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BRASIL

O PL do Veneno avança, a saúde e o meio ambiente retrocedem

Por: Laila Rossini*, de Porto Alegre/RS.
Cartaz contra o PL do veneno. Divulgação/FETAPE

Cartaz contra o PL do veneno. Divulgação/FETAPE

Na noite da segunda-feira (25) foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, por 18 votos a 9, o Projeto de Lei 6299/02, mais conhecido como PL do Veneno, que flexibiliza o controle sobre os agrotóxicos (seus critérios de aprovação, análise de risco e nome dos produtos) em detrimento da saúde da população e do meio ambiente. Agora, a proposta deve seguir para o Plenário da Casa e para o Senado.

A Comissão Especial, composta majoritariamente por ruralistas ligados ao lobby da indústria dos agrotóxicos, tentava desde abril votar essa modificação na lei. Uma das propostas do parecer do relator, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), é de que não haja mais avaliação e classificação de produtos por órgãos de saúde e meio ambiente, mas apenas uma “homologação” da avaliação realizada pelas empresas registrantes desses produtos. Ou seja, pesticidas poderão ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se órgãos reguladores, como o Ibama e a Anvisa, não tiverem concluído suas análises.

Antes de tudo, é importante pontuar alguns dados sobre o uso de agrotóxicos atualmente:

  • Desde 2008, o Brasil é o país campeão em uso de agrotóxicos: consumimos 20% do que é comercializado mundialmente. Um brasileiro ingere, por ano, 5 litros de agrotóxicos. (Fonte: INCA);
  • O Brasil tem 504 agrotóxicos de uso permitido. Desses, 30% são proibidos na União Europeia, alguns há mais de uma década. Mesmo os vetados estão na lista dos mais usados aqui. O acefato, por exemplo, causa a “síndrome intermediária”. Entre os danos à saúde estão a fraqueza muscular dos pulmões e do pescoço e em crianças o risco é mais acentuado. (Fonte: ANVISA)
  • Líder brasileiro de vendas, o herbicida glifosato é despejado de 9 a 19 kg por hectare (nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso). Análises feitas com cobaias mostraram que a exposição ao veneno causou câncer de mama, necrose e reduziu o tempo de vida dos animais. Em setembro de 2017, a França anunciou que banirá o glifosato até 2022 porque “ameaça a saúde dos franceses”. No Brasil, entre 2009 e 2014, o consumo subiu 64%. (Fonte: Laboratório de Geografia Agrária da USP);
  • Entre 2007 e 2014, mais de 1 milhão de brasileiros foram intoxicados por agrotóxico. Cerca de 20% das vítimas é criança ou adolescente. (Fonte: Fiocruz);
  • Das mortes por ano, 90% ocorreram em países em desenvolvimento, onde as regulamentações de saúde, segurança e proteção ao meio ambiente são frágeis;
  • Entre 2003 e 2015, a área cultivada de soja aumentou 79% no Brasil. (Fonte: Laboratório de Geografia Agrária da USP);
  • As empresas produtoras de agrotóxicos têm 60% de desconto no imposto relativo à circulação de mercadorias no Brasil, dentre outros benefícios. (Fonte: Laboratório de Geografia Agrária da USP);
  • Em 2015, o governo deixou de publicar os casos de intoxicação por agrotóxicos.

De uma forma geral, a proposta aprovada:

