Pular para o conteúdo
MUNDO

A grande greve de Minneapolis: quando caminhoneiros vermelhos inflamaram o movimento operário

Gabriel Santos, de Maceió (AL)
Repressão à greve dos caminhoneiros, em 1934. Coleção Edward Levinson

Repressão à greve dos caminhoneiros, em 1934. Coleção Edward Levinson

No início da década de 1930, os caminhoneiros de Minneapolis, nos Estados Unidos, realizaram uma série de greves que derrotou os burocratas dos sindicatos tradicionais, os patrões e o Estado americano. Esta greve, que ocorreu durante a Grande Depressão, ficou marcada por uma grande atuação dos trotskistas norte-americanos e como um movimento que reacenderia o movimento sindical no país.

O objetivo deste artigo não é fazer nenhum paralelo com a situação da greve dos caminhoneiros que ocorreu no Brasil. Mas sim, fazer lembrar uma das grandes vitórias da classe trabalhadora norte-americana e do trotskismo.

Os trotskistas e o trabalho no sindicato
James Cannon, um dos fundadores do trotskismo na terra do Tio Sam colocou em sua obra “A História do Trotskismo norte-americano” o ano de 1933 como o começo do até então maior levante sindical da história do País. Um levante em uma escala que não haviam visto antes e que levou ao surgimento de diversos grupos dentro do movimento operário. O desenvolvimento destas lutas levou os operários ao enfrentamento direto com os patrões e com as antigas formas de organização dos trabalhadores existentes no país.

Na cidade de Minneapolis, assim como em grande parte do estado do Minnesota e dos Estados Unidos, o controle do sindicato era feito por uma organização patronal contrária a qualquer organização independente e classista dos trabalhadores. Na cidade, a Citizens Aliance, fundada antes da Primeira Guerra, vigiava os grevistas mais radicais e trabalhava para impedir greves. Nas palavras de Cannon, “Era uma cidade de greves perdidas, negócios abertos, salários miseráveis, horas roubadas e um débil e ineficiente movimento sindical por ofício.”

Os trabalhadores considerados radicais estavam completamente afastados da vida sindical da cidade. No setor dos caminhoneiros, eles eram poucos, e eram mantidos isolados politicamente pela burocracia.

Estes poucos radicais lentamente foram se aproximando das ideias do movimento trotskista. Os trotskistas de Minneapolis traziam a experiência de terem sido membros dos Industrial Workers of the World (IWW – Trabalhadores Industriais do Mundo) ou do Socialist Party. Muitos passaram também pelo Communist Party (CP – Partido Comunista) nos anos 1920. Ajudando a fundar e fortalecer este partido. Porém, com a chegada do grupo de Stálin ao poder na União Soviética e a crescente burocratização da Internacional Comunista, estes militantes passaram a ter críticas aos dirigentes russos e a política do PC norte-americano. Estas críticas não foram bem aceitas pelos dirigentes de Moscou, nem pelos dirigentes do partido norte-americano, e elas culminaram, em 1928 e 1929, com a expulsão em massa do grupo de militantes críticos a política do PC americano e da burocratização da Internacional.

Os expulsos, então passam a desenvolver ideias trotskistas e se aproximam do Communist League of America (CLA – Liga Comunista da América), um pequeno agrupamento de militantes que tinha como centro de atuação a cidade de Nova York, e que mais tarde, em 1938 daria origem ao que foi um dos mais importantes partidos da IV Internacional, o Socialist Workers Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores).

A CLA de Minneapolis foi liderada por Carl Skoglund, um imigrante sueco que chega nos Estados Unidos em 1911, e por Vincent Ray Dunne, que seria o “vermelho” (desta forma eram chamados operários radicais na cidade) de maior aparição pública durante os anos 20. A dupla de trotskistas percebeu que organizar a indústria do transporte em Minneapolis era o central para mobilizar e dirigir o conjunto da classe trabalhadora que estava praticamente paralisada durante os anos da Grande Depressão, mas que, após uma considerável melhoria no nível de vida, tendiam a se erguer novamente para os enfrentamentos.

