Dia 8 de julho de 2018, o dia em que o Judiciário foi posto nu
No exato instante em que escrevo já não há mais dúvidas: o sistema de justiça age, no que toca à manutenção da prisão de Lula, de forma politicamente orientada. O Direito e o Processo não passam de meios, de instrumentos para a realização de uma vontade política. O processo, seus ritos, prazos e tramitação, correm de acordo com um arranjo político preestabelecido determinante da ação ou da omissão dos agentes do sistema de justiça.
Em um dia em que todos erraram, o estica e puxa entre o Desembargador Plantonista Rogério Favreto, o Juiz Federal Sérgio Moro, o Desembargador Relator Gebran Neto e o Desembargador Presidente do TRF4 Thompson Flores, rasgou o véu do templo e nos permitiu a todos ver o que no dia a dia fica reservado apenas aos doutos juízes, desembargadores e ministros: a justiça é política. E ela agora está exposta, nua em pelo, tal como foi concebida.
Desembargador Rogério Favreto ordena soltura do ex-presidente Lula
Na manhã do domingo, dia 08 de julho, às 9h05, o Desembargador Federal Rogério Favreto, responsável pelo plantão judiciário do TRF4, suspendeu a execução provisória da pena do ex-Presidente Lula, determinando, assim, sua soltura imediata.
Fez isso no julgamento de um Habeas Corpus que em síntese pedia:
1. a liberdade de Lula em razão da ausência de fundamentação da execução provisória da pena que lhe foi imposta pela 8ª Turma do TRF4;
2. o direito de Lula comunicar-se livremente, participando inclusive das entrevistas, sabatinas e debates para os quais na condição de pré-candidato à Presidência da República é convidado; e por fim;
3. o direito de escolher o local onde deseja cumprir a pena que lhe foi imposta, se em Curitiba ou em São Paulo, próximo à sua família, como lhe assegura a Lei de Execuções Penais e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O Desembargador Plantonista inicialmente recebeu o Habeas Corpus porque argumentou que, sendo réu preso, o direito à apreciação de eventual abuso em medida restritiva de liberdade impõe a análise judicial em qualquer tempo. No entanto, destacou que o pedido de Habeas Corpus merecia apreciação, não por eventual falta de fundamentação acerca da execução provisória da pena, mas sim pelo surgimento de fato novo que, assim como pode determinar a prisão preventiva ou provisória de réu que esteja em liberdade, também pode permitir a revisão de medida restritiva de liberdade, anteriormente determinada.
Fato Novo
O fato novo considerado pelo Desembargador Plantonista foram os inúmeros pedidos de entrevistas, sabatinas, debates, filmagens e gravações decorrentes da condição de Lula como pré-candidato à Presidência da República. Ora, mas isso não é fato novo!, pensará você de pronto. Ao que lhe respondo: Sim, evidentemente Lula diz que pode vir a disputar a Presidência da República desde 2016, isso não é novo. Mas é novo o fato de que em julho, a 20 dias da Convenção Eleitoral do PT, há nota pública do partido, e não uma declaração pessoal de Lula, o apresentando como pré-candidato. Isso não existia quando foi determinada a execução provisória de sua pena. Assim como não havia os convites que hoje há para que, na condição de pré-candidato, participe de debates, entrevistas e sabatinas. Hoje, o calendário eleitoral, os atos preparatórios dos partidos e da própria justiça eleitoral, a repercussão que a imprensa dá às eleições, tudo evidencia que efetivamente estamos em um momento distinto daquele em que, ainda em abril, Lula começou a cumprir a pena que lhe foi provisoriamente imposta.
Sem ter contra si uma condenação penal transitada em jugado, Lula mantém intactos os seus direitos políticos, e ao menos por agora, pode sim votar e ser votado. A execução provisória da pena restringe-se ao efeito principal da condenação, no caso de Lula: a prisão. Não abrange, portanto, os seus direitos políticos, que só serão suspensos se houver uma condenação transitada em julgado.
Lula está inelegível, ou não?
Você pode, neste momento argumentar que sim, tudo bem, ele está ainda no exercício de seus direitos políticos, pode votar, mas não estaria já inelegível? E a lei da Ficha Limpa? Ela diz ou não diz que condenados por órgão colegiado são inelegíveis? A 8ª Turma do TRF4 é ou não é um órgão colegiado? Não é evidente que Lula está inelegível?
