Quando a Petrobras foi criada em 19531, durante o 2º governo Vargas, foi resultado de muitas décadas de luta entre duas visões que disputavam a opinião pública no que concernia a questão da exploração de petróleo no Brasil. Um grupo, chamado de “entreguistas”, defendia a abertura total do país ao capital estrangeiro, com o intuito de explorar o petróleo. Afirmava que o Brasil não possuía nem capital e nem tecnologia para realizar os empreendimentos e que já havia países experimentados na técnica que dominavam. Já o outro grupo, os “nacionalistas”, queriam o monopólio estatal do petróleo e propunham a criação de uma empresa nacional que fizesse a exploração. Neste contexto, a luta estudantil foi fundamental, pois em 1948 deram corpo ao movimento “O petróleo é nosso” que já corria o país desde o ano anterior.
A empresa estatal de exploração de petróleo brasileiro foi criada com o objetivo estratégico, percebido com nitidez após duas grandes guerras mundiais, de dominar e desenvolver tecnologias próprias de exploração de óleo bruto que pudesse criar condições para a autonomia de produção de petróleo no Brasil.
Estarmos em 2018 nos ajuda muito a analisar aquele objetivo como correto e bem-sucedido. O Brasil, por mais problemas que possamos identificar na política de gestão da empresa estatal ao longo de sua existência, conseguiu desenvolver tecnologia líder em exploração em águas profundas e a Petrobrás possui os trabalhadores mais bem formados do setor. Devemos estes resultados às lutas dos trabalhadores e dos estudantes brasileiros que sempre garantiram a manutenção deste objetivo fundamental. A redução dos preços de produção do petróleo, no contexto deste movimento histórico, foi uma consequência do desenvolvimento e controle da tecnologia e do processo de trabalho de exploração.
Assistimos ao mesmo processo no campo do refino e da distribuição dos derivados de petróleo. Porém, na distribuição, setor com muito menores “custos afundados”2, menor risco e muito menor necessidade de desenvolvimento de tecnologia, a disputa das empresas internacionais sempre teve uma maior entrada política. Deste modo, os preços dos combustíveis na bomba, apesar de administrados, especialmente por seu impacto inflacionário, nunca foram o foco central da empresa. Com o governo Temer, a política de preços ganhou maior destaque, optando-se por um processo em que o reajuste do preço favorecesse os refinadores estrangeiros e o pagamento de dividendos a acionistas, transferindo aos consumidores finais todo o custo da variação do preço e não levando em consideração os custos internos de produção.
Vale lembrar que as empresas estatais são, historicamente, instrumentos de organização do setor produtivo em prol da criação de uma inserção internacional mais soberana e de acesso a bens que não respondem adequadamente à lógica privada de produção e, justamente por isso, são denominadas bens públicos, com caráter de patrimônio social irrenunciável. Empresas estatais devem, portanto, ser utilizadas como instrumentos para a coletividade e atender a objetivos definidos de forma democrática e com participação popular, o que não tem sido a tônica no Brasil.
Neste momento, estamos diante de um debate gigantesco sobre a política de preços do diesel e de combustíveis derivados de petróleo como se esta fosse a grande questão. O que está em jogo é uma política que pretende criar condições de privatização final da Petrobrás, como nos anunciaram as manifestações crescentes dos trabalhadores do setor de petróleo. Esta política recupera em pleno século XXI a essência da posição “entreguista” do debate dos anos 1940 e a aprofunda, pois se articula com a concessão para empresas de capital internacional para exploração dos recursos do subsolo brasileiro. Além disso, compõe a visão de Estado e de empresa estatal do atual governo, com justificativas para redistribuir os recursos do orçamento estatal, limitados pela Emenda Constitucional 953, em favor dos setores empresariais e contra os gastos sociais em saúde e educação.
Merece ainda ser posto em evidência que os setores de educação e de saúde do Brasil têm uma ampla participação do Estado no atendimento à população, sendo sua obrigação constitucional. Desta forma, saúde e educação continuam grandes espaços de produção pública de produtos e serviços que não possuem preços, pois são gratuitos, mas possuem valor e são com amplas estruturas de referência, especialmente, novamente, nas áreas de alta complexidade e de maiores custos associados a pesquisa e atendimento universal. É exatamente por isso que tais setores também têm sido visados pelo mercado internacional privado.
Está na hora de recolocarmos o foco na questão central: os trabalhadores brasileiros precisam encabeçar a luta real em busca de um país mais justo, mais respeitoso ao meio ambiente, mais autônomo produtivamente e que garanta os direitos sociais e trabalhistas para sua população. Não basta cair o presidente da Petrobrás, o que tem que acabar é este governo que continua a comandar a Petrobras e o país, de acordo com os interesses da classe que representa e que tem nos levado, com suas políticas, a formas sociais cada vez mais retrógradas, no ano em que a abolição da escravidão completa 130 anos.
1 Vale ver ‘Brasil cria Petrobras em 1953 no embalo da campanha o Petróleo é nosso’; bem como ‘Campanha Petróleo é nosso mobilizou Brasil no final da década de 40’.
2 “Custo afundados” são o termo empregados na área de economia para recursos empregados na construção de ativos que, uma vez realizados, não podem ser recuperados em qualquer grau significante.
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