“Nossos camaradas de Minneapolis começaram seu trabalho primeiro nas minas de carvão, e mais tarde estenderam sua campanha de organização geral entre os motoristas e auxiliares. Aquele não foi um plano pré-concebido, trabalhado no staff geral do nosso movimento. Os motoristas de Minneapolis eram a seção decisiva do proletariado norte-americano.” (CANNON, 2013)

Os trotskistas encontram de imediato diversas dificuldades para conseguir atuar diante a burocracia do sindicato. Mas com o passar do tempo, foram aprendendo diversas formas para conseguir ultrapassar os murros que estavam sendo colocados. Logo viram que a burocracia tinha grande rechaço por parte dos trabalhadores, que buscavam uma alternativa a direção do General Drivers’ Union (GDU – Sindicato Geral dos Motoristas), Seção Local 574 da IBT (International Brotherhood of Teamster). Cannon, no já citado capítulo de História do Trotskismo Norte Americano, por duas vezes falou sobre as dificuldades de os trotskistas entrarem no sindicato, e como isto, apesar das dificuldades, era o correto a se fazer:

“Não é possível selecionar ocasiões felizes arbitrariamente, de acordo com um capricho ou uma preferência. Devemos entrar no movimento de massas quando uma porta está aberta. (…) Esse era nosso curso deliberado para acompanhar a linha organizativa em que iam as massas, não estabelecer sindicatos artificiais próprios em contradição com o impulso das massas, de ir ao movimento sindical estabelecido. Durante cinco anos nos salvamos através de uma batalha decidida contra o dogma ultra esquerdista dos ‘sindicatos vermelhos’, estes sindicatos fundados artificialmente pelo Partido Comunista foram boicotados pelos trabalhadores, isolando assim os elementos da vanguarda. As massas de trabalhadores, buscando uma organização, tinham um instinto seguro.” (CANNON, 2013)

O lento e paciente trabalho dos trotskistas foi dando resultado. Primeiro, estabelecendo relações de confiança com os trabalhadores, depois ganhando para sua concepção sindical dois dirigentes que demonstravam um espírito de luta. Os trotskistas utilizavam a tática de impulsionar as criticas dos trabalhadores para os patrões, criando um confronto direto entre a patronal e a classe. Dessa forma, poderiam fazer uma política de “exigência e denúncia” para a burocracia sindical, forçando esta a agir contra sua vontade, ou a ser desmoralizada perante a base. Uma das táticas mais diferentes feitas pelos trotskistas era convocar assembleias alternativas nos dias de sábado, já sabendo que os burocratas não se fariam presentes, o grupo poderia discutir suas ideias com o conjunto dos trabalhadores que cada vez mais se radicalizava.

Em fevereiro de 1934, enquanto as ruas de Minneapolis congelavam e se cobriam de neve, foi decretada a esperada e tão trabalhada greve. Os trabalhadores do carvão e os caminhoneiros que faziam o transporte cruzaram os braços. Seria a batalha preliminar do grande confronto que estaria por vir, porém, naquele momento, a greve do carvão foi o teste que os trotskistas buscavam para mostrar por meio das ações que eram diferentes e superiores a burocracia.

Dentre do intervalo de algumas horas, 65 dos 67 pátios de carvão de Minneapolis estavam fechados e 150 locais para despacho de carvão ficaram sem funcionar. Os caminhoneiros realizavam piquetes em diversos locais para impedir os fura-greve. Os “esquadrões-volantes” interceptavam a carga de caminhões que não aderiram ao movimento e as dispensava em bairros populares, onde eram coletados pela população como carvão gratuito para proteção na temporada de frio.

