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MOVIMENTO

O que aprendi perdendo para a direita?

Por Lucas Brito*, de Brasília/DF

Nessa última semana assisti, pela segunda vez, uma posse da Aliança Pela Liberdade à diretoria do DCE da Universidade de Brasília (UnB). Esse é um grupo de direita que atua entre a estudantada daqui há nove anos. Imediatamente me veio à cabeça, como um martelo contra uma parede lisa, uma frase do Marx, escrita junto da sua célebre análise sobre o processo que levou da revolução de 1848 para o golpe de Estado em 1852 na França: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

Minha relação com o Movimento Estudantil vem desde secundarista. Nessa trajetória tive o prazer de conhecer boa parte das universidades públicas brasileiras, muitas escolas ocupadas por secundaristas em 2016, e um pouquinho do grandioso ME chileno, ao acompanhar uma das eleições da FECH (Federación de Estudiantes de la Universidad de Chile). O protagonismo estudantil serviu em muitos momentos como reforço, outros como estopim para transformações sociais, conquista de liberdades democráticas, direitos sociais ou para a defesa da soberania nacional.

Sempre com isso em mente, diante da eleição de DCE no momento político do país, a situação econômica da UnB e a ameaça de perder a entidade para a direita me fizeram, mesmo não atuando mais no dia a dia desse movimento, estar em mais uma eleição. Perdemos. E como em toda derrota, o sabor do resultado é amargo. Nesse caso, como não é a primeira vez, o paladar não foi pego desprevenido. É como diz o ditado popular português: “é errando que se aprende”. A contar pela quantidade de erros, os aprendizados vão se acumulando. Uma das primeiras e mais importantes lições é que nenhuma organização ou indivíduo se bastam sozinhos.

Com esse espírito, compartilho minhas conclusões e reflexões para que aprendamos e reflitamos juntos sobre os erros e os futuros acertos. Algumas linhas terão duras críticas. Não faço divergências por entrelinhas, com sujeito oculto. Como garantirei o direito de resposta daqueles que por mim forem criticados? Penso que não citar é uma forma de se esconder. Prefiro ser sincero e nomear aqueles de quem discordo, assim, estar de peito aberto para a crítica. Acho assim mais respeitoso. Mas bem, todas as linhas abaixo estão postas em debate. Vamos?

Qual a saída para a UnB?
Desde o golpe no Brasil se forjou entre os estudantes parte do que há de mais corajoso para enfrentar os retrocessos. A onda de ocupações de escolas e universidades em 2016 foi um exemplo disso. Mesmo assim, apesar de toda a garra, a nossa luta não foi o bastante para impedir a aprovação da hoje Emenda Constitucional 95, aquela que congelou os gastos sociais por 20 anos.

Aqui na UnB, mais uma vez, os estudantes se levantaram e decretaram greve em uma assembleia com cerca de 1.400 presentes. Contudo, também ignorando toda luta, a realidade avançou com toda a sua dureza. Diante do contingenciamento, a reitoria (eleita com votos de esperança e da esquerda) já demitiu mais de 500 terceirizados, em sua grande maioria mulheres negras e periféricas. Ao mesmo tempo ataca a organização sindical e prepara um aumento no preço do Restaurante Universitário. Nossa saúde mental está abalada. Crescem as depressões, transtornos de ansiedade, a violência e o suicídio. Estamos atravessando uma névoa de desesperança. Nossa geração, que há pouco sonhava e quase sentia um futuro de vitórias e ascensão social, hoje se vê perdida. Pelos corredores e “pracinhas” são incontáveis os produtos que começaram a ser vendidos. O que é que a UnB tem? Tem cuscuz quentinho, tem. Tem a melhor coxinha do mundo, tem. Tem brownie delícia, tem. Tem roupa de tecidos africanos, tem. Tem de tudo. Contudo, o que se “esconde” por detrás de toda essa diversidade de delícias é a crise na qual o gigante do hemisfério sul fora lançado.

A derrota da greve estudantil, que se demonstrou incapaz de animar a estudantada e cativar apoio entre o povo, evidenciou aquilo que penso ser a essência da nossa derrota no DCE: os estudantes estão sem direção política. Basta relembrar o percurso das lutas. Começamos com uma vitoriosa paralisação seguida de um grande ato em frente ao MEC. A intransigência do governo e da reitoria, a falta de apoio na sociedade, ações isoladas no movimento somaram-se com a falta de uma direção política à esquerda. Como resultado, a greve terminou dividindo a resistência que estava sendo construída.

É a hora de sermos radicais, o que é diferente de ver a ação como um fim em si. Ser radical é ir à raiz dos problemas. Estamos atravessando uma situação política defensiva para o povo trabalhador enquanto os donos do poder avançam sobre nossos direitos, liberdades democráticas e a pouca soberania do nosso país. A indignação e pressa são explicadas pela virulência dos ataques, mas nossas ações isoladas não são o bastante para derrotar nossos inimigos. É preciso aprender com nossas experiências. É hora de disputar as maiorias, precisamos ir à “massa” dos estudantes e buscar o apoio do povo. Ele virá!

