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MUNDO

Conselho Europeu delibera sobre a nova crise da questão imigratória

Por: Victor Amal, de Berlim, Alemanha
Angela Merkel, que enfrenta crise política por conta da questão imigratória. Foto: LUSA/NDR/Wolfgang Borrs

Angela Merkel, que enfrenta crise política por conta da questão imigratória. Foto: LUSA/NDR/Wolfgang Borrs

Nos dias 28 e 29 de junho ocorreu a reunião do Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado dos países da União Europeia (UE). O primeiro tema central discutido foi a questão migratória, que causou grave crise entre os países do bloco durante o mês de junho. Após longa discussão, foi aprovada uma resolução unânime, mas conjuntural, que alivia a crise interna do governo alemão, seriamente dividido sobre o tema.

Nas semanas que antecederam a reunião teve início uma grave crise política na UE sobre a questão da imigração. Primeiro, no dia 10 de junho, o governo italiano passou a rejeitar a entrada de barcos com refugiados vindos do Norte da África, deixando-os criminosamente à deriva no mar Mediterrâneo. Esta medida unilateral da Itália gerou uma crise diplomática com a UE, em especial com o presidente francês Emmanuel Macron que, sem sucesso, tentou convencer o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte a aceitar a entrada dos refugiados até a reunião do Conselho, nesta semana. Os refugiados só puderam chegar em terra firme dias depois, quando o novo governo social-democrata da Espanha se dispôs a recebê-los.

Segundo, a coalizão de governo na Alemanha esteve seriamente arriscada de colapsar devido a divergências sobre a questão migratória entre os aliados CDU (União Democrática Cristã), da chanceler Ângela Merkel, e a CSU (União Social Cristã), do ministro do Interior, Horst Seehofer. Em meados de junho, Seehofer afirmou que iria emitir um decreto que dava direito à polícia alemã de rejeitar a entrada em território alemão de refugiados que já tivessem tido seu pedido de asilo negado por outros países – a chamada “segunda imigração”. A CSU tomou essa iniciativa tendo em vista que em outubro ocorrerão eleições regionais no estado da Bavária, seu bastião político, onde o partido vem perdendo muitos votos para a Alternativa para a Alemanha (Afd), organização de extrema-direita, anti-refugiados.

Após Merkel afirmar ser contrária à esta medida proposta pela CSU, Seehofer ameaçou emitir o decreto de qualquer forma – o ministro do Interior tem esse poder -, gerando rumores de que seu partido estava a ponto de romper com o governo. Para se compreender a radicalidade desta situação na política alemã, a aliança entre CDU e CSU já dura 70 anos e é o pilar do sistema político alemão pós-guerra. Desde então, nunca sofreu risco real de rompimento, com uma breve exceção nos anos 1990, após a reunificação, que de longe não foi tão séria como a atual. Contudo, Merkel convenceu Seehofer a aguardar a reunião do Conselho Europeu para resolver sua contenda, onde poderiam chegar à uma solução europeia para a questão.

Nova crise migratória é causada pela direitização da política europeia
É preciso ressaltar que esta nova crise política sobre a questão migratória que começou na Itália e Alemanha, mas que acabou se alastrando para todos países da UE, não se deu em função de uma nova onda de refugiados adentrando a Europa. Após o ápice da crise, em 2015, quando mais de 1 milhão de pessoas chegaram no continente, este número diminuiu para cerca de 360 mil, em 2016, e 180 mil, em 2017. Até agora, em 2018, chegaram apenas 37 mil refugiados.

Por que, então, justo quando a entrada de refugiados no continente diminui qualitativamente ocorre mais uma crise no bloco? A resposta é a direitização da política europeia que ocorreu no último ano devido à ascensão eleitoral da extrema-direita. Por um lado, essa ascensão resultou na entrada da extrema-direita no governo de dois países chave da UE, Itália e Áustria. Juntos com os governos da Hungria, Polônia e República Tcheca, que também são governados por partidos xenofóbicos de ultra-direita, estes formam agora um cordão xenofóbico dentro do bloco europeu.

Por outro, a mera ascensão destes partidos fez com que a centro-direita europeia adotasse um programa ainda mais conservador, a fim de prevenir sua base eleitoral de abandoná-la. Na Alemanha, onde a islamofóbica AfD estreou este ano no parlamento como terceira força política nacional, os partidos conservadores CDU e CSU não hesitaram em adotar veladamente parte do programa da AfD, como foi o caso do decreto de Seehofer.   

