Copa do Mundo de futebol alternativa é disputada por nacionalidades e minorias étnicas, como os curdos, tibetanos e o povo saarauí
Final da Copa do Mundo. Jogo termina empatado e vai para os pênaltis. As pernas já cansadas não obedecem mais. A bola, caprichosamente parada, na marca da cobrança a cerca de 11 metros do gol, espera o cobrador correr em sua direção naqueles milésimos de segundos que parecem uma eternidade e deixam o grito de gol preso na garganta. O duelo é entre o goleiro e o batedor. Só um dos dois vai sair vitorioso, só um dos times vai se sagrar campeão do mundo e voltar para seu país com o troféu.
O público presente no estádio em um sábado chuvoso, cerca de duas mil e quinhentas pessoas, fica em silêncio apreensivo. É o ultimo pênalti. O meio-campo Halil Turan respira fundo, corre e bate rasteiro, no canto direito do goleiro. A bola parte sobre a grama molhada do estádio Rainha Elizabeth II em Londres, e para nas mãos do goleiro Bela Fajer, que explode de alegria e corre sem direção enquanto é abraçado pelos companheiros. É a terceira defesa do goleiro, deixando Alex Svedjuk tranquilo para converter a última cobrança. Acabou! A Carpatália é a nova campeã do mundo.
Quem lê esse texto dificilmente acreditaria nessa história. Final da Copa do mundo para um público tão pequeno, esses jogadores que são desconhecidos do cenário mundial, e uma final entre Chipre do Norte e Carpatália é algo praticamente impossível de acontecer. Mas afinal, esses países existem? onde ficam? Isso é sério? Aqueles que acompanharam os jogos do torneio que durou dez dias e terminou no sábado, 09, na capital inglesa, fizeram estas perguntas de forma constante ao verem as desconhecidas seleções que se enfrentavam. E causar estas perguntas e reflexões é justamente um dos objetivos da Copa do Mundo “dos países não existentes”.
Territórios separatistas e minorias étnicas disputam desde 2014 uma Copa do Mundo de futebol alternativa. Onde buscam chamar atenção para suas causas separatistas. A competição é organizada pela CONIFA (Confederação de Associações de Futebol Independente), fundada em 2013 e que hoje conta com 47 membros.
Para os 16 participantes do torneio é a oportunidade de mostrar suas cores, suas bandeiras, sua cultura para uma comunidade internacional que os ignora.
Diversas equipes sofreram para conseguir chegar a Londres, onde a Copa foi realizada. Na seleção da Cabília, por exemplo, uma região de berberes no norte da Argélia, seis jogadores tiveram o visto de entrada no Reino Unido negado, e não puderam participar do jogo inicial do torneio contra a equipe de Panjab.
A seleção da Matabelêlandia, por sua vez, dias antes do início da competição não havia conseguido verba suficiente para comprar a passagem de avião para Londres. Daí em diante, a solidariedade internacional, que tantas vezes falta para esses povos, se fez presente entre eles mesmos. As próprias equipes que iriam participar do torneio fizeram doações para Matabelêlandia, e assim ela conseguiu chegar a tempo de seu primeiro compromisso nos estádios londrinos.
Dentre os países membros da CONIFA existem povos que têm lutas históricas pela sua terra e nacionalidade. Caso do Curdistão, que voltou a ter notoriedade internacional após as guerrilhas curdas vencerem as tropas do Estado Islâmico. Existem cerca de 30 milhões de curdos espalhados pela Turquia, Iraque, Síria, Irã e outros países como Armenia e Líbano.
A situação do povo saarauí também merece destaque. Um povo que vive em assentamentos e em regiões do Saara Ocidental. Uma República que em 1976, um ano depois da Espanha ter perdido o controle da região, declarou sua independência, sendo hoje reconhecida por 50 Estados. Porém, o Reino espanhol havia feito um acordo com o reino do Marrocos no ano anterior, e desde então a região é ocupada militarmente pelo Estado marroquino, em uma das opressões nacionais mais silenciadas pela comunidade internacional.
De todos os participantes deste torneio de futebol e dos membros da CONIFA, talvez a situação mais delicada seja do povo Rohingya. Esta etnia de uma população com cerca de pouco mais de um milhão de pessoas é, de acordo com a ONU, a minoria étnica mais perseguida do mundo. Grande parte da população vive em Mianmar, um país asiático de maioria budista. Os rohingyas são em imensa maioria muçulmanos. Em Mianmar, eles não tem o direito a terra, ou a uma propriedade por meio da lei, muito menos de se casar ou de viajar sem a autorização das autoridades. Existem cerca de 970 mil rohingyas refugiados em países vizinhos, fugindo do assassinato e violência que estão expostos em seu país de origem. O time de futebol deste povo é cadastrado na CONIFA, tem sede na Malásia, porém não disputou nenhuma partida até agora.
A copa do mundo “alternativa” realizada pela CONIFA gera momentos de felicidade, alegria e de reconhecimento enquanto povo e nação perante a outro grupo. Muitos destes jogadores se não fosse este torneio não teriam a chance de representar seu país, visto que este sequer é reconhecido pela comunidade internacional. O campeonato é um convite para todos olharem com mais atenções para as bandeiras que irão entrar em campo, e escutar os povos de diversos locais do mundo dizer: nós existimos. ´
É, o futebol é mais que um simples jogo.
FOTO: Jogador do Tibete, antes da partida com a seleção de Carpatália, campeã da Copa. Foto divulgação / Conifa
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