De olho na Rússia, passados quatro anos da Copa do Mundo realizada no Brasil, é inevitável uma reflexão sobre os impactos e os supostos legados destes grandes eventos no nosso país e, mais especificamente, no Rio de Janeiro. O advento da Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos para o município foram elementos cruciais para o estabelecimento de alianças políticas (PT-PMDB), que permitiram transmitir ao governo local elevados aportes financeiros destinados a grandes projetos na política de segurança pública e no desenvolvimento urbano..
Devido a esta série de intervenções sobre o solo urbano carioca e a acelerada produção da construção civil, o Rio de Janeiro, desde 2009, passou por um momento de intensa valorização imobiliária. A capital fluminense, dentre as principais metrópoles brasileiras, foi aquela que experimentou a maior elevação no preço dos imóveis entre 2008 e 2015, aproximadamente 360%. Não por acaso, os bairros que mais valorizaram durante este período são aqueles que estão no cinturão das UPPs, próximo aos equipamentos esportivos, ou nos arredores do Porto Maravilha, que passaram por um intenso processo de reconstrução não só física, mas também simbólica.
Ao passo que o poder público vem criando uma nova coerência para a reprodução do capital imobiliário através de sua incessante valorização, parte significativa da população continua enfrentando muitos obstáculos no acesso à mercadoria imobiliária formal. Nesse sentido, o ônus excessivo para custear os aluguéis se torna um dos principais componentes do déficit habitacional no Rio Janeiro. São famílias de baixa renda que gastam mais de 30% dos seus salários para poder morar na cidade.
Nesse contexto, cabe a análise também sobre quem, de fato, foram os principais beneficiários destes grandes investimentos. Se considerarmos apenas os recursos investidos nas diversas “novas arenas” pelo país, mais de oito bilhões de reais, é notável uma concentração de repasses do fundo público para um seleto grupo de empreiteiras. A Odebrecht, por exemplo, participou da construção de quatro dos doze estádios que receberam a Copa 2014: Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Salvador. A Andrade Gutierrez que também esteve presente na intervenção do Maracanã junto com a Delta, participou da construção dos estádios de Manaus, Brasília e Porto Alegre. Por sua vez, a OAS participou das reformas de Salvador e Natal.
Mas esta concentração de poder entre as principais empreiteiras do país não se limita apenas aos contratos públicos de construção de estádios. No caso do Rio de Janeiro, em um novo ciclo econômico de grandes investimentos públicos em infraestrutura, se nota a extrema relevância de determinados grupos econômicos no controle das operações dos serviços públicos ou na execução de outras obras, conforme demonstrado no quadro abaixo.
O caso do Maracanã
Mesmo após serem investidos milhões de reais nas reformas do Maracanã nos últimos anos, para o torneio Mundial de Clubes da FIFA de 2000 e para os Jogos Pan-Americanos de 2007, o estádio ainda não se adequava aos padrões estabelecidos pela FIFA. Ao longo destas intervenções, aí incluídas aquelas realizadas para a Copa, derrubaram a marquise histórica, extinguiram a geral, acabaram com os dois anéis de arquibancada, em suma, transformaram o estádio em uma arena padrão. Mas, se não bastasse essa destruição física, o caráter popular também se perdeu, colocando o bem público sob administração privada. Depois de gastar mais 1 bilhão de reais para a reconstrução do “Novo Maracanã”, em 2013, o Governo do Estado decidiu pela concessão do estádio por 35 anos. O consórcio vencedor formado por Odebrecht (90%), IMX, de Eike Batista (5%)1 e AEG (5%) prometia naquele momento transformar o Complexo do Maracanã radicalmente, colocando a questão esportiva em segundo plano.
Felizmente o projeto que envolvia inclusive um shopping para o Complexo do Maracanã não se concretizou. No entanto, o estádio de atletismo Célio de Barros continua desativado. O Parque Aquático Julio Delamare voltou a funcionar, parcialmente, somente este ano. A passarela do público VIP da FIFA, que custou mais de 100 milhões de reais, segue deserta. O edifício do Museu do Índio, que abrigava a ocupação da Aldeia Maracanã, continua vazio, em condições extremamente precárias, e com destinação ainda incerta. A favela do Metrô Mangueira, que tinha cerca de 650 famílias e mais de 30 anos de existência, foi removida dos arredores do Maracanã quase na sua totalidade. Inicialmente, o motivo alegado pela prefeitura era a suposta condição de risco. Sem apresentar qualquer laudo, o projeto seguiu sob a justificativa da necessidade de construção de estacionamento para o estádio, que também não se efetivou. Hoje, a favela é um retalho, nenhum projeto se consolidou naquele espaço. Estas famílias se somam a outras 90 mil pessoas que foram removidas nos anos de preparação da cidade para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, sendo grande parcela destas, retiradas das áreas onde mantinham suas relações sociais, afetivas e de trabalho para migrar a condomínios do Minha Casa Minha Vida nas regiões mais periféricas do município.
Para a população mais pauperizada que vive o cotidiano da cidade, portanto, a Copa não acabou naquele 7×1. Seu legado continua ativo e assumindo novas e mais perversas formas. Poucas semanas antes dos Jogos Olímpicos 2016, o estado do Rio de Janeiro decretou calamidade pública financeira, em grande parte por conta dos gastos com as grandes obras. Agora, o mesmo estado está sob uma intervenção federal e militar, que tem um verdadeiro padrão FIFA, incidindo cruelmente sobre as favelas e periferias. Não à toa, os generais que dirigem essa política são os mesmos que, naquele contexto de megaeventos, comandaram a repressão aos movimentos sociais e a ocupação da Maré.
NOTAS
1 Após dois, anos, a IMX vendeu a sua participação para a Odebrecht.
*Lucas Faulhaber é arquiteto e urbanista no Rio de Janeiro (RJ)
Saiba mais sobre a Copa do Mundo no Lateral Esquerda, especial do Esquerda Online:
http://www.esquerdaonline.com.br.br/a-lateral-esquerda
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