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EDITORIAL

A revolta das mulheres iranianas

Por: Behroz Farahany
Manifestação em Teerã, em dezembro de 2017. Foto: DR.

Manifestação em Teerã, em dezembro de 2017. Foto: DR.

Tradução: de Daniele Cunha. Artigo original publicado no site do NPA

No início de 2018, a revolta de mulheres iranianas contra o uso obrigatório do véu islâmico contribuiu de forma muito significativa ao clima de contestação, marcado pelas manifestações de massa contra a alta dos preços e a corrupção. (1)

De acordo com o artigo 368 do Código Penal islâmico iraniano, as mulheres que aparecem em público sem véu podem receber uma pena de prisão que pode durar até dois meses. Essa lei é aplicada a partir da idade de nove anos. Na prática, as autoridades impõem o uso obrigatório do véu a partir dos sete anos, ou seja, quando as meninas entram na escola primária.

A primeira mulher a ousar retirar seu véu na rua, no dia 27 de dezembro de 2017, foi solta depois de um mês de prisão, após ser obrigada a pagar uma fiança de um montante equivalente a 50 vezes o salário mínimo local. No entanto, seu exemplo foi seguido por dezenas de outras mulheres, das quais mais de 35 foram detidas. O movimento pelo qual as mulheres divulgam desde 2017 suas fotos sem véu nas redes sociais se amplificaram desde janeiro. É a primeira vez desde as grandes manifestações de 1979-1980 que a resistência das mulheres toma contornos abertamente anticonformistas e, sobretudo, ilegais.

No mesmo momento, muitas jovens e mulheres participavam das manifestações contra a alta dos preços, o desemprego e a corrupção que reuniram centenas de milhares de jovens desempregados/as e de trabalhadores/as. Essa onda de mobilização, que começou em 28 de dezembro, durou 10 dias. Ela aconteceu em quase cem cidades iranianas, grandes e pequenas, abalando as bases do regime dos aiatolás. A única resposta do governo foi a repressão, com a morte na rua de 27 pessoas e a detenção de 5 mil manifestantes, dos quais pelo menos 12 morreram em seguida na prisão.

A amplitude da mobilização das mulheres é um fenômeno novo e marcante. Um breve retorno à história das relações entre o poder islâmico e as mulheres iranianas será útil para que se compreenda melhor a importância do fenômeno.

Uma opressão que vem de longe
Mesmo se a situação atual das mulheres é o resultado direto da derrocada da revolução de 1979, a misoginia da sociedade iraniana não data da instauração do regime islâmico. O xá Reza Pahlavi era um exemplo flagrante disso. Ele o assumiu abertamente, em 1973, em uma entrevista célebre e devastadora com Oriana Fallaci (2), na qual explicou que as mulheres nunca fizeram nada de grande, não são boas nem mesmo para cozinhar (todos os grandes chefes de cozinha sendo homens!) e “nunca sabem ser úteis”.(3)

Um outro fato ilustra a dominação masculina existente nessa época: em meados dos anos 1970, a senadora Mehranguiz Manouchehrian propusera eliminar a obrigação, para as mulheres casadas, de obter autorização de seu marido para sair do país. Não somente essa demanda foi violentamente rejeitada, mas M. Manouchehrian foi forçada a deixar o cargo.

Apesar das aparências, a monarquia e suas leis nunca foram verdadeiramente laicas. A sombra da xaria estava presente, e os acordos do regime do Xá com o clero eram muitos!

As mulheres, primeiras vítimas do regime religioso
Social e politicamente, as mulheres iranianas foram as primeiras vítimas da instalação de um regime clerical. Khomeini, mesmo no exílio, tinha descartado a possibilidade de se infringir as regras da xaria. Essa atitude não é nova: o clero iraniano sempre teve um papel primordial contra as mulheres.

