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MUNDO

Para onde vai a Grécia? Conclusões da aplicação do 3º Memorandum

Por: Tiago Castelhano, de Lisboa, Portugal

Com a chegada ao poder do Governo Syriza/Anel e a sua traição no referendo de Junho de 2015, a situação política na Grécia tem sido marcada por uma diminuição das lutas e uma desmoralização da classe trabalhadora de conjunto.

Daqui não decorre que os trabalhadores e trabalhadoras deixaram de lutar ou de sair à rua. Continuam a existir greves e lutas, como, por exemplo, contra os despejos e leilões de casas, por parte dos bancos, mas estas são agora com menor impacto do que na situação anterior.

A situação politica grega, marcada pelas grandes e múltiplas greves gerais, entre o ano de 2010 e 2013, alterou-se. As lutas e greves contra o 3º memorando, aprovado e aplicado pelo Governo Syriza/Anel, existiram, mas foram lutas mais fracas, que têm vindo a perder espaço para outros protagonistas1.

Ainda assim, os motivos para que as greves e as lutas tivessem maior participação mantiveram-se, pois, o Governo continuou a seguir a linha da austeridade. Foram feitos cortes nas pensões, foi vendido tudo o que restava de empresas públicas e soberania do país,2através da privatização dos Portos, da Refinaria de Elefsina, da Empresa da Água (EYDAL), das companhias de eletricidade (DEI), entre outras. O Governo Syriza/Anel chegou mesmo a aprovar um conjunto de medidas de alteração da lei que regula o direito à greve, no sentido de o limitar e, em última instância, de impedir o seu exercício. Esta política do Governo Syriza/Anel tem provocado descontentamento no povo grego, empurrando-o para a procura de alternativas políticas na oposição, onde se encontram a direita e extrema-direita.

Crescimento da extrema-direita
Os últimos meses têm sido marcados por novos ataques da extrema-direita a casas ocupadas e imigrantes. No passado dia 20 de maio, Yannis Boutaris, Presidente da Câmara de Salonica3, numa cerimónia evocativa dos soldados gregos, mortos na I Guerra Mundial, acabou agredido e hospitalizado, depois de ter sido atacado por elementos de extrema-direita.

Este ressurgimento da extrema-direita, após o seu recuo em 2013, com a prisão de vários membros da sua direção4, enquadra-se nas tendências que se têm verificado um pouco por todo o mundo: vitória de Trump; crescimento eleitoral de Marine Le Pen, em França; Governo de Viktor Orbán, na Hungria; Governo Italiano do M5S e da Liga, etc.

O papel criminoso do Governo Syriza/Anel, bem como o da Nova Democracia (ND) e o da UE têm contribuído para este contexto mundial. O acordo de expulsão de refugiados dos territórios europeus, assinado entre a UE e Turquia, aceite pelo Governo grego5, apenas vem reforçar, a par com a humilhação austeritária que continua em desenvolvimento, as concepções ultranacionalistas na região.

Uma manobra democrática para esconder as mãos sujas de austeridade
Aquele conjunto de factores precisa ser amenizado e o Governo grego tentou contrabalançar as duras doses de austeridade com uma manobra política de concessão às reivindicações democráticas do Estado balcânico independente, desde 1991, da Macedónia.

No dia 17 de Junho, os Ministros dos Negócios Estrangeiros, grego e macedónico, assinaram um acordo que acede a que aquele Estado se possa designar por República da Macedónia do Norte, colocando fim a uma disputa com quase três décadas e abrindo caminho à possibilidade de aquele Estado pertencer agora à UE e à NATO6.

Com este episódio, a ND e a Aurora Dourada (AD), aproveitando o descontentamento com a austeridade, vão cavalgando a discussão em torno da ex-república jugoslava da Macedónia7,tendo levado, em Fevereiro, milhares de gregos às ruas, contra a possibilidade de aquele Estado passar a ser internacionalmente reconhecido com o nome de Macedónia. A posição da direita e dos ultranacionalistas gregos é justificada pela não aceitação de que aquele Estado vizinho possa ter o nome de “Macedónia”, uma vez que consideram que a região grega do Norte, com mesmo nome, deve manter-se única com tal designação. Alegam, inclusive, que o seu vizinho tem um projeto para anexar o Norte da Grécia. A ND chegou mesmo a apresentar uma moção de censura ao Governo Syriza/Anel, devido ao acordo estabelecido com Governo da agora designada República da Macedónia do Norte. A moção de censura não passou.8

Em resumo, o fortalecimento e mobilização de rua pela direita e extrema-direita é um elemento novo, na realidade grega, que tem vindo a acentuar-se nos últimos 6 meses. A extrema-direita e a direita mais reacionária voltam a ganhar espaço, seja na rua com ataques a imigrantes e militantes de esquerda,seja a nível institucional, com impacto na situação politica9.

Este crescimento não é, pois, alheio ao processo de desilusão dos trabalhadores gregos com o Governo do Syriza/Anel. Esse desânimo com o Governo empurra sectores da população na procura por uma alternativa política que prometa uma política diferente daquela que tem sido seguida.

Conclusão do 3º Memorando: a austeridade é para continuar
A reunião do Eurogrupo, que se realizou no dia 21 de Junho, decidiu “concluir” o 3º Memorando em Agosto de 201810. Contudo, é importante ressalvar que, na verdade, o fim do terceiro programa de austeridade não termina exactamente este ano.

Em 2017, aquando das negociações entre o Governo Syriza/Anel, a UE e o FMI, para a libertação de mais uma tranche dos empréstimos externos, o Governo de Tsipras assinou um acordo que previa medidas de austeridade para os anos de 2018 a 202011.

