Pular para o conteúdo
MUNDO

Nova e mais perigosa crise no Qatar?

Waldo Mermelstein, São Paulo/SP

Há um ano, em 5 de junho de 2017, a Arábia Saudita lançava um brutal ofensiva contra o Emirado do Qatar para tentar mudar sua política. Bloqueio comercial, de rotas aéreas, ameaças militares mais ou menos veladas, compuseram o quadro, entusiasticamente apoiado pelos países mais próximos e, ou dependentes dos sauditas na região (os Emirados, o Bahrein, o Egito, além de outros mais afastados). Outros países da região tratavam de mediar o conflito. Com a utilização de seu imenso fundo soberano, que atingiu 335 bilhões de dólares em 2017, o Emirado, cujo PIB per capita é o maior do mundo, resistiu e estabeleceu novas rotas comerciais e financeiras com o Irã e a Turquia. O Irã, por exemplo, abriu seu espaço aéreo para dar passagem aos voos e para o Emirado, enviou centenas de caminhões com comida e abriu suas rotas comerciais para ajudar o Qatar.

Uma das exigências centrais dos sauditas era a de fechamento da emissora Al Jazeera. O Emir do Qatar, Tamim bin Hamad Al-Thani, recusou-se  a aceitar o que qualificou como “ultimato”. Lentamente, o bloqueio foi relativizado e aparentemente o conflito estava controlado.

No entanto, revisando as informações pode se encontrar uma pequena nota perdida em dezembro, em que se informava que a Arábia Saudita havia fechado novamente a pequena fronteira terrestre com o Qatar de forma “permanente”.

Coerente com isso, o clima político e militar na região mudou bastante com a nova ofensiva liderada pelo presidente Trump contra o Irã e que se materializou no cancelamento do acordo nuclear com aquele país, com o apoio incondicional a Israel transferindo a embaixada americana para Jerusalém e dando via livre para os provocativos e sistemáticos bombardeios de Israel a supostas instalações iranianas na Síria.

Neste final de semana, fomos surpreendidos com uma notícia justamente da Al Jazeera que relatava que o Rei da Arábia Saudita havia enviado uma carta ao presidente da França, Macron, ameaçando retaliação militar contra o Qatar, caso concluísse a compra e a instalação de modernos sistemas antimísseis S-400 russos. O detalhe é que os mesmos misseis estavam sendo adquiridos pela Arábia Saudita da Rússia.

Nas palavras do rei Salman, citado pelo Le Monde e referenciadas pela Al Jazeera: “[El tal situação] , o Reino deveria estar pronto a adotar todas as medidas necessárias para eliminar esse sistema de defesa, incluindo a ação militar”.

Mais claro, impossível.

Olhando o tema em mais perspectiva surge uma possível explicação para tal reviravolta. Em primeiro lugar, é preciso abrir o foco e perceber a influência do cerco ao Irã decidido por Trump com o cancelamento do acordo atômico. As garantias dadas pelo Emir do Qatar de que não financiariam nenhuma organização terrorista, a segurança que o Qatar sentia por ter sobrevivido bastante bem ao boicote, com o aumento das transações com o Irã e a Turquia, não mais servem frente às maiores e drásticas exigências americanas. Parecem reviver de forma ainda mais dramática as palavras de outro reacionário presidente americano, George W. Bush, de que “ou estão conosco, ou contra nós”, impondo um novo pico à crise.

Porque não faz sentido a ofensiva brutal contra o irã e permitir que o Qatar tenha uma aproximação “equilibrada” com o Irã. Cercar o Irã e deixar a porta aberta perto da própria Arábia Saudita explicam a crise.

E a imprensa pró-imperialista não perde a oportunidade para denunciar a ambiguidade do Qatar. Em abril, ao mesmo tempo em que o Emir visitava Trump e tudo parecia muito pacífico e a reconciliação era dada como certa, assinalava-se que naquele mesmo dia uma importante delegação do Qatar estava negociando com altos funcionários em Teerã a cooperação econômica. Segundo o informe, o diretor de Portos do Qatar se encontrava com seu correspondente iraniano, discutindo comércio e investimentos. Mais precisamente, Abdulalla Al Kanji, dirigente da Companhia Marítima e de Portos do Qatar afirmava que “o Qatar estava tentando persuadir o Irã em diminuir as exigências para visas entre ambos os países (sic!!!) e que “Qatar quer investir em portos iranianos”. Imaginamos a alegria em Riad e Washington.

O que não se sabe é se as ameaças da carta do rei Abdula passarão das ameaças ou acarretarão em uma maior tensão militar, diplomática e financeira na região. E quais novas concessões o Emirado fará para tal, se manterá a negociação com a Rússia, bem como a atitude da própria Rússia, que deseja aumentar sua presença na região, mas tem uma cuidadosa ação pragmática. E em relação à Al Jazeera, como assistente assíduo do canal por ser uma das melhores fontes de informação em particular sobre o Oriente Médio, posso dizer que notei uma diminuição da contundência de seus programas, retirada de apresentadores mais duros, convite a personagens menos incisivos em debates como sobre Israel/Palestina. Mas parece que o ultrarreacionário reino saudita exige mais. As ameaças também se materializam nos planos de bloquear a única fronteira terrestre do Qatar por meio de um projeto