Da revolução constitucional de 1906 à tomada do poder pelo clero em 1979, este último nunca deixou de combater qualquer avanço nos direitos das mulheres. No que diz respeito a Khomeini, seu protesto contra o regime do Xá no momento da Revolução Branca e da reforma agrária que entrava no seu bojo (1963) era antes de tudo uma oposição ao direito de voto e de elegibilidade então concedido às mulheres pelo regime monárquico.

Na visão de mundo dos aiatolás xiitas iranianos, os direitos das mulheres não são determinados pelos seres humanos e pelas condições sociais de um período determinado, mas por seu “lugar natural e definido por Deus”. O papel social da mulher é de ser antes de tudo uma esposa submissa ao homem, que lhe garante sua subsistência. Seu dever sagrado é a reprodução. Uma das máximas favoritas dos aiatolás é “O paraíso está sob os pés das mães”. Ser mãe e dona de casa constitui o “trabalho divino” atribuído às mulheres, enquanto os homens têm o poder de “dar fim ao contrato” de casamento quando desejarem.

Em resumo, para esses religiosos, a desigualdade está na ordem natural e divina das relações entre os humanos e, segundo a vontade divina, as mulheres são inferiores aos homens em direitos. Isso é codificado, entre outros, nas leis e nos códigos islâmicos que concernem ao direito à herança, ao acesso a responsabilidades jurídicas, ao testemunho nos processos jurídicos, ao direito à guarda das crianças, à autorização para viajar para o exterior etc.

A situação deplorável das mulheres trabalhadoras
As trabalhadoras sofrem uma dupla opressão, do sistema capitalista e da ordem patriarcal. Elas formam a maioria dos desmunidos da sociedade. A maior parte dos empregos ofertados às trabalhadoras são muito mal pagos e considerados como desvalorizantes. A quase totalidade dos empregos na tecelagem de tapetes e nos serviços de limpeza privados e públicos são ocupados por mulheres.

Em trabalhos iguais, existe uma grande diferença entre homens e mulheres em relação aos salários, aos bônus e aos aumentos salariais, mesmo que isso seja proibido por lei.

Essas desigualdades são encontradas em diversas esferas, como nos critérios para contratação, na formação, nas promoções etc.

Devido à separação dos homens e das mulheres nos serviços públicos, como, por exemplo, na educação e nos serviços de saúde, o número de funcionárias mulheres certamente aumentou. A consequência disso é a baixa taxa de trabalho feminino no setor privado.

Uma longa tradição de resistência
As mulheres iranianas não cederam diante das tentativas de exclusão, das intimidações diretas e indiretas, bem como da repressão feroz do regime islâmico. Um dos seus “recordes” em relação ao regime monárquico que o precedeu é, assim, o número de mulheres que aprisionou ou levou à morte: quase duas mil mulheres foram executadas desde 1979, das quais 79 desde 2013.

A islamização do ensino levou as famílias tradicionalistas a deixar seus filhos fazerem estudos universitários, o que contribuiu para uma maior feminilização do mundo estudantil. No entanto, se muitas mulheres levam seus estudos o mais longe possível, isso ocorre, antes de tudo, porque é uma oportunidade de elas saírem por um tempo do enclausuramento familiar e, assim, de respirar.

No plano político, desde o surgimento do discurso reformista de Estado, que culminou com as vitórias de Khatami nas eleições presidenciais de 1997 e 2001, as militantes feministas se limitam, em sua grande maioria, a apoiar os reformistas, restringindo suas ações ao marco legal.

Logo após a eleição presidencial do ultraconservador Ahmadinejad, elas organizaram uma grande manifestação no dia 23 de junho de 2005, aniversário da eleição do presidente anterior, Khatami. Elas queriam, assim, expressar sua vontade de defender os direitos das mulheres, que pareciam estar ainda mais ameaçados com o novo governo formado pelo clã de Ahmadinejad e por seus diversos ministros saídos da Guarda Revolucionária. Paradoxalmente, a polícia tolerou essa manifestação. Contudo, um ano depois, dia 23 de junho de 2006, uma segunda manifestação foi, dessa vez, brutalmente dispersada. As militantes foram presas e agredidas.