Um acordo conjuntural
Finalmente, durante a reunião do Conselho nesta quinta-feira (28), após nove horas de debate, os líderes da UE chegaram à uma resolução consensual. Primeiro, o principal ponto do acordo foi a criação de “centros de controle” espalhados entre os países do bloco, onde os refugiados serão enviados para o rápido processamento de seus pedidos de asilo. Aqueles aprovados serão transferidos para algum país da UE, enquanto os que forem negados serão enviados para fora da Europa. Todavia, o conteúdo da resolução é ambíguo, não especificando onde estes centros serão construídos e para que países irão os refugiados aprovados ou negados.

Foi decidido que estes “centros” também serão construídos em países fora da Europa, por onde os refugiados vêm, em especial no Norte da África e no Oriente Médio. O problema é que nenhum país destas regiões se mostrou favorável à proposta. Argélia e Líbia, inclusive, já manifestaram rechaço quanto à criação destes “centros”, afirmando corretamente que eles seriam uma violação da lei internacional de asilo.

Segundo, consta na resolução do Conselho Europeu que medidas adicionais em relação ao acolhimento de refugiados não serão obrigatórias, mas iniciativa “voluntária” de cada membro da UE. Esta parte foi especialmente reivindicada pelos países da Europa Central, em particular a Hungria, que estão longe dos pontos de entrada de refugiados pelo mar.

Terceiro, foi mencionado no texto que será incrementado o combate à “segunda imigração”, que é quando os refugiados atravessam a UE na busca de algum país que os aceite, mesmo já tendo pedidos de asilo negados. Na resolução final consta que os membros da UE devem usar “todas as medidas administrativas e legislativas necessárias internamente” para prevenir o movimento de refugiados no bloco. Esta parte foi considerada uma vitória para Merkel, pois era justamente o ponto de tensão interna em seu governo. França, Grécia, Holanda e Espanha foram os principais aliados alemães na reunião do Conselho para que este tema constasse na resolução final.

Ainda na sexta-feira (29), Merkel firmou acordos bilaterais com Espanha e Grécia para enviar a estes países refugiados que estão dentro da Alemanha com pedidos de asilo negados. Em troca, os alemães irão oferecer auxílio financeiro e, no caso da Grécia, foram concedidos mais 10 anos para o pagamento da dívida do país com os credores europeus.

Primeiros balanços
No mesmo dia, a CSU afirmou que a resolução do Conselho Europeu foi positiva, e que Merkel incorporou em sua negociação antigas demandas do partido, demonstrando uma “genuína mudança de curso” na questão dos refugiados.

Em relação à Itália, apesar do governo italiano ter afirmado que a reunião do Conselho foi um sucesso, o resultado foi aquém do esperado. Logo após o fim do encontro, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, e o presidente francês, Emmanuel Macron, mais uma vez se enfrentaram publicamente, desta vez sobre a interpretação da resolução aprovada. Macron afirmou que a França não irá construir os “centros de controle” em seu próprio território, pois não é um país de entrada dos refugiados como Itália, Espanha e Grécia. Conte, irritado, afirmou que Macron interpretou a resolução errado, pois justamente a construção dos “centros” em outros países europeus é anunciada como a grande vitória italiana no encontro.

Internamente, o resultado da reunião do Conselho também foi contestado. O ministro do Interior e líder da ultra-direitista Liga, Matteo Salvini, afirmou que poucas iniciativas concretas foram atingidas, mas que pelo menos desta vez a posição da Itália foi levada em consideração. Já Alessia Rota, advogada do oposicionista Partido Democrático, afirmou que é ridículo vender a resolução do Conselho como uma vitória italiana, dado que lá consta o caráter “voluntário” da criação dos “centros” e da distribuição de refugiados. Segundo ela, além da Alemanha, que conseguiu abafar a crise interna do seu governo, a Hungria e os países da Europa Central foram os verdadeiros vitoriosos da reunião.

Além da questão migratória, o Brexit foi o outro tema central discutido na reunião do Conselho Europeu, tema que será abordado no próximo artigo.

Foto: Angela Merkel, chanceler alemã, que enfrenta crise política por conta da questão imigratória. LUSA/NDR/Wolfgang Borrs