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EDITORIAL

Encontro Trump-Putin aumenta crise interna nos EUA

Por: Victor Amal, de Berlim, Alemanha

Na segunda-feira (16), o presidente norte-americano Donald Trump, depois de passar pelo Reino Unido, terminou seu giro na Europa ao se reunir com o presidente russo, Vladimir Putin, na cidade de Helsinki, capital da Finlândia. Esta foi a primeira vez que os dois presidentes se encontraram para uma reunião bilateral oficial desde que Trump se elegeu. A recusa de Trump em admitir a interferência russa nas eleições de 2016, como afirma a CIA e o FBI, gerou duras críticas ao presidente dentro dos Estados Unidos.

Encontro sob bombardeio
Alguns dias antes do encontro, na sexta feira (13), o conselheiro especial do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Robert Mueller, responsável por investigar uma possível interferência da Rússia nas eleições presidenciais de 2016, denunciou 12 oficiais militares russos por terem hackeado o e-mail do comitê de campanha de Hillary Clinton, do Partido Democrata.

Supostamente, após obter os e-mails, estes oficiais os enviaram para publicação no site WikiLeaks. Neles continham informações sobre o favorecimento ilegal do alto escalão do Partido Democrata à Clinton em detrimento de Bernie Sanders, durante as prévias do partido para escolher seu candidato à presidência. Os democratas afirmam que esse vazamento foi crucial para a derrota de Hillary frente à Trump, em 2016.
Este novo indiciamento gerou diversas críticas em Washington, tanto pelo Partido Democrata quanto pelo Republicano, incidindo sobre a reunião desta segunda entre Trump e Putin. Muitos pressionaram para que ela fosse cancelada e que o presidente exigisse de Putin a extradição imediata dos 12 oficiais militares em questão.
Contudo, ao invés de criticar Putin sobre o resultado das investigações, Trump descreditou o trabalho de Mueller e o acusou de executar uma “caça às bruxas” contra seu governo. Em um tweet, na segunda-feira de manhã, o presidente afirmou que “nossa relação com a Rússia nunca foi tão ruim graças a muitos anos de tolice e estupidez norte-americana e agora, a manipulada ‘caça às bruxas’”.

Temas espinhosos, acordos sigilosos
Finalmente, o encontro ocorreu sob portas fechadas e durou cerca de 2 horas. De acordo com a entrevista concedida por ambos no final do dia, os principais temas discutidos foram a Coréia do Norte, Ucrânia, Síria, Israel, Irã e terrorismo.

Todavia, não se sabe especificamente o que foi acordado em relação a todos estes pontos. Se algum acordo foi feito entre os presidentes durante sua reunião às portas fechadas, possivelmente isso só se saberá nos próximos nos próximos dias ou semanas.

O que foi repassado por ambos na coletiva de imprensa que ocorreu em seguida, permaneceu no geral, com os chefes de estado se esquivando de todas perguntas concretas sobre as iniciativas futuras. Nela, os presidentes mencionaram esforços conjuntos para desnuclearizar a Coréia do Norte, atingir a paz na Síria e apoiar Israel, mas sem entrar em detalhes.

Em relação à Ucrânia e Irã, confirmaram os desacordos, mas ficaram de manter canais de diálogo abertos sobre os temas. Entretanto, o principal assunto da entrevista foi a investigação sobre a interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016.

Putin declarou que “o estado russo não interferiu e nunca irá interferir em assuntos internos dos Estados Unidos” e negou a extradição dos 12 oficiais indiciados na sexta-feira. Contudo, o presidente afirmou que, caso seja requerido, irá permitir que Robert Mueller vá à Rússia interrogá-los pessoalmente.

Para que isso ocorra, em contrapartida, os Estados Unidos deveriam permitir que autoridades russas interrogassem norte-americanos investigados por atividades ilegais em seu território. O governo da Rússia afirma há anos que, sob o comando de Hillary Clinton, oficiais dos EUA interferiram nas eleições de 2012 contra Putin. Esta condicionante jamais seria aceita pelos Estados Unidos, como o presidente russo bem sabe.