Sobre os três porquês da derrota

Chapa vencedora. Foto divulgação
Chapa vencedora. Foto divulgação

Logo em seguida de ser tornado público o resultado das eleições desenvolveu-se um debate entre três teses sobre o porquê da vitória da direita.

A primeira tese se centrava na ideia de que a chave da questão estava na divisão da esquerda. É sabido que dois grupos de esquerda não compuseram a chapa unitária, o Juntos! e a UJC, essa última lançou uma chapa própria.

A segunda tese veio de ativistas da greve. Ainda no processo eleitoral lançaram a campanha pelo voto nulo e pela abstenção. Esses disseram que o equívoco que explica o retorno da direita ao DCE se deu quando os “grupos políticos” decidiram fazer a consulta mesmo a universidade estando em greve. Para esses, as organizações de esquerda abandonaram a luta direta para fazer eleição.

Por fim, também foi apresentada outra tese, em diálogo com a anterior, de que a razão é subjetiva, e deriva da má gestão da Todas as Vozes na condução do DCE no último período. E que a divisão da esquerda seria indiferente para o resultado. Para esses, o centro da disputa política não estava em torno das tarefas para a atual situação da UnB, mas no balanço da gestão passada.

Em minha opinião as três teses são meias verdades. É evidente que a gestão passada do DCE foi insuficiente diante dos enormes desafios que foram apresentados. Arrisco dizer que o principal problema foi a ausência de disputa política permanente do conjunto dos estudantes da universidade. A isso se soma também o desafio cotidiano, aumentado pela pouca experiência dos integrantes da gestão, de trabalhar em unidade com mais de 10 coletivos de opiniões e tradições muito diversas. A ver pelas próprias lutas, essa gestão expressou boa parte das dificuldades coletivas de todo o ativismo da universidade.

De fundo, divirjo da UJC, pois acredito que ver como indiferente a divisão da esquerda é parte da incompreensão sobre quais as tarefas políticas para o momento; a escolha em negar a unidade é expressão de um desprezo pelos fatores objetivos da realidade. Há uma situação defensiva de ataques inédita para a nossa geração. Houve dois grandes debates políticos nessa eleição. O primeiro sobre o caráter público e gratuito versus possibilidades de privatização. O segundo a partir da propaganda anti-movimento feita pela direita, atacando a greve, a ação direta, a democracia e legitimidade das assembleias; diante desse cenário, centrar as críticas à esquerda, como fez a chapa impulsionada pela UJC, se mostrou um erro político. É evidente, não por uma conta matemática, mas pelos cálculos políticos, que uma chapa unificada seria favorita ao DCE. Diante disso, uma política abstencionista adotada pelo Juntos! se mostrou igualmente irresponsável, pois mesmo tendo a leitura de que a direita deveria ganhar o DCE no cenário de uma divisão na esquerda, escolheu proferir um grande: “não é comigo”.

Já os ativistas ao deslegitimarem o processo e defenderem a abstenção ou o voto nulo partiram de suas compreensões sobre as razões da derrota da greve. No começo da luta, contrariando toda a situação política, abriu-se uma janela de oportunidades por onde se tornou possível passar um movimento de resistência forte, com apoio de “massas” na universidade e com real capacidade de fazer frente aos ataques. Contudo, essa possibilidade sempre esteve ameaçada pela ausência de uma opinião comum do sentido político que o movimento deveria seguir. As ações “radicalizadas” foram enfraquecidas na medida em que não se alimentaram de apoio junto aos estudantes. Reinou a dispersão, a ausência de informações comuns e assim a frágil possibilidade de ascenso naufragou. Quando houve a oportunidade de conduzir o movimento para outra tática, na assembleia em seguida à aprovação da greve, a dispersão política se vestiu de grande confusão. Os coletivos de esquerda acordaram uma proposta de seguir o movimento por outra via que buscasse mais apoio e fortalecimento. Já era tarde. Os ativistas, mergulhados em desconfiança frente à uma direção não provada e frágil, recusou com veemência a nova orientação. Uma política de se abster de qualquer responsabilidade frente à luta e de inflar a desconfiança do ativismo com as organizações não só impediu a unidade nas eleições, como também dividiu o movimento. E assim deu-se a derrota, acredito que essa localização escolhida pela UJC está na raiz da negação da unidade.

Defender voto nulo, chamar à abstenção, ignorar a volta da direita e suas consequências foram apenas manifestações da inércia de confusões sobre as tarefas políticas e a divisão do movimento. Acusar o ME de seguir seu calendário em uma universidade funcionando na imensa maioria dos cursos não fazia qualquer sentido.

