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MUNDO

Eleições no Iraque, vitória do improvável

Por Gabriel Santos, Maceió (Alagoas)

Foto de abertura: Haidar Hamdani | AFP | Getty Images

Uma semana depois de os iraquianos terem ido às urnas para votar nas eleições parlamentares pela primeira vez após a derrota do Estado Islâmico, na madrugada deste sábado, dia 19, a comissão eleitoral divulgou o resultado final do pleito.

Dos 24 milhões de cidadãos convocados para votar, apenas 45% participaram do processo, um número considerado baixo. Entretanto, o grande vencedor dessas eleições legislativas foi a aliança liderada por Moqtada al-Sadr, um clérigo xiita, líder nacionalista e adversário histórico dos Estados Unidos. O bloco liderado por Sadr é integrado pelo seu próprio partido e por outras seis legendas, dentre elas o Partido Comunista do Iraque.

A coligação é chamada de Aliança do Povo pelas Reformas. Essa improvável aliança que unificou xiitas, sunitas, forças laicas e comunistas, obteve 54 dos 329 assentos do Parlamento. Apesar de ser maioria, não possui quantidade suficiente para liderar sozinho. Sendo assim, vai precisar compor uma coalizão de governo. Buscando a formação de uma coalizão para governar, Sadr já se reuniu no sábado com o Amar al-Hakim, líder do movimento al-Hikmah, que conseguiu 19 cadeiras no Parlamento.

O segundo lugar nas eleições ficou a coalizão A Conquista, apoiada pelo Irã e liderada por Hadi al-Amiri. Este preside a Organização Badr, que chegou a lutar ao lado dos iranianos na guerra entre Irã e Iraque. A Badr se tornou uma milícia xiita para combater o Estado Islâmico. A coalizão de Amiri terminou com 47 cadeiras no Parlamento.

A aliança do atual primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi, Vitória, desapontou os principais analistas destas eleições. Favorito internacionalmente, e dada como certa a sua vitória, a aliança de al-Abadi conquistou 42 assentos, ficando surpreendentemente em terceiro lugar.

É importante ressaltar que nas províncias do norte do Iraque, os principais vencedores foram os partidos que representam as forças curdas. O Partido Democrático do Curdistão e a União Patriótica do Curdistão terão 25 e 18 deputados, respectivamente. A opressão aos curdos é algo histórico no Iraque. Estes dois partidos lideraram um levante curdo em 1991, após o governo de Saddam Hussein destruir duas mil aldeias e assassinar de 50 a 100 mil curdos em 1988. Hoje os curdos no Iraque, em sua grande maioria, vivem numa região autônoma no extremo norte do país com cerca de 7 milhões de pessoas vivendo no local denominado Curdistão Iraquiano.

Partidos muçulmanos com bases xiitas estiveram no poder do Iraque desde 2003, após a invasão norte-americana. Eles conquistaram a maioria dos assentos parlamentares nas eleições de 20005, 2009 e 2014. A coligação vencedora do atual processo buscou romper o sectarismo religioso, sendo composta por forças laicas, da sociedade civil, sunitas e xiitas. Este foi um trunfo de al-Sadr durante o processo, que diz buscar romper a política de sectarismo e fazer um governo para diversos setores da população.

Os Sadristas

A aliança entre o grupo de Sadr (sadristas) e outros movimentos, como grupos sunitas e os comunistas, se deu sobre a base de alguns acordos. Primeiro, os grupos que formaram esta aliança eleitoral estiveram presentes apoiando e incentivando os protestos semanais que ocorreriam toda sexta-feira em Bagdá e em outras províncias, durante o ano passado. Com foco principal no combate à corrupção, na crítica ao sectarismo religioso e à destruição de serviços públicos, foi realizada uma grande campanha por uma reforma política contrária aos privilégios de políticos e de determinados grupos sociais. A movimentação entre os Sadristas e os Comunistas vem sendo algo desenhado desde 2016, porém se confirmou somente em julho do ano passado.

Hoje, al-Sadr, é o único líder político muçulmano xiita que é capaz de mobilizar uma multidão de centenas de milhares de iraquianos.  Isso se deve a um poderoso discurso nacionalista que os líderes do movimento sadrista conseguem levar às massas. Enquanto outros partidos xiitas maiores e mais poderosos não conseguem mover multidões, justamente por serem vistos como uma mão do país vizinho, o Irã, atuando no Iraque. Os sadristas detêm também um grande respeito já que seus líderes foram os únicos dentre os xiitas que permaneceram no país durante o período em que os muçulmanos xiitas estavam sendo perseguidos por Saddam Hussein, este de origem sunita.