Não, não é. E não é porque não é a justiça comum quem declara elegibilidade ou inelegibilidade de quem quer que seja. Isso é uma competência da Justiça Eleitoral e não acontece automaticamente. É necessário um pedido de registro de candidatura para que se analisem as condições de elegibilidade daquele que pleiteia uma candidatura. Então, apenas quando, em 15 de agosto, o PT apresentar o pedido de registro da candidatura de Lula ao TSE, é que se dará início à discussão jurídica acerca das possibilidades ou impossibilidades de sua candidatura. Até lá, e mais do que isso, até que a Justiça Eleitoral o declare inelegível, Lula pode, no pleno gozo dos seus direitos políticos exercer todos os atos da campanha e, claro, da pré-campanha eleitoral.
Assim sendo, o Desembargador Plantonista, com base no Art. 15, III da Constituição, reconheceu a Lula o direito de figurar entre os pré-candidatos à Presidência da República; reconhecendo, ainda, seu direito à liberdade de expressão e comunicação, com base no Art.5, IX da Constituição e Art.41, XV da Lei de Execução Penal.
Em se tratando de um pleito eleitoral, há não só o direito de Lula e do PT de apresentarem uma pré-candidatura, mas também o direito de toda a sociedade de conhecer o pensa, o que quer, o que defende esta pré-candidatura que se apresenta como alternativa política no cenário eleitoral. Assim, o Desembargador Plantonista reconheceu ainda, com base no Art.5ª da Constituição, o direito difuso da sociedade, de participar de um pleito em que se garanta tratamento isonômico entre as partes. Ocorre que, garantir a Lula o direito à livre comunicação e expressão do pensamento, implica necessariamente, em razão de sua condição de pré-candidato à Presidência da República, na liberdade de ir e vir pelo país, em respeito ao seu direito individual e, ao mesmo tempo, da sociedade de participar do debate político-eleitoral.
Foi com este fundamento que, julgando o Habeas Corpus, o Desembargador Plantonista atendeu ao pedido de suspensão da execução provisória da pena de Lula até o trânsito em julgado do processo pelo qual ainda responde, determinando sua imediata libertação.
Erro
E aqui, considero, o Desembargador errou. Errou porque quem determinou a execução da pena não foi o juízo de primeiro grau, nem a 13ª, nem a 12ª Vara da Justiça Federal, autoridades estas submetidas à competência jurisdicional do Desembargador do TRF que se encontrava de plantão. Quem determinou a execução da pena foi a 8ª Turma do TRF4, autoridade não submetida à jurisdição do Plantonista. Assim sendo, considero que ele, de fato, era incompetente para deferir o pedido de suspensão da execução da pena. Tinha competência para permitir que Lula pudesse cumprir pena em São Paulo, assim como, tinha competência para permitir que Lula recebesse a visita de jornalistas e equipes de filmagem, todos atos relacionados à forma como se executa a pena e de competência da 12ª Vara da Justiça Federal, esta sim, autoridade submetida à jurisdição do Desembargador.
Não cumprimento
Mas, até que se conteste essa decisão judicial, até que ela seja modificada por uma outra instância competente, ela é válida e deve ser executada. Portanto, Lula deveria sim ter sido posto em liberdade, mesmo que já na segunda feira, uma nova decisão judicial determinasse o retorno à prisão e a continuidade da execução da pena que lhe foi provisoriamente imposta.
Não foi ao que todos assistimos.
Prisão política
O que vimos foi uma ação atabalhoada e absolutamente estranha ao devido processo legal. Uma ação claramente política que atropelou todos ritos processuais para manter Lula preso a qualquer custo. Ao custo da ação despudorada e criminosa de agentes do estado. E isso mostrou para todos que estamos diante de uma prisão eminentemente política.
Já eram 12h24, portanto, mais de três horas depois da decisão de concedeu a liberdade a Lula, quando o Desembargador Plantonista, em um novo despacho, reiterou sua ordem determinando o cumprimento imediato de sua decisão. Por que? Porque a Polícia Federal simplesmente se recusava a cumprir a ordem judicial, configurando os crimes de desobediência e prevaricação.
Sergio Moro de férias
Quando a ordem de soltura de Lula chegou à superintendência da Polícia Federal, os policiais de plantão imediatamente deveriam ter cumprido a decisão e posto Lula em liberdade. Ao invés disso, mantiveram Lula preso e comunicaram a decisão ao Delegado da Polícia Federal, que, ato contínuo, entrou em contato com o Juiz Sérgio Moro, que estava de férias e no exterior.
