Foto: Reuters/Muhammad Hamed
O Reino da Jordânia foi durante bastante tempo considerado como uma ilha de estabilidade no meio de conturbadas crises políticas e sociais que sacudiam o Oriente Médio. Porém, desde a semana passada o país tem visto diversos protestos e greves massivas contrárias as medidas de austeridades que o Fundo Monetário Internacional (FMI), em conjunto com o governo, tem buscado aplicar.
Os protestos começaram no dia 30 de maio, quando os jordanianos saíram as ruas para protestar contra o aumento de impostos e do custo de vida. As medidas de ajuste fiscal incentivadas pelo FMI buscam aumentar o imposto direto de 16% sobre bens de consumo e a retirada de subsídios estatais sobre produtos básicos, como o pão e a eletricidade. Esta última, por exemplo, teve um aumento de 55% desde fevereiro.
Após o anuncio das medidas de ajuste fiscal, a revolta contra o governo se espalhou rapidamente. Nas redes sociais, nos mercados e em diversos lugares, muitos criticavam a posição do governo de escolher satisfazer a vontade do mercado internacional ao invés de medidas que pudessem ajudar a população do país, que sofre com um forte desemprego. Diversos sindicatos e associações profissionais, cerca de 33 ao todo, convocaram paralisações em locais de trabalho e manifestações nas ruas e praças. Estima-se que cerca de meio milhão de pessoas participaram do movimento, o que fazem dessas jornadas de luta a maior da história do país.
Sob palavras de ordem como “trabalho hoje para poder viver amanha” “pão, liberdade e justiça social” “não à corrupção” e “o povo quer o fim do governo” (canto que provém da Primavera Árabe), os manifestantes tomavam as ruas jordanianas e em especial a capital Amã como nunca visto antes pedindo o fim do ajuste fiscal.
De forma surpreendente, a primeira reação do governo foi colocar mais gasolina no fogo, ao anunciar novos cortes para áreas sociais e o aumento de preço de 18% e 5,5%, para eletricidade e combustível, respectivamente. Trabalhadores e estudantes saíram às ruas de forma espontânea, sem esperar o chamado dos sindicatos, que veio logo em seguida. Protestos e fechamentos de estradas ocorreram por todo o país e nas principais cidades o comércio ficou fechado. Com o crescimento do movimento de massas, e o fortalecimento da greve geral, o primeiro-ministro Hani Mulki entregou após 5 dias dos inícios dos protestos seu cargo para o rei Abdullah II. Apesar disso os trabalhadores jordanianos não se retiram das ruas e nem acalmaram os ânimos. Abdullah II já escolheu e anunciou Omar Al Razzaz, economista, atual ministro de educação e ex-funcionário do Banco Mundial, para o cargo de primeiro ministro uma escolha que não agradou os manifestantes. É importante colocar que mesmo com as fortes manifestações as criticas ainda não chegaram ao trono do rei. Os manifestantes criticam o governo e o parlamento, mas não chegaram a criticar o regime de Abdullah II.
Nesta quarta-feira, dia 06, uma nova e mais forte greve geral sacudiu o reinado. Após derrubar o primeiro ministro, os trabalhadores jordanianos ainda queriam mais e deixaram o novo primeiro ministro surpreso. O movimento de massas que sacudiu a Jordânia mostrou aos trabalhadores e jovens do país e da região que através da ação direta, de greves é possível impor derrotas aos governos, ao mercado e aos ricos e poderosos. Na tarde de hoje, dia 07, o novo primeiro ministro Al Razzaz anunciou a retirada do projeto de lei de ajuste fiscal, e agora aguarda o fim dos protestos e das assembléias noturnas que reúnem mais de cinco mil pessoas na capital.
É importante mencionar as tremendas pressões internas e externas a que está submetido o reino Hashemita (nome da linhagem real que dirige o país). Sinteticamente, a economia do país depende extremamente da ajuda financeira saudita e o novo príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman, tem pressionado a que a Jordânia se alinhe totalmente com a política anti-iraniana. A Jordânia está encravada no cruzamento entre vários estados e procura manter esse equilíbrio. Suas fronteiras com o Iraque e a Síria lhe impedem ser demasiado alinhada. Além disso, há 1,5 milhão de refugiados sírios no país e estes ansiam por uma solução pacífica para poderem retornar aos seus lares. A suspensão da ajuda e dos capitais sauditas potencializou a crise da já frágil economia jordaniana
Por outro lado, a política de fatos consumados de Trump com relação a Jerusalém coloca um dilema impossível para o Rei Abdulah. Há dois milhões de palestinos que vivem no país, grande parte deles integrados à sociedade – e não como refugiados tal qual ocorre no Líbano, por exemplo. A Jordânia é a guardiã oficial dos lugares sagrados de Jerusalém, por isso, no mínimo tem muita dificuldade de apoiar o reconhecimento de Jerusalém como capital indivisível de Israel.
São contradições que potencializam uma situação econômica frágil, um altíssimo custo de vida, desemprego e mal-estar social, que dificultam a solução e explicam a rara unanimidade contra o governo. Mesmo que a queda do primeiro-ministro não tenha a dimensão de outros países, pois sua nomeação depende exclusivamente do rei, já que o regime é uma monarquia absoluta com adornos parlamentares, é um fato da maior significação.
Ainda é cedo para dizer o que pode ocorrer a partir daí, se estas manifestações levarão a ondas similares em países vizinhos (os aumentos de preços são generalizados em outros países, como Egito e Irã) ou se os manifestantes irão radicalizar suas ações mesmo após mais uma vitória. Estas duas hipóteses são mais improváveis. Porém, daqui para frente o nível de organização dos trabalhadores e do povo jordanianos deve crescer após a experiência desta última semana. Não é todo dia que greves e paralisações derrubam um primeiro ministro e um projeto de ajuste fiscal feito pelo FMI. A vitória que ocorreu na Jordânia deve ser comemorada por todos nós.
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