Al-Sadr e seus seguidores também conseguem ter uma enorme popularidade nas camadas mais pobres, em especial na população xiita de Bagdá e nas províncias do sul do Iraque. Ele fundou e liderou durante anos um movimento de guerrilha contra a ocupação norte-americana no país, o Jaish al-Mahdi, sendo considerado na época pelo governo dos Estados Unidos a maior ameaça de paz para o Iraque. Após o fim da guerrilha, o exercito se converteu em uma campanha popular que busca levar alimentação e educação para Bagdá, chamada agora de brigadas Salam (Paz).

A influência de Sadr sobre as comunidades xiitas começou a ser construída como uma espécie de herança. Seu pai, o aiatolá Mohammed Sadiq al-Sadr, foi um conhecido clérigo xiita que fez forte oposição ao regime de Saddam, assim como disputou sua influência religiosa com o principal líder xiita do Iraque, o aiatolá Ali al-Sistani. Dessa forma, após a morte de seu pai assassinado pelo regime, Sadr se tornou o principal líder do movimento, que buscava dar voz aos xiitas excluídos e marginalizados pelo governo de Saddam e do partido Baathista.

A influência iraniana

O Irã é um dos maiores interessados nos resultados nas eleições iraquianas. O governo da República Islâmica acompanhou com atenção as ultimas eleições no país vizinho, em 2014. Por exemplo, foi em Teerã que se deram as conversas entre os grupos políticos que acabariam por definir Abadi como primeiro ministro.

Com a ruptura  do acordo nuclear firmado com Irã por parte de Trump e com as recentes ondas de protestos que tomaram as ruas da capital e de outras diversas cidades, seria muito importante que Teerã tivesse um governo aliado no país vizinho. É verdade que o governo de al-Abadi era um governo submisso aos interesses norte-americanos. A derrota do mesmo neste momento é algo positivo para os regimes dos aiatolás. O bom resultado que al-Amiri obteve também leva ventos positivos para a antiga Pérsia. O segundo lugar de al-Amiri pode forçar a uma coalizão que busque se alinhar aos interesses da República Islâmica, fortalecendo o papel do Irã na região. Porém, essa hipótese hoje é improvável, visto que al-Sadr se constituiu durante toda sua carreira política e religiosa como um nacionalista xiita iraquiano, um papel de independência política frente ao país vizinho.

Um governo entre incertezas

O resultado dessas eleições no Iraque mostra que diversas parcelas da população querem e desejam uma mudança. As duas principais forças políticas do país não ficaram entre os primeiros. O Partido Islâmico Dawa, do ex primeiro ministro Nouri al-Maliki e a coligação do atual primeiro ministro al-Abadi, como já foi dito, não tiveram o resultado esperado.

Os votos depositados nas urnas, foram votos contra a situação que se estendia durante a última década. Votos contra a submissão dos interesses iraquianos aos dos Estados Unidos, mas também por uma política de maior independência do país em relação ao Irã.

O mais importante foi que estas eleições mostraram que existe um espaço para uma política contrária ao sectarismo religioso. Tanto os que foram votar, quanto aqueles que não foram às urnas, mostraram um descontentamento geral contra a situação do país, contra a corrupção generalizada e as políticas antipopulares do governo al-Abadi.

Ao mesmo tempo, um elemento complicador será o intrincado sistema eleitoral e político, com a enorme dispersão de votos em pequenas siglas. Por outro lado, um fator determinante para as negociações para estabelecer o novo governo é o agravamento do conflito geopolítico com a contraofensiva do imperialismo americano sob Trump para reverter os ganhos iranianos em toda a região. Um Iraque menos dependente da influência iraniana é o objetivo mais importante dos EUA no país. Embora Badr não fosse a candidatura dos EUA, não se pode descartar que ele venha a ser uma aposta americana, justamente pelo seu passado relativamente independente, inclusive por ter liderado a resistência não sectária à ocupação em seu começo. Não por acaso o Irã deixou claro publicamente antes das eleições que estava excluída sua volta ao governo por meio da coalizão que liderou. De toda forma. provavelmente, esse será o grande tema de debate no próximo período.

A partir das negociações para conformação de um novo governo, grandes tarefas são colocadas daqui para a frente: reconstruir um país devastado após a invasão norte-americana e a guerra contra o Estado Islâmico e fazer uma reforma política que acabe com o atual modelo de fazer política favorecendo a elite do país. Se a coligação formada por sunitas, xiitas, forças seculares e comunistas será capaz de fazer disso é uma incógnita. Tampouco se sabe quanto tempo durará a lua de mel entre esses grupos.