De fora do país e de férias, Moro emite um despacho absolutamente descabido. Em síntese, Moro diz que teria sido apontado como autoridade coatora no Habeas Corpus, mas que, como não havia determinado a prisão, e sim a 8ª Turma do TRF, não teria ele poderes para autorizar a soltura. Diz ainda que orientado pelo Presidente do TRF, estava encaminhando ao Desembargador Gebran Neto, relator do processo na 8ª Turma, uma consulta, e que, enquanto isso, a Polícia Federal não soltasse Lula.
Um absurdo completo. Da primeira à última linha, a mais completa destruição de mais basilares princípios do devido processo legal e do Estado de Direito.
Moro poderia ter se manifestado?
Primeiro porque não é ele a autoridade coatora apontada no Habeas Corpus. É o juízo da 13ª Vara da Justiça Federal. Na administração pública o princípio da impessoalidade é uma regra elementar. Se Moro está de férias, aquele que responde pela 13ª vara presta os esclarecimentos, se julgar necessário, no prazo de 5 dias.
Em férias e fora do país, Moro faz uma consulta ao Presidente do Tribunal. De que forma foi realizada esta consulta? Por telefone? Informalmente? Os atos da administração devem ser oficiais, formais, públicos. Estamos falando de um processo de natureza criminal. Não cabem aqui consultas informais. Errou também neste caso, o próprio Presidente do TRF, que orientou sem qualquer oficialidade, um magistrado de férias a praticar ato funcional.
Subversão da hierarquia jurisdicional
E, por fim, o maior dentre todos os absurdos. De férias e fora do país, Moro, que é juiz, determina que a polícia federal não cumpra a ordem de um desembargador. Subvertendo assim, a hierarquia jurisdicional. Mesmo que estivesse no Brasil e no exercício de suas funções, Moro é autoridade submetida à Jurisdição dos Desembargadores do TRF, não o contrário. Um desembargador pode determinar que não se cumpra a ordem de um juiz, mas um juiz não pode determinar que não se cumpra a ordem de um desembargador.
Tudo isso mostra o desespero e o desprezo de Moro a qualquer forma de rigor processual para manter a qualquer custo a prisão de Lula. Uma motivação e atuação claramente política.
Desembargador Gebran Neto determina não cumprimento da ordem de soltura
A partir daí, foi a vez do Desembargador Gebran Neto, relator do processo na 8º Turma, dar sua quota de contribuição para o caos. Estando no mesmo patamar jurídico do Desembargador Plantonista, e em resposta a uma consulta feita por um juiz que estava de férias, Gebran retira o processo da competência do Plantonista e determina que a Polícia Federal não cumpra a ordem de soltura. Já eram 14h13 de domingo, mais de cinco horas depois da ordem original de libertação de Lula.
Rogério Favreto reafirma ordem de soltura em uma hora
Preservando a sua competência, o Desembargador Rogério Favreto reafirma, às 16h04, sua decisão de libertar Lula, esclarecendo que, esgotadas as responsabilidades do Plantão, o procedimento seria evidentemente encaminhado à 8ª Turma do TRF, que só então poderia rever a decisão. Desta vez, o Desembargador Plantonista foi mais enfático e estabeleceu o prazo máximo de uma hora até que sua decisão fosse cumprida pela Polícia Federal, sob pena de responsabilização criminal dos agentes por descumprimento de ordem judicial.
Desembargador Thompson Flores tira competência do plantão sobre caso
A Polícia Federal, no entanto, mais uma vez, descumpriu a ordem e manteve Lula preso sem qualquer fundamento ou razão de direito. Passaram-se mais de três horas e meia até que o Presidente do TRF4, Desembargador Thompson Flores, às 19h30, despachasse dizendo que diante do conflito de competência entre o Plantonista e o Relator do processo, ele decidia retirar o caso da competência do Plantão, validando o despacho em que Gebran Neto avoca para si o processo para negar o pedido de liberdade.
Lula foi mantido preso por decisão política da PF e de Juiz de primeiro grau
Até este instante, o que manteve Lula preso foi a atuação criminosa de agentes do Estado. Foi o descumprimento de uma decisão judicial. Lula foi mantido preso sem qualquer fundamento legal, por uma decisão política da Polícia Federal e de um Juiz de primeiro grau que estava de férias e fora do país.
A Justiça Política desnudou-se. Ficou evidente que Lula não é um preso do sistema de justiça. Lula é um preso do regime político.
*Fenando Castelo Brando é advogado e professor de Direito Constitucional e Eleitoral
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