Os líderes burocratas da IBT, as empresas de caminhão, os patrões do carvão, todos ficaram sem acreditar na força e velocidade que cresceu o movimento grevista. Depois de três dias os patrões cederam, os salários foram aumentados e, para além disso, a confiança da classe trabalhadora em si mesmo foi restaurada. Os patrões foram obrigados a reconhecer e negociar com o sindicato em uma verdadeira greve, coisa que não acontecia há cerca de duas décadas.

As grandes greves
Com a vitória da greve de fevereiro a confiança dos trabalhadores aumentou, assim como respeito destes para com os trotskistas da CLA. O muro que os burocratas tentaram impor entre os “vermelhos” e os trabalhadores foi derrubado pelos próprios trabalhadores, que cada vez mais viam o grupo da CLA com bons olhos. Os burocratas, incapazes de organizar a base do sindicato, por não saber como fazer e por não buscar isso ao fundo, foram perdendo espaço e o apreço dos trabalhadores. Logo, se inicia uma nova e mais poderosa greve.

A greve de Maio surpreendeu os patrões que deviam estar se arrependendo por não terem levado a sério o “ensaio” que foi a primeira e curta greve alguns meses antes, em fevereiro. A greve pegou de surpresa também os burocratas que, assustados com a força do próprio movimento, se afastaram da luta, deixando terreno livre para os trotskistas. A imprensa noticiava o movimento e tentava jogar os grevistas contra o restante dos trabalhadores, esforço em vão. A cada dia que se estendia a greve se tornava um fato político de maior importância. Os caminhoneiros “vermelhos” estavam acordando o restante da classe trabalhadora. Em muitas categorias os trabalhadores demonstravam apoio a greve e participavam das manifestações em conjunto.

Farrel Dobbs
Farrel Dobbs

Cada trabalhador em greve, sindicalista de outras categorias ou simpatizante era convidado a doar seu caminhão ou carro. Dessa forma o comitê de greve conseguiu armar uma gigantesca operação de piquetes volantes. Com uma frota inteira a sua disposição, o comitê impedia que caminhões de fura-greves se movessem. O “despachador” convocava por meio de um alto-falante os carros e os trabalhadores necessários para atuar nos piquetes, em uma grande trabalho organizativo. O despachador desta greve era um jovem chamado Farrel Dobbs, ele se destacaria no movimento e rapidamente e se tornaria um importante dirigente sindical e logo em seguida iria para o partido, se tornando um dos maiores dirigentes trotskistas da história da corrente nos Estados Unidos.

Após seis dias de braços cruzados, os trabalhadores conseguiram o aumento desejado, sendo que mais uma vez o resultado político foi mais importante. O sentimento de vitória presente nos círculos operários era algo novo, que não se sentia há tempos. Os trotskistas se consolidavam como força política e seus quadros se tornavam líderes do movimento. Nesta greve além do combate contra os patrões, também estava em jogo à disputa por uma nova concepção sindical. E em ambas a CLA conseguiu conduzir a classe a vitória. Apesar disso a imprensa stalinista atacou fortemente o grupo, os chamando de conciliador, afirmando que a greve deveria se estender por mais tempo. Para os caminhoneiros e demais categorias da cidade, a greve de maio foi importante, porém foi mais um treino para o grande jogo que viria logo em seguida. Porém, a partir do jornal da CLA a disputa de narrativa contra os stalinistas foi feita, defendendo a posição dos trotskistas, a vitória e importância da greve.