  • Permite que o produto que revelar características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, antes vetados, agora ainda estejam sob “análise de risco”. Só não serão comercializados se for denotado “risco inaceitável”. Os de “risco aceitável” poderão ser comercializados. O relatório deixa o conceito de agrotóxicos proibidos mais genérico.
  • Altera e retira a autonomia de decisão do setor de saúde e ambiente;
  • Concede ao produto um registro temporário, caso ele não tenha sido liberado dentro de 12 meses, desde que possua especificações idênticas em pelo menos 3 dos 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE);
  • Atribui competência ao órgão da agricultura para realizar a “reanálise de risco”, que acontecerá quando houver alertas de risco à saúde, à alimentação ou ao meio-ambiente (temas estes que estão fora do escopo de atuação da agricultura);
  • Muda o nome “agrotóxico” para defensivo agrícola ou produto fitossanitário;
  • Instituições representativas de agricultores, engenheiros agrônomos ou florestais, conselhos da categoria e entidades de pesquisa poderão pedir ao Ministério da Agricultura a autorização da extensão de uso de agrotóxicos ou afins já registrados para controle de pragas em culturas com agrotóxicos julgados insuficientes;
  • Cria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CNTFito), instituição semelhante à CTNBio e que teria a função de avaliar quais agrotóxicos seriam liberados para utilização. Retira de todos os outros órgãos públicos a possibilidade de monitorar e avaliar os impactos dos transgênicos que podem ser liberados para comercialização;
  • Limita a atuação dos estados no tema para dificultar que sejam criadas leis estaduais.

A mudança para um nome menos depreciativo, de “agrotóxico” para “produto fitossanitário”, não só não cura as intoxicações, como também instiga a lembrar da Revolução Verde. Essa, de nome simpático, visava a produção em larga escala de commodities agrícolas e mudou drasticamente os modos de produção no campo, sendo as mais marcantes dessas mudanças o extensivo uso de agrotóxicos e a produção em monocultivos, que contraria a diversidade da natureza e derruba matas nativas. Não é de se surpreender que essa política venha dos Estados Unidos e que o grupo Rockefeller tenha sido um dos grandes financiadores. Conseguiu aumentar em muito seu mercado consumidor, com o discurso humanitário de “acabar com a fome no mundo”. Sementes modificadas em laboratório foram criteriosamente enviadas aos pratos de países em desenvolvimento (países latinos em sua maioria, incluindo o Brasil). O pequeno produtor acabou por se endividar e teve que vender suas terras às maiores empresas. Só que a implantação desse modo de produção acaba por criar um círculo vicioso: o uso de agrotóxicos não só combate as pragas em uma lavoura como liquida seus predadores naturais. Sem esses predadores, os organismos que atacam a lavoura e resistem ao agrotóxico passam a crescer sem resistência. Assim, os agrotóxicos criam um desequilíbrio ecológico para além do envenenamento. Atualmente estamos totalmente voltados para um modelo de produção que é pouco acessível à agricultura familiar tradicional, pois necessita a utilização de grandes maquinários, agrotóxicos e sementes transgênicas. Esse modelo dificulta o desenvolvimento de outras formas de produção no campo, como a agricultura orgânica, integrada, controle biológico e adubação verde.

Décadas depois, o setor do agronegócio não abre mão da argumentação em nome do falso progresso que, nesse caso, consiste em acelerar o processo de concessão e autorização de novos produtos, em “modernizar” uma lei que julgam obsoleta por ser de “30 anos atrás”. Modernizar em que aspecto? No de servir mais ao capitalismo. Querer se inserir nesse sistema, sendo um país riquíssimo em recursos naturais, dado o nosso histórico de explorações, exportações e privatizações, é apertar a corda no nosso pescoço. O capitalismo é, nesse caso, a mínima quantidade de indivíduos que lucram no girar dessa indústria, ruralistas fichados por crimes ambientais e acusações de trabalho análogo ao escravo e os gigantes do setor agroquímico como Bayer, Monsanto, Syngenta, Bunge, etc., que já têm os produtores como seus reféns.

A Lei 7.802/89 é fruto de uma árdua luta de movimentos sociais para regular por lei o uso de agrotóxicos no Brasil, pois a Revolução Verde, a partir de 1960, afundou nossas plantações em veneno. Essa lei só não é ideal porque nessa época os empresários avançaram contra a população que reivindicava tal pauta. Mesmo com ela, a legislação é bastante permissiva, o que pode ser notado com os elevados índices de intoxicação, construção de hospitais especializados em atender pacientes com câncer logo nas áreas onde mais há produção agrícola, etc.

