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BRASIL

Consolidação do ECA esbarra na falta de políticas de reafirmação dos direitos das crianças e adolescentes

Por: Guilhermina Rocha*, de MacaéRJ
Valter Campanato/Agencia Brasil

A garantia do futuro das crianças e adolescentes pede políticas públicas eficazes e um olhar mais sensível ao protagonismo que a Constituição Federal confere a eles

No dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 28 anos. Entretanto, a lei, que deveria assegurar em sua amplitude os direitos deste público alvo, fica apenas no papel. Enquanto isso, a sociedade vê em seu cotidiano, e nem sempre é pelas telas das TVs, crescer significativamente os números de violências contra as crianças.

Nos últimos anos, os valores do ECA têm colidido com as ações do governo Temer. O próprio congelamento dos gastos públicos por 20 anos, aprovado no ano passado com a EC 95, colabora para aumentar o abismo entre lei e realidade, principalmente, ao prejudicar os investimentos em educação, área que oportuniza o crescimento e o desenvolvimento das potencialidades das crianças. Empurrar na educação uma Base Comum Curricular, que elimina disciplinas estimuladores do convívio social e da sensibilidade do ser humano, também é uma forma de ir contra os preceitos do ECA. O mesmo acontece ao “amordaçar” os professores e tentar impor uma “Escola Sem Partido”, limitando a visão crítica de nossas crianças e a liberdade do ensino. Isso é só uma ponta de uma série de ações e investimentos em áreas cruciais que não aconteceram da forma que tinham que acontecer, bem como de políticas públicas que deixaram de ser feitas.

Acreditamos que para acabar com estes estragos sociais do atual governo, a EC 95 deve ser revogada. Ao mesmo tempo, defendemos uma educação que respeite a diversidade e que possa, em sua plenitude, debater o gênero e impedir o avanço da violência sexual contra as crianças e adolescentes, que acontecem na maior parte das vezes dentro do próprio lar. Isso só será possível se o PL da “Escola Sem Partido” for definitivamente arquivado. Não podemos retroceder ainda mais no que nos orienta as leis do ECA.

Enquanto isso não acontece, a omissão do poder público tem consequências nas denúncias de violência e maus tratos que chegam no Disque 100. De acordo com a Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos, no ano de 2017 tivemos 142.665 denúncias, sendo a violação contra crianças e adolescentes a líder dos relatos. O Atlas da Violência de 2018, por sua vez, aponta que crianças e adolescentes são as principais vítimas de estupro, com 50,9% dos casos registrados em 2016, na sua maioria cometida contra menores de 13 anos de idade. Ele traz ainda que no mesmo ano, a taxa de homicídios de jovens representa 53,7% das vítimas totais no país, na sua maioria homens e negros.

TRISTE REALIDADE AO VIVO
Recentemente, dois casos de ataques a crianças e jovens chamou a atenção nos noticiários. Primeiro, a morte de Marcus Vinicius da Silva, durante uma operação policial no Complexo da Maré. No momento em que foi atingido estava uniformizado e seguida para a escola. O segundo caso, não menos cruel, foi a medida do governo Trump, que até junho, havia separado dos pais e colocado em abrigos mais de 2 mil crianças de diversas nacionalidades, 49 destas eram brasileiras. Os pequenos foram parar em jaulas, onde eram reprimidos por policiais. A atitude do presidente americano não só foi cruel e desumana como desrespeitou as leis que regem os direitos humanos no mundo. Precisamos ser firmes com as ações de líderes de estados que se acham acima da legislação mundial em prol da vida.

Ainda pelo mundo, o ano de 2018 tem seguido o triste destino de 2017, consagrado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como um dos piores anos para menores em áreas de conflito. Nestas localidades o futuro do mundo é morto, mutilado, alvo de violência sexual ou utilizados como escudos humanos. Em 2018, uma morte infantil ocorre a cada hora na Síria, o que resultou até março em mil mortes. Já na Guerra no Iêmen mais de 5 mil crianças morreram desde que se agravou o conflito civil no país. Estes são só dois exemplos que ferem a juventude no mundo.

De volta ao Brasil, os números da violência contra o público que deveria ser defendido pelo ECA só fazem crescer. Em abril deste ano, um estudo feito pela organização social Visão Mundial mostrou que o Brasil lidera o ranking, de violência contra crianças entre os 13 países analisados na América Latina. A pesquisa avaliou o abuso físico e psicológico, trabalho infantil, casamento precoce, a ameaça online e a violência sexual contra crianças. Itens estes que deveriam ser combatidos, segundo o ECA.

Tudo isso é um alerta e precisa ser revisto. É preciso lutar para garantir os direitos expressos não só do ECA, mas àqueles que estão expressos na Constituição Federal e, todos os dias, são desrespeitados. Crianças e adolescentes precisam ocupar o lugar de protagonismo que a CF estabelece, o olhar precisa ser mais sensível a estes, caso contrário, serão mais décadas impedindo o futuro de milhares delas todos os anos. Eliminando sonhos que se quer chegaram a ser concretizados. Isso só se faz com a defesa dos direitos estabelecidos e a resistência a imposições antidemocráticas.

*Guilhermina Rocha é coordenadora da Secretaria de Formação da Contee e diretora Executiva da Secretaria Geral do Sinpro Macaé e Região (RJ). Artigo publicado originalmente na página do SIMPRO Macaé (RJ).

FOTO: Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, ouve Bruna Silva, mãe do estudante Marcus Vinícius, morto no Complexo da Maré. foto Valter Campanato/Agencia Brasil