Sustentamos — e creio que com toda a justiça — que um grupo de trabalhadores, que em sua primeira batalha ganharam o reconhecimento de seu sindicato, e sobre essas bases puderam construir e reforçar sua posição, haviam cumprido os objetivos da ocasião e não deviam super-valorizar sua força e correr o perigo da desmoralização e da derrota. A conciliação provou ser correto porque foi suficiente para construir. O sindicato ficou estável. Não foi uma faísca na escuridão. O sindicato começou a forjar uma direção, começou a recrutar novos membros e educar quadros novos de direção. A medida que as semanas passavam, se fez claro para os patrões que o esquema para privar aos motoristas de caminhão do fruto de sua luta não estava indo tão bem. (CANNON,2013)

Com a chegada de julho, chega também as fortes chuvas na região, naquele que é um dos meses mais quentes do ano. O clima entre os trabalhadores era de que uma nova e mais forte movimento poderia explodir a qualquer momento. Assim que a greve de maio acabou, o grupo da CLA começou a traçar e planejar passo a passo do que ficaria conhecido como a “grande greve”. Começaram a chegar vindos de Nova Iorque, membros da direção do partido, jornalistas especializados e advogados, como um reforça na organização da greve. Os patrões, após a experiência de maio, pareciam ter aprendido a lição. Aumentavam o cerco contra o sindicato, e contra os trabalhadores sindicalizados “vermelhos”. Denunciavam nas páginas dos jornais o terror causado pelo “comunismo trotskista”, e eles tinham bastantes motivos para estarem aterrorizados.

No dia 16 de julho de 1934, teria início a greve, que duraria cinco semanas e entraria para a história do movimento operário norte-americano e para as páginas do trotskismo mundial. Nas palavras de Cannon, que foi um dos dirigentes a acompanhar a greve no local:

“Penso que posso dizer sem o menor exagero, sem temor a nenhuma contradição, que a greve de julho-agosto dos motoristas de caminhões e ajudantes de Minneapolis entrou nos anais da história do movimento operário norte-americano como uma de suas lutas maiores, mais heróicas e melhor organizadas. Mais ainda: a greve e o sindicato que se forjou sob o fogo são identificados para sempre no movimento operário, não só aqui mas em todo o mundo, com o trotskismo em ação no movimento das massas trabalhadoras. O trotskismo fez um considerável número de contribuições específicas a esta greve, o que constitui toda a diferença entre a greve de Minneapolis e centenas de outras desse período, algumas das quais envolveram mais trabalhadores, e em localidades e empresas socialmente mais importantes. O trotskismo fez sua contribuição para a organização e preparativos da greve até o último detalhe. Isso era algo novo, algo especificamente trotskista. Segundo, o trotskismo introduziu em todos os planos e preparativos do sindicato e da greve, do princípio ao fim, a militância baseada no classismo; não como uma reação subjetiva — isto se vê em todas as greves — mas como uma política deliberada baseada na teoria da luta de classes, de que não se pode ganhar nada dos patrões a menos que se tenha a vontade de brigar por isso e a força para tomá-lo.” (CANNON, 2013)

O grupo trotskista, apesar de minoria na direção do sindicato já dirigia toda categoria dos caminhoneiros e foi quem comandou a greve. Foi criado o chamado “Comitê de Greve dos 100”, órgão que, por fora do sindicato, liderava e organizava politicamente os grevistas, entrando em contato e inflamando trabalhadores de outras áreas, os convocando para aderir ao movimento. A patronal, apoiada na Citizens Aliance, convocou os poderes municipais e federais para compor a lei e a ordem. O resultado foi um ataque brutal da força policial contra os grevistas. A polícia atirou contra os trabalhadores desarmados, pisoteava os que caiam no chão, as balas cruzavam o ar e só paravam quando acertavam as costas ou pernas de algum dos caminhoneiros. O massacre terminou com aqueles que não conseguiram se esconder a tempo, deitados no asfalto frio da cidade, enquanto jorravam sangue. A sexta-feira sangrenta, como ficou conhecida a data, teve como saldos muitos feridos e dois trabalhadores assassinados. John Bello, um desempregado que apoiava a greve foi gravemente ferido no dia e faleceu alguns dias depois. Henry Ness, um grevista, morreu quase imediatamente após seu corpo ter sido cravejado de chumbo grosso. No dia de seu funeral, 40 mil pessoas tomaram as ruas e marcharam acompanhando seu caixão e aos gritos de justiça. A greve não iria terminar.

