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MUNDO

Amistoso cancelado em Jerusalém: Golaço de solidariedade da seleção argentina

Diogo Xavier, de Recife(PE) e Gabriel Santos, de Maceió (AL)

Em momentos que sofremos diversas derrotas seguidas, qualquer vitória, por menor que seja, merece ser comemorada. Seja na política, na vida ou no futebol. Após nosso time ficar muitos jogos sem vitória, quando ganhamos de 1 x 0 com gol no fim da partida, comemoramos aliviados. Um sentimento parecido de alívio e de vitória veio na noite de terça-feira, dia 05/06, com a confirmação de que a seleção de futebol da Argentina cancelou uma visita e um amistoso com a seleção de Israel em Jerusalém, que estava marcado para o sábado 09/06. Palestinos e admiradores da causa de luta e libertação da Palestina comemoraram por todo o mundo.

O jogo amistoso seria em preparação para a Copa do Mundo e marcaria uma comemoração especial dos 70 anos de Israel. Depois de anunciada que ocorreria a partida, o movimento BDS – Boicote, Desinvestimento e Sanções, começou uma campanha internacional de Boicote Acadêmico e Cultural contra a partida, lançando a palavra de ordem #ArgentinaNoVayas (Não vá Argentina). A campanha gerou diversos protestos de palestinos e apoiadores, em diversos deles a camisa da seleção de nossos hermanos e a bandeira da Palestina apareceram tingidas por tinta vermelha, para simbolizar o sangue derramado pelo Estado de Israel e os assassinatos que o mesmo comete. Os protestos chegaram até os treinos da seleção argentina e ao centro de treinamento do Barcelona, clube de Lionel Messi, o astro da seleção e um dos melhores jogadores do mundo. Uma carta escrita por cerca de 70 crianças, descendentes de palestinos expulsos de suas casas, pedindo para que o jogo não fosse realizado foi entregue diretamente nas mãos do craque argentino.

O amistoso entre os dois países foi considerado por muitos jornalistas dentro e fora de Israel como um instrumento político para mudar o foco dos recentes massacres e assassinatos cometidos pelo país sionista contra a população palestina. A ideia do governo israelense era fazer da partida uma parte da política de colonização do lado oriental de Jerusalém, usando o amistoso como uma propaganda global de que agora Jerusalém é reconhecida como capital do Estado sionista. A ideia do governo era levar os jogadores argentinos, muito populares no mundo árabe, para agendas oficiais do Estado, passando uma sensação de normalidade.

A ministra dos Esportes de Israel, Miri Regev, foi responsável por alterar o lugar do jogo que ocorreria em Haifa, uma cidade que fica dentro das fronteiras estabelecidas por tratados internacionais de 1948, para Jerusalém, local de disputa histórico entre israelenses e palestinos, e que sob o controle sionista desde 1967 tem negado direitos civis aos palestinos, aplicando um verdadeiro apartheid. Normalmente a seleção israelense disputa suas partidas em estádios das grandes equipes do país, em Haifa ou Tel Aviv.

Após a construção do Estado de Israel e da Nakba (expulsão de milhares de palestinos de suas terras, vilas e casas, uma verdadeira limpeza étnica) em 1948, Jerusalém foi dividida em dois lados: ocidental e oriental, o primeiro sob o controle israelense. A cidade considerada sagrada pelas três maiores religiões do mundo, cristianismo, islamismo e judaísmo, é palco de disputas seculares entre diversos povos, desde os tempos do Império Romano. Hoje a cidade além de seu simbolismo sagrado, representa diversas violações de direitos humanos garantidos internacionalmente, feito pelo Estado de Israel, como a demolição de casas, segregação étnica, prisões políticas arbitrárias, entre tantos outros. Após o presidente norte-americano, Donald Trump, em uma de suas medidas megalomaníacas, decidir transferir a embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém e reconhecer esta como capital do Estado de Israel, uma nova crise teve início na região. Diversos protestos e manifestações massivas ocorreram em Gaza, na Cisjordânia, por toda Palestina e em países vizinhos. O Estado de Israel, como sempre, reagiu à base da força e da bala, assassinando diversos manifestantes.

O simbolismo que possui Jerusalém, de ocupação, de genocídio, de disputa pela terra, fez com que a mudança do local do jogo fosse mal recebida e vista com preocupação. A campanha do Movimento BDS e da Associação de Futebol da Palestina para cancelar a partida no local que já havia sido o vilarejo de Al Malha, um dentre outros 418 vilarejos palestinos destruídos por Israel há 70 anos, deu resultado.

O jornalista israelense Anshel Pfeffer, colocou em seu Twitter: “a politização da partida pelo governo de Netanyahu, principalmente o delírio egocêntrico da vaidosa ministra dos esportes Regev, tornou-a um alvo e uma vitória fácil para os boicotadores. O movimento BDS não é uma ameaça para Israel. A arrogância sim.

De acordo com o jornal israelense Haaretz, o primeiro-ministro Netanyahu havia telefonado para falar pessoalmente com o presidente argentino, Maurício Macri, a pedido de Ragev, para tentar evitar que o jogo fosse cancelado. Macri, apesar de ser aliado de longa data do regime sionista e até ter cogitado ir assistir a partida em Jerusalém, teria dito que obedeceria as regras da FIFA, impedindo de governos interferirem nas decisões das equipes de futebol.

O boicote feito pela seleção argentina é um fato que foi notícia em todo o mundo, nas páginas de esportes nos jornais, ou nas de política. A recusa feita pela equipe de Messi e companhia abalou um dos pilares centrais que o governo de Israel busca passar, que é a imagem de normalidade. Este golaço feito pelos argentinos repercute politicamente dentro e fora do Estado de Israel. Se dentro dele, o governo sionista tenta passar para sua população a imagem de que o mundo aceita com normalidade os crimes e assassinatos que comete em Gaza, essa imagem fica abalada.

Fora de Israel, os que lutam pela causa palestina têm um motivo para comemorar. O boicote a Israel, apesar de limitado, é um movimento que vem ganhando força e merece ser apoiado e incentivado. Aos poucos os crimes, as barbaridades, as violações de leis e direitos civis feitos pelo regime sionista tem chamado a atenção de mais e mais pessoas ao redor do globo, e são alvos de criticas. A solidariedade internacional que tanto faltou ao povo palestino é algo fundamental para incentivar a luta pela libertação nacional e nas negociações por um Estado próprio. Nenhum regime criminoso, ditatorial e colonial pode viver para sempre, alguma hora seus pilares vão ser derrubados. Um dos pilares que sustentam Israel é sua imagem de “suposta democracia”, e cada vez mais esta pilastra vem sofrendo duros golpes. Além da seleção argentina, já cancelaram visitas a Israel as cantoras Shakira e Lord, o músico Roger Waters e o guitarrista Santana. Cristiano Ronaldo, atual melhor jogador do mundo, em jogo contra a seleção de Israel criou polêmica ao se negar a trocar camisa com um jogador da seleção israelense.

O golaço de Messi e seus compatriotas merecem ser comemorado por todos que ao redor do mundo lutam pelo fim da opressão e da política genocida do Estado de Israel, foi um gol para a democracia e contra o imperialismo. Como falou Claudio Tapia, dirigente da Associação Argentina de Futebol – AFA, “o futebol é uma mensagem universal que transcende fronteiras e não tem nada haver com a violência”. Mais uma vez fica nítido que o futebol é mais que um jogo.