Daí surgiu a ideia de orientar o movimento feminista para outras formas de ação. A “campanha de um milhão de assinaturas” contra as leis que estavam em preparação visando a reduzir ainda mais os parcos direitos das mulheres foi então lançada. (4) As feministas e seus apoiadores foram de porta em porta a fim de sensibilizar as mulheres donas de casa. Após uma efervescência inicial e um sucesso real junto às mulheres comuns, a repressão policial se lançou sobre as militantes, e a campanha terminou.

Após essa fase particular da luta civil, grandes personalidades desse movimento se colocaram ao serviço quase exclusivo dos reformistas de Estado. Elas serviram, com “orgulho e entusiasmo”, segundo suas palavras, às campanhas eleitorais de Moussavi e de Rouhani. Dessa forma, distanciaram-se dos demais movimentos sociais, e o movimento feminista independente iraniano deixou de existir. Suas figuras emblemáticas, de Chirine Ebadi (prêmio Nobel da paz) à advogada militante Nasrine Sotoudeh, viraram, todas, apoiadoras ativas dos reformistas. Elas condenaram as ações realizadas por fora do marco legal e se manifestaram abertamente contra o que chamaram de “a subversão”. Essa orientação não levou a nenhum resultado.

Uma nova era para os movimentos sociais, incluindo o das mulheres
Os 10 dias de manifestações contra a alta dos preços deste início de ano foram caracterizados pela ausência total de palavras de ordem em favor dos reformistas de Estado, como Mir Hossein Moussavi ou Mehdi Karoubi, enquanto estes foram colocados em prisão domiciliar. Ao contrário, foram ouvidas palavras de ordem radicais contra o regime, inclusive contra o Guia supremo, e exigindo a queda do regime islâmico em sua totalidade.

A ação pública e ilegal das corajosas mulheres iranianas contra a obrigação de usar o hijab islâmico também se realizou sem o apoio dos famosos reformistas. Estes não ousaram nem apoiá-las verbalmente. O movimento dessas mulheres se caracteriza por uma superação imediata do quadro imposto não somente pelos conservadores, mas também pelos ditos reformistas de Estado e por seu discurso estéril. Seu caráter subversivo, desrespeitoso dos marcos legais constitui, até mesmo para estes últimos, um temor. Os dois movimentos concomitantes, contra a alta de preços e a corrupção e contra a obrigação de usar o véu islâmico, atestam uma derrota do discurso reformista dos últimos 20 anos.

Apesar do número limitado de suas pioneiras, o movimento de protesto das mulheres entrou em uma nova era. Mais uma razão para que, na França e em outros lugares, a solidariedade do movimento operário e do movimento das mulheres seja implacável, combatendo as detenções e as prisões.

NOTAS

1 – Ver o artigo de Houshang Sepehr em nossa revista nº 95 de fevereiro de 2018. Mais geralmente, reportar-se ao site da SSTI (Solidarité socialiste avec les travailleurs d’Iran – Solidariedade socialista com os trabalhadores do Irã)
2 – A escritora italiana Oriana Fallacci, nascida em 1929 e morta em 2006, por muito tempo foi uma feminista de esquerda engajada e corajosa. Ela não defendeu sempre as posições pró-imperialistas, pró-sionistas e violentamente islamofóbicas que tristemente marcaram o fim de sua vida.
3 – Esta muito instrutiva entrevista pode ser lida em inglês
4 – Essas leis investiram contra os direitos de guarda das crianças pelas mulheres em caso de divórcio e diminuíram ainda mais a idade de casamento para as mulheres.

 

FOTO: Manifestação em Teerã, em dezembro de 2017. Foto: DR.

 

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