Putin, no entanto, afirmou que, apesar de não ter interferido nas eleições, apoiou a candidatura de Trump em 2016 por ele defender a normalização das relações Estados Unidos-Rússia, que na época incluía a manutenção de Bashar al-Assad na Síria e o reconhecer a Crimeia como território russo.

Relações com a Rússia: zig-zags e nova crise
Depois de chegar na presidência, Trump terminou abandonando a efetivação da política de aproximação da Rússia defendida por ele na campanha eleitoral. Sofreu forte pressão, tanto internamente, dentro do Partido Republicano, quanto do judiciário, que investiga uma possível coordenação entre seu comitê de campanha e os hackers russos. Isso lhe custou a renúncia de secretários como, por exemplo, o ex-Conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn e o ex-Estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon.

Apesar disso, em relação às investigações, Trump afirmou acreditar no presidente russo, pois, apesar de ter “muita confiança em seu departamento de inteligência”, “Putin foi extremamente forte e poderoso hoje em sua negação”. Desacreditar os próprios serviços de inteligência norte-americanos – CIA e FBI – em prol da palavra de um chefe de estado estrangeiro, gerou graves repercussões negativas para Trump nos EUA.

Em menos de hora após sua coletiva de imprensa, Trump foi altamente criticado por membros do Partido Republicano, como os senadores John McCain, Richard Burr, Marco Rubio e Lindsey Graham, assim como o presidente da Câmara dos Deputados Paul Rayan. Todos afirmaram que a interferência russa nas eleições de 2016 é um fato, e que Trump foi infeliz ao apresentar Putin como um “amigo”.

John Brennan, ex-diretor da CIA, afirmou que a entrevista de Trump configura como “traição”, uma vez que atesta contra o que diz ambos os serviços de inteligência do país baseado na palavra de um presidente estrangeiro. William Burns, ex-embaixador norte-americano em Moscou, declarou que Trump protagonizou o episódio mais vergonhoso dos EUA na política internacional.

Os democratas, de olho nas eleições legislativas de novembro, sedentos por ver o atual presidente republicano sangrando politicamente, voltaram a circular rumores de impeachment. O líder democrata no Senado, Chuck Schumer, afirmou que nunca um presidente norte-americano se curvou à um inimigo nacional como Trump fez com Putin.

Um alinhamento improvável
O fato é que Trump tem uma política para a Rússia diametralmente oposta daquela do establishment do partido Republicano e Democrata. Para ele, é necessário estabelecer uma parceria estratégica com os russos para o combate ao verdadeiro inimigo dos EUA no século XXI: a China.

Essa tese é defendida pelos setores “realistas” da política externa norte-americana, como o teórico John Mearsheimer e o ex-ministro de relações exteriores Henry Kissinger, que atua esporadicamente como conselheiro de Trump em assuntos externos. A condicionante para esta parceria seria o reconhecimento norte-americano da Crimeia como território legalmente russo. Muitos políticos dos EUA temiam que Trump pudesse fazer uma concessão à Putin nestes termos durante o encontro de segunda.

Contudo, este setor pró-Rússia é minoritário na política norte-americana e também no gabinete de Trump, fazendo com que o atual presidente não consiga colocar esta política em prática. Não por acaso o substituto do pró-russo Michael Flynn foi o general H R. McMaster, marcadamente defensor de políticas agressivas à Rússia.
Após a controvérsia gerada pelo seu encontro com Putin nesta segunda, Trump deve manter as diretrizes do establishment republicano e os EUA devem permanecer com sua política agressiva em relação à Rússia. A promessa de um “novo futuro” na relação entre os dois países muito provavelmente irá continuar no campo da retórica e das intenções.

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