A situação se radicalizava, diversas categorias se manifestavam, o clima era de tumulto. A greve havia se tornado um assunto extremamente comentado e dividia opiniões. O barulho feito pelos caminhoneiros assustou os patrões e empresários locais, que acostumados com um sindicalismo conciliador se surpreenderam com a rápida organização dos trabalhadores. Outras categorias entraram em greve, participavam de manifestações conjuntas, a classe trabalhadora tinha mais confiança em sua força. Em todo o país os caminhoneiros de Minneapolis viraram exemplo para os trabalhadores, e a CLA se tornou um assunto comentado entre as organizações de esquerda. Os stalinistas, assim como os patrões de Minneapolis em maio, se preocupavam pela primeira vez, viam que existia uma força real no movimento trotskista. Após anos e anos de inércia, o movimento operário norte-americano somente se espreguiçava e conseguia sacudir o país.

O governador Floy B. Olson foi eleito com grande ajuda do movimento sindical. Ele havia sido um operário agrícola, e era quem realmente dirigia o movimento operário de todo Minnesota. Os grandes dirigentes conciliadores reuniam com ele, aceitavam críticas e sugestões. A CLA aproveitou a contradição que Olson se encontrava, entre reprimir a greve e mantém intacta sua relação com o empresariado, ou apoiar o movimento e ganhar o respeito e admiração dos trabalhadores. A cada vacilação de Olson os trotskistas o denunciavam perante os trabalhadores e aproveitavam para fazer mais exigências. Como bom representante do estado burguês e oriundo da burocracia traidora do movimento, Olso não observa o cenário que se desenhava e resolveu convocar a Guarda Nacional para agir. O objetivo era claro: prender os líderes da greve, ocupar e fechar os sindicatos, e por fim ao movimento. Os dois primeiros resultados foram conseguidos, porém o último acabou por ficar irrealizado. Este fato mais uma vez qualificou os trotskistas perante o conjunto dos trabalhadores, pois eles não confiaram no governador nem mesmo quando Olson assinava que iria ceder, diferente da burocracia sindical, que confiava e mantinha relações nefastas com o governador.

Policiais atacam piquete da greve em 1934.

A repressão começou a identificar e prender os líderes do movimento entre eles diversos membros da direção da CLA, como: Shachtman, Cannon e Mick Dunne. A Guarda Nacional dispersava os piquetes, invadia os sindicatos, mas isso não parecia intimidar os grevistas, que souberam usar desse fato para ganhar a opinião pública. Nem mesmo a prisão de diversos dirigentes diminuiu o ânimo dos trabalhadores. Parecia que todas as possibilidades foram previstas e tiradas ações para as mais diversas situações. A partir da CLA todos os movimentos foram planejados e preparados cuidadosamente com antecipação. A repressão não assustou o movimento e todos os dirigentes pareciam saber o que fazer e o próximo passo para dar em seguida. Havia sido preparado uma rede de apoiadores das mais diversas empresas de caminhoneiros, onde estes apoiadores informavam como os patrões iriam atuar. O movimento estava sempre um passo a frente.

O sindicato havia organizado um quartel general gigantesco que ocupava quase um quarteirão, e atuava em diversas garagens das empresas e na casa de membros da greve confiáveis. Uma série de telefones ocupava o quartel general da greve, onde os líderes dos piquetes informavam a situação em cada um dos quinze distritos que a cidade foi dividida. Um rádio de onda curta servia para monitorar a comunicação policial. Uma cozinha que alimentava cinco mil trabalhadores por dia funcionava a base de doações feita por agricultores e centenas de pessoas se apresentavam para ajudar como cozinheiros na alimentação. Um hospital improvisado foi organizado e médicos e enfermeiros iam cuidar dos feridos em confronto. Desempregados também faziam parte do movimento e apoiavam a greve, sendo parte fundamental dos piquetes. Jovens com suas motocicletas andavam pela cidade para chamar a atenção para a greve e relatavam os acontecimentos nos mais diversos locais. Nos céus de Minneapolis, além das nuvens carregadas de chuva, era possível ver um avião, que com uma faixa mostrava a palavra de ordem dos trabalhadores. A greve era feita com força máxima, a CLA jogava peso máximo no movimento e o sindicato entrou com toda sua estrutura.

