitos da reforma trabalhista, já em fins de 2017, quando houve demissões em massa em diversas instituições (somente em São Paulo pelo menos 400 professores de três instituições).

Então, se é muito importante reconhecer que programas como FIES e PROUNI tornaram possível a conquista de milhões de brasileiros que vêm cursando o ensino superior nos últimos anos, é preciso também reconhecer que os grandes grupos de educação são os que mais lucraram no processo. Para esses grupos, o FIES e PROUNI funcionam como um mecanismo de transferência de recursos do estado para os investidores. Os recursos do estado vêm dos impostos, que recaem com muito mais peso sobre os mais pobres em nosso país. Ao passo que os ricos investidores do setor de educação – como vimos acima – sequer precisam pagar imposto de renda. Então, como se vê, a expansão da educação superior privada tem sido também um enorme programa de transferência de renda dos mais pobres aos mais ricos.

Referências

CHAVES, Vera Lucia Jacob; AMARAL, Nelson Cardoso. Política de Expansão da Educação Superior no Brasil – O PROUNI e o FIES como financiadores do setor privado. Educação em Revista. Belo Horizonte, v. 32, n. 04, p. 49-72, out-dez 2016.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Superior 2016. Brasília: Inep, 2017. Disponível em Portal Inep. Acesso em: 17/07/2018.