Mário Centeno, Presidente do Eurogrupo, já disse que a “saída do programa é um processo gradual e não automático”, utilizando Portugal como exemplo, pois, contrariamente ao discurso que utiliza no contexto interno nacional, refere que o país continuou a implementar “reformas relevantes depois da saída da Troika”.

O plano da UE e de Mário Centeno, acordado na referida reunião do Eurogrupo, é o de, a partir do final do programa grego, manter aquele país sob “vigilância reforçada”12, ou seja, sob as revisões trimestrais de monitorização. Desta forma, FMI, UE e BCE continuam a dominar a política grega e a aplicar as doses de austeridade que acharem necessárias, sob o eufemismo de “reformas estruturais”, enquanto vão prometendo um “alívio” da dívida pública do país13.

A verdade é que aquele “alívio” sobre a dívida pública grega é prometido em troca de mais austeridade pela UE, praticamente desde 2015. No fundo, o que se tem verificado até hoje, é a inexistência de uma verdadeira reestruturação da dívida pública. Tsipras e o seu Governo têm cedido constantemente em nome dessa eventual redução ou renegociação da dívida. No entanto, tal não passa de um perpetuar do seu pagamento, através do alargamento dos prazos14.

Se dúvidas houver, fiquemos apenas com o facto de que as decisões tomadas pela UE e BCE têm por base um cenário em que a Grécia terá de atingir um excedente primário orçamental de 3,5% do PIB, até 2022 e de prosseguir, depois, até 2060, dependente de um ritmo de crescimento de 2,2% do PIB. Parece evidente, para qualquer um, que a única promessa é a de continuidade da linha austeritária sobre a Grécia ad eternum. No fundo, a “saída” grega do 3º memorando é apenas uma forma de ir gerindo uma crise europeia em lume brando.

A Grécia já perdeu praticamente todas as suas empresas públicas estratégicas, devido às privatizações dos sucessivos governos. Tem a sua soberania entregue em mãos estrangeiras, pelo que as decisões económicas e políticas vão manter-se sob a tutela da Troika. A Grécia encontra-se com cerca de 21% de desemprego15, segundo os dados oficiais, e um desemprego jovem completamente absurdo de 42,3%. Registra uma das dívidas públicas mais altas do mundo, 180% do PIB. Como é fácil de ver a Grécia “sai” deste 3º memorando extremamente dependente, empobrecida e humilhada.

Por uma esquerda independente e anti-capitalista
As consequências das políticas da UE, do FMI, do BCE e dos sucessivos governos gregos não são animadoras para o povo e para a esquerda grega. As sondagens apontam que o falhanço do Governo Syriza/Anel está a ser capitalizado pela direita (ND) e extrema-direita (AD), sendo que a ND poderá mesmo vir a ser vencedora nas próximas eleições de 2019. A AD que estava debilitada, no último ano, começou novamente a erguer-se e veremos o resultado que terá.

Mas certo é que a actual governação grega, assente na conciliação de classes, está a ter como consequência o reforço da direita mais reaccionária, nacionalista e xenófoba. Urge a construção de um terceiro campo dos trabalhadores, independente do Governo Syriza/Anel e da direita reacionária/extrema-direita.

A Unidade Popular, o KKE e a Antarsya têm a tarefa de reforçar um polo socialista e independente da burguesia. Com um programa de ruptura com a UE e o Euro como forma de restabelecer a soberania nacional, que proponha nacionalizar a banca e todos os setores e empresas estratégicas. Uma força política que tenha um perfil claro em defesa dos direitos das mulheres, dos imigrantes, dos refugiados e das LGBTQI+. É urgente unir as forças de esquerda para se apresentar como alternativa tanto ao governo do Syriza, quanto da extrema direita.

4https://www.rtp.pt/noticias/mundo/lideranca-do-aurora-dourada-isolada-em-prisao-de-alta-seguranca_n685258

5http://esquerdaonline.com.br/2017/06/08/grecia-governo-syriza-submisso-com-os-credores-e-duro-com-os-refugiados/

6https://www.publico.pt/2018/06/17/mundo/noticia/ja-ha-acordo-assinado-sobre-o-nome-da-macedonia-1834648

7http://expresso.sapo.pt/internacional/2018-02-05-Macedonia-so-na-Grecia-dizem-gregos-em-manifestacoes#gs.AgqDSss

8http://rr.sapo.pt/noticia/116103/grecia-tsipras-ultrapassou-mocao-de-censura

9http://antarsya.gr/node/4868

10https://observador.pt/2018/05/24/eurogrupo-toma-em-junho-decisoes-para-conclusao-do-resgate-a-grecia/

11http://www.mas.org.pt/index.php/internacional/europa/1354-grecia-continua-sob-o-fogo-da-austeridade.html

12http://expresso.sapo.pt/economia/2018-06-21-Uma-reuniao-para-recordar.-Europa-empenhada-em-saida-limpa-da-Grecia#gs.L7ml=ZE

13https://www.jornaldenegocios.pt/economia/europa/uniao-europeia/detalhe/centeno-ve-enorme-potencial-da-grecia-e-da-portugal-como-exemplo

14http://expresso.sapo.pt/economia/2018-06-21-Uma-reuniao-para-recordar.-Europa-empenhada-em-saida-limpa-da-Grecia#gs.L7ml=ZE

15https://observador.pt/2018/04/12/desemprego-na-grecia-cai-para-206-em-janeiro/

Marcado como:
austeridade / grécia