Por fim, digo que considero também equivocada a tese de que perdemos exclusivamente por causa da divisão da esquerda. Esse seria o caminho fácil em ver os erros apenas nos outros, quando devemos especialmente olhar para nós mesmos, pois somos quem podemos mudar. Acredito que uma chapa unitária poderia ter sido vitoriosa, nunca saberemos. Mas não mudaria o fato de que a frente única da esquerda conformada na chapa não dirige os estudantes e não dirigiu a última luta.

Quem ganha e quem perde com a unidade?
Agora não falo de eleição. Uma das grandes vantagens da classe trabalhadora frente à burguesia é numérica. Somos muito maiores. Contudo, desarticulados e sem consciência coletiva não vamos muito longe. Hoje vemos inúmeros exemplos disso. A unidade não é uma invenção moderna. É uma tática instintiva presente ao longo de toda a história da humanidade ou de outros animais. Assim as leoas caçam e assim os atuns se protegem nas águas geladas.

Reivindico a tradição trotskista. Durante a década de 1930, o nazifascismo avançava na Europa. Diante desta situação, Leon Trotsky declarou: “na luta contra o fascismo, estamos prontos para fazer acordos práticos de luta com o diabo e sua avó”. Esta declaração era a materialização de uma tática que originalmente foi pensada no quarto congresso da III Internacional Comunista: um chamado para que as organizações da classe trabalhadora (independente de suas diferenças estratégicas) se unissem em torno de um programa (parcial, mas um programa) comum, em base a tarefas específicas. No caso, o programa comum eram todas as tarefas concretas exigidas para a derrota do nazismo e de seus planos econômicos e políticos. E este programa poderia ser levado adiante com todas as organizações dos trabalhadores que assim quisessem, por mais traidoras e/ou burocráticas que fossem.

Na atual situação do Brasil, acredito haver duas grandes tarefas. A frente única das organizações da classe trabalhadora e a construção de uma alternativa política para a nossa classe, frente ao fracasso da estratégia de conciliação de classes, que foi a marca dos governos do PT. E por esse último motivo meus pré-candidatos são Guilherme Boulos e a Sônia Guajajara.

Traduzindo isso para a situação da UnB, fazendo todas as mediações necessárias, penso que a unidade da esquerda também está colocada para a nossa realidade. O governo golpista tem projeto de destruição das universidades tal qual a conhecemos, pública e na maior parte gratuita. A direita tem atuação consolidada e cresceu no último período.

No caso da última eleição, pela realidade concreta da UnB, foi correto levar a Frente única para a eleição. Por esse motivo a minha corrente interna no PSOL, a Resistência, compôs a chapa unitária, assim como a Insurgência e a Brigadas Populares, ambas também do PSOL. Penso que daqui pra frente, independente das táticas adotadas durante as eleições, as organizações de esquerda devem se unificar sob o risco de entrarem em dispersão. Considero essa a maior ameaça hoje. Eu vi um “filme” muito parecido com esse acontecer. Após a primeira vitória da AL em 2011, a esquerda, já dividida, entrou em profunda crise. Uma vez como tragédia, outra como farsa. Em 2012 construímos uma grande greve nacional da educação federal, isso possibilitou a recomposição de alguns coletivos de esquerda na universidade. Mas, mesmo assim, não conseguimos derrotar a Aliança na eleição seguinte, e na seguinte; até o ano passado, quando conseguimos impulsionados pelas ocupações de 2016. Ou seja, conforme a situação atual, não podemos esperar anos até uma nova geração surgir para retomarmos o DCE. Devemos aprender como nossos erros, especialmente os dos que vieram antes de nós. E devemos fazer isso rápido.

E penso que o programa de tal unidade parte de:
1. Defender financiamento público para a universidade não fechar. Lutar pela revogação da E.C 95 nos marcos do projeto neoliberal do Banco Mundial e do FMI para a educação brasileira.
2. Defender a autonomia universitária para que se tenha a liberdade de cátedra;
3. Combater as medidas da reitoria de ataque aos direitos trabalhistas, emprego e conquistas estudantis com independência política frente à reitoria e aos governos;
4. Defender as liberdades democráticas dentro e fora da universidade;
5. Por um plano emergencial de saúde mental para combater o sofrimento psíquico na UnB e por fim;
6. O DCE é pra lutar! Defendemos o real papel de mobilização do diretório submetido aos seus fóruns democráticos (CEBs, Assembleias e Congresso Estudantil).

Errar é um direito. É das derrotas que arrancamos nossas mais vigorosas forças. Não temos tempo a perder. É preciso olhar o futuro com coragem. Panfletagem com corpo a corpo; passagens em sala; atividades políticas de discussão e convencimento; elaboração política comum. Esses são alguns dos ensinamentos da campanha que devem se manter no dia a dia da ação da esquerda na UnB. É preciso unidade para resistir, essa é a bandeira da esperança e da ousadia necessária e urgente para lutar e vencer!

 

*Lucas Brito é membro da Coordenação Nacional da Resistência, corrente interna do PSOL; do Diretório Distrital do PSOL DF e estudante de mestrado no Programa de Política Social da UnB.

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