Diversos relatos feitos por membros da CLA e ativistas da greve colocam como fundamental o papel feito pelas mulheres. Esposas, filhas, mães, tias, e aquelas que queriam se incorporar na pauta se somavam no sindicato e foram peça chave para garantir o organizativo. Eram elas que distribuíam o jornal do sindicato, conseguiam apoio financeiro, se colocavam na linha de frente dos piquetes, e marchavam em números gigantesco para a prefeitura como forma de pressão.

Uma das grandes contribuições dos trotskistas para esta greve foi ter organizado o jornal diário da greve, The Organizer. O jornal que continha apenas duas folhas se tornou uma febre por toda a cidade. Diversos trabalhadores das mais diversas categorias iam comprar e pegar o jornal para destribuir em seus postos. Nas palavras de Cannon:

O poder desse jornal, seu apoio nos trabalhadores, é indescritível. Eles acreditavam no Organizer e não em outro periódico. Ocasionalmente podia aparecer alguma história na imprensa capitalista sobre algum novo desenvolvimento da greve. Os trabalhadores não acreditavam. Esperavam o Organizer para ver qual era a verdade. Distorções da imprensa acerca de incidentes da greve — que haviam destruído a moral de muitas greves — não foram prá frente em Minneapolis. Mais de uma vez, entre uma multidão que sempre se reunia ao redor dos “quartéis” da greve quando estava para sair a última edição do Organizer, podia-se escutar coisas como estas: “Você viu o que disse o Organizer! Eu já o disse que a história do Tribune era uma maldita mentira”… Esse era o sentimento geral dos trabalhadores: havia a voz operária na greve, o Daily Organizer.

Esse poderoso instrumento não custava ao sindicato nem um centavo. Pelo contrário, o Daily Organizer dava lucro desde o primeiro dia e levava adiante a greve quando não havia nem uma moeda no cofre. Os lucros do Organizer pagavam os gastos diários da organização. O periódico era distribuído gratuitamente a todo aquele que o quisesse, mas quase todo operário simpatizante nos dava desde um níquel (5 centavos) até um dólar por um exemplar. Por meio dele se mantinha alta a moral dos grevistas, mas sobretudo, seu papel era o de um educador. Todos os dias o jornal tinha as notícias da greve, algumas zombarias sobre os patrões, alguma informação sobre o que estava se passando no movimento operário (CANNON, 2013)

Após constantes demonstrações de força, por meio de atos e assembleias, a patronal se viu obrigada a ceder a negociação dos trabalhadores e aceitar a reivindicações que eram feitas. Após cinco longas semanas a greve que sacudiu não só o noroeste norte-americano, mas sim todo o país, saiu vitoriosa. O coração da gelada Minneapolis bombeava uma nova força da classe trabalhadora na terra do Tio Sam. Uma nova geração de líderes sindicais se formava, o trotskismo norte-americano dava um importante passo em direção ao movimento de massas, e nas suas fileiras entravam não só os mais experientes lutadores dessa greve e que formaria a direção do novo partido que estava para surgir, mas se somavam ao grupo militantes de base, que confiavam e viram na prática a diferença da direção da CLA para as do demais grupos de burocratas.

Os trabalhadores venceram, e toda vitória de nossa classe merece ser comemorada. Porém, mas importante do que a vitória econômica é o sentimento de que a luta coletiva é capaz de mudar algo, o sentimento de confiança em nossas próprias forças e em nossa classe.

Foto: Repressão à greve dos caminhoneiros, em 1934. Coleção Edward Levinson