O Projeto de Lei nº 6299/2002 é de autoria do barão da soja e megaempresário ruralista, o ministro da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento, Blairo Maggi (PP-MT). Quem chefiou a comissão foi a presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS), apelidada pelos ruralistas, na comemoração pós-aprovação, de “musa do veneno”. A votação se deu a portas fechadas e diversos órgãos (Anvisa, Inca, Fiocruz, Ministério do Meio Ambiente, Ministério Público Federal, ONU, Ibama, entre outros) emitiram notas técnicas contrárias à aprovação do PL.

A bancada ruralista é a mais poderosa (40% dos deputados) no Congresso Nacional e sua influência política ultrapassa as lavouras: 85% deles votaram pelo impeachment de Dilma Rousseff; um terço votou por salvar a pele de Michel Temer na primeira denúncia da Procuradoria Geral da República, em 2017; têm metade da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e, em 2015, ocupou 32 das 48 cadeiras do colegiado que discutia regras de demarcação de terras indígenas.

Quanto à indústria de agrotóxicos e transgênicos, as empresas maiores estão, cada vez mais, comprando as menores, fazendo brotar monopólios de veneno e sementes modificadas. Concentrado o controle cada vez maior dos alimentos que as pessoas consomem em um pequeno número de empresas, a soberania do Brasil, mais uma vez, se vê na beira do abismo.

Quanto aos direitos suprimidos, quando falamos das consequências à população brasileira em se ter uma “vanguarda” ruralista, estamos falando diretamente do direito de continuar vivendo: nunca o meio ambiente foi tão ameaçado no Brasil, os projetos de lei que avançam no Congresso são um atentado. Com o solo envenenado e a água dos lençóis freáticos, sob esse solo, contaminada, com a perda da biodiversidade e as emissões de gases do efeito estufa, não podemos olhar um futuro saudável muito adiante. Esse pilar do sistema, o agronegócio no Brasil, agride irreversivelmente os biomas e vem à público com o apelido de “tech”, “pop”, com propagandas milionárias exibidas no horário nobre a fim de convencer a população de que aquilo está correto. Vem com a votação desse PL em plena Copa do Mundo. O agro desapropria tudo o que estiver no caminho das suas vastas plantações. Desde que a expropriação de terras de seus verdadeiros donos aos saqueadores começou aqui, os métodos de desocupação desses “solos férteis” vão desde implantação de doenças (como a varíola) às comunidades indígenas, até disparos de armas de fogo pagos com sangue pelos latifundiários. A criminalização dos indígenas também é uma ideia, estrategicamente promovida, que torna mais viável a tomada de terras por grandes empresas.

São esses motivos que tornam tão essencial a luta contra a PL do Veneno, para que o genocídio indígena (e todos os outros, financiados pelo conservadorismo da bancada ruralista) tenha possibilidade de ser estancado; para que o brasileiro não pense estar ingerindo um defensivo ao invés de saber que agrotóxico é veneno; para que o interesse por lucro das grandes empresas produtoras de transgênicos e agrotóxicos não seja maior do que a saúde e direitos dos 99%. Para isso devemos saber bem quem são nossos inimigos e a quem servem.

A candidata à Vice-Presidência, Sônia Guajajara, citou que “falar de bancada ruralista é falar de violência e genocídio”. Sônia, como mulher indígena, busca restaurar nossa soberania frente aos ataques do agronegócio e essa frase só reforça que a pauta dos agrotóxicos e importantíssima base de luta nas áreas sociais. No ápice do avanço do conservadorismo é nosso dever ir contra todos as imposições dos senhores que anseiam por gerir a nossa economia, vendendo o que é nosso e embolsando os lucros, contribuindo em nada para o país. Essa luta é de todos nós: Não à PL do Veneno!

* Laila Rossini é estudante de biologia e militante do coletivo Alicerce