Nesta terça-feira (17), o juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ), condenou a sete anos de prisão 23 ativistas que participaram de protestos em denúncia aos gastos públicos envolvendo a Copa do Mundo, em 2013 e 2014. Em um processo considerado pela defesa como “genérico”, as acusações são de formação de quadrilha ou bando e corrupção de menores. Eles poderão responder em liberdade. A denúncia é de 2014, oferecida pelo Ministério Público. À época, ativistas chegaram a ser presos.
Advogado de dois dos condenados, João Tancredo falou à EBC que irá recorrer à decisão. A posição de Itabaiana já seria esperada, segundo ele, pelo perfil do juiz ao longo do processo. Ainda, o advogado considerou que a história teria demonstrado que os manifestantes estavam certos ao denunciarem os excessos e a corrupção nas obras da Copa, posteriormente comprovados pela Lava Jato.
Os 23
Entre os 23 condenados estão desde estudantes de escolas secundaristas à época, até educadores da Uerj e da rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Também, a ativista Sininho, muito explorada pela imprensa, uma tentativa de buscar uma liderança para os protestos. Essa informação, por exemplo, seria baseada no depoimento de apenas uma testemunha com envolvimento passional no caso. Segundo questionaram os advogados de defesa, o processo é todo “genérico”.
Protestos denunciavam obras superfaturadas; anos depois, governador do Rio foi preso pelo crime
Manifestações antes e após a Copa do Mundo aconteceram em diversas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, tinham como foco a denúncia de gastos com obras superfaturadas, em detrimento do investimento em áreas essenciais como saúde e educação, que já vinham demonstrando uma crise no estado e teve, como consequência, a situação piorada nos últimos anos.
A relação do poder público com empreiteiras de 2007 a 2014, com contratos para obras do metrô, reforma do Maracanã, PAC das Favelas e do Arco Metropolitano, resultou na prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Ficaram comprovadas as denúncias dos manifestantes sobre os esquemas que envolveram, à época, a realização da Copa do Mundo no Brasil.
Entre as frases mais vistas escritas nos cartazes dos manifestantes da Copa estavam “Quero saúde e educação padrão Fifa”, ou ainda “Finge que a educação e a saúde são estádio e investe em mim”. A Federação Internacional de Futebol Atlético (Fifa), citada nos protestos, também foi alvo de escândalos. O brasileiro João Havelange chegou a ser afastado do futebol em 2013 ao renunciar do cargo de presidente de honra da entidade. Ele e outros dirigentes foram acusados de envolvimento em escândalos de corrupção. Em troca de contratos de transmissão da Copa do Mundo, recebiam propina da empresa marketing ISL.
O genro de Havelange, Ricardo Teixeira, presidente da CBF, também se envolveu em denúncias de apropriação de parte de valores que deveriam ser destinados à CBF sobre direitos audiovisuais de jogos da seleção brasileira. A investigação aponta que ele poderia responder a crimes por estelionato e apropriação indébita seguida de lavagem de dinheiro, contra a ordem fiscal e evasão de divisas.
Métodos utilizados pelas forças de segurança se comparam às da Ditadura
Monitoramento de redes sociais, escutas telefônicas, depoimentos que envolvem relações passionais são alguns dos elementos utilizados para a conclusão do processo, além dos famosos “infiltrados”, ou P2″, marca registrada dos protestos de junho de 2013 e de 2014, divulgados em diversos vídeos e fotos de midiativistas, que circularam nas redes sociais. Na própria sentença do caso, uma das principais testemunhas é um policial militar do Distrito Federal que teria “atuado como observador da Força Nacional de Segurança”, segundo o documento. O agente seria Maurício Alves da Silva. Para se aproximar e obter informações, ele chegou a ajudar na vaquinha de custeio de camisa contra a Copa, ir a bar com ativistas e se utilizar da desculpa de filmar as manifestações para um trabalho de gestão pública, enquanto passava as imagens direto para o monitoramento das forças de segurança. Essas táticas das forças de segurança, já conhecidas à época obscura da Ditadura Militar, vêm se intensificando, nos últimos anos, em protestos no país.
É o caso do oficial do Exército William Botelho, o Balta, espião responsável por se infiltrar em grupo de whatsapp e posteriormente incriminar 18 jovens e três adolescentes momentos antes de uma manifestação pelo Fora Temer, no Centro Cultural São Paulo, em 2016. Ele teria se infiltrado por pelo menos dois anos em diversos movimentos sociais, participado de reuniões e até utilizado de uma conta da rede social Tinder para se aproximar de mulheres supostamente ativistas, com o intuito de, através de relações pessoais, buscar informações. Mesmo após ter sua identidade revelada e de ter sido denunciado pelas práticas ilegais, Balta foi promovido de capitão a Major do Exército.
O caso de infiltrações em manifestações e em movimentos sociais, de prisões arbitrárias, como a de Rafael Braga, por portar um pinho sol em 2013, de prisões e assassinatos de lideranças sociais, entre outros, demonstram uma escalada autoritária no país que ataca diretamente direitos democráticos. A chamada “Lei Antiterrorismo”, promulgada no governo Dilma, alterou a Lei das Organizações Criminosas. Iguala delitos de baixa lesão a crimes graves e está sendo utilizada para incriminar ativistas e intimidar manifestações sociais no país, tratando a reivindicação de direitos como “associação criminosa”.
Análise Jurídica
De acordo com a professora licenciada da Faculdade de Direito da UFRJ Luciana Boiteux, desde a Ditadura Militar “talvez não tenha um caso tão semelhante com o que acontecia naquela época como esse caso”. Para a jurista, chama atenção o papel da polícia militar nessas manifestações. “É inaceitável que a gente aceite ou tolere qualquer repressão policial ou penal a qualquer manifestações de rua. No entanto, esse é o cenário que vem se intensificando no país desde antes de 2014”, completou. Luciana ainda comentou os principais elementos da sentença, como os depoimentos frágeis, utilização de infiltrados e questionamento da razão política dos acusados. Boiteux lembra, inclusive, que o próprio MP já pediu a absolvição de cinco dos 23 acusados nesta terça.
Foto: Andes
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