Como pensar no tema da segurança pública com os olhos e os pés do povo trabalhador, negro e periférico? 

Da Redação

Esse foi o desafio lançado pela Frente Itaquera Sem Medo, no último sábado (12), numa formação aberta que reuniu mais de cem pessoas, com a organização do cursinho popular Baobá, o MTST, o movimento de cultura, professores do campus Zona Leste da Unifesp e outros coletivos da região.

Veja a proposta desse encontro que pretendeu contribuir, na plataforma VAMOS!, para um projeto popular e anticapitalista de segurança pública, em defesa das vidas negras e periféricas em primeiro lugar:

Manifesto da Frente Itaquera Sem Medo contra o Genocídio e a farsa da segurança Pública: vidas pretas e periféricas importam

Pouco antes de ser executada, nossa companheira Marielle Franco fez uma pergunta: “Quantos terão que morrer para que essa guerra acabe?”

Nós, jovens, crianças, idosos, sem-teto, trabalhadores, estudantes, não deixaremos que a vida dos nossos sejam usadas como propaganda política nesse ano eleitoral, para o benefício das elites brancas e racistas que há séculos são nossos algozes. A realidade brasileira grita: a população carcerária do Brasil é a terceira maior do mundo, com mais de 700 mil presos e presas. Deste total, 70% são pretas e pretos oriundos de favelas, periferias, quebradas. O Estado de São Paulo, tomado por muitos como modelo de desenvolvimento e coração financeiro do país, aprisiona 1/3 desse total. A seletividade racista e territorial que se esconde no pretexto da guerra às drogas, no discurso do medo, e no combate à violência, faz com que os jovens negros sejam o alvo preferencial das políticas punitivistas de segurança pública.

É nesse cenário que a reflexão sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro precisa ser debatida. Pela primeira vez, desde o final da ditadura, o exército assume a função de controle da segurança pública em um território. Determinando vidas que merecem viver e outras que merecem morrer e propagando o extermínio seletivo da população preta e periférica como modelo a ser replicado em âmbito nacional. O discurso da eficiência dessas medidas não sobrevive aos dados da realidade: quando o exército ocupou o complexo da Maré entre 2013 e 2015 houve um gasto de 441 milhões de reais para manter esta operação. Em contrapartida, a prefeitura do Rio gastou 333 milhões com programas sociais. Em um saldo de gastos superiores com repressão que, no entanto, não foram capazes de se reverter na diminuição da violência ou no aumento da sensação de segurança pelos moradores.

A Frente Itaquera Sem Medo, junto com os demais coletivos que participaram da discussão no dia de hoje, posiciona-se contrariamente a esse modelo de segurança pública que não resolve o problema da violência, fundado na profunda desigualdade social. Reforçamos a importância de debater um outro projeto de segurança, que reconheça os conflitos sociais, a realidade socioeconômica de trabalhadores/as e atue no sentido de potencializar a vida ao invés de proteger a propriedade e o patrimônio privado. Para isso, propomos a desmilitarização imediata da segurança pública, em todas as suas instituições, em particular na polícia militar. A legalização das drogas; o combate à LGBTfobia e a toda forma de racismo.

Contra o genocídio da população preta e periférica!
Contra a criminalização dos movimentos sociais!
Contra a intervenção militar no Rio de Janeiro!
Marielle e Anderson vivem!

Propostas da Frente Itaquera Sem Medo para a Segurança Pública

Política de Drogas:
– Investimento público em saúde e redução de danos;
– Descriminalização e legalização das drogas;
– Política de controle de qualidade das substâncias;
– Garantia do direito ao uso;
– Fundo de investimento em saúde pública mediante os impostos recolhidos com a comercialização das substâncias.

Política de Desmilitarização:
– Política de desencarceramento com ações efetivas;
-Desencarceramento de presos e presas sem julgamento;
– Fim do padrão racista utilizado institucionalmente pela polícia (“cor padrão”);
– Unificação das polícias em uma instituição não militar;
– Liberdade de organização sindical para os agentes policiais;
– Fim da tropa de choque;
– Fim do modelo hierárquico na polícia;
– Eleição de delegados por voto direto dos moradores das comunidades;
– Reforma urbana para extinguir o controle militar sobre os territórios.

Política Antirracista:
– Organização de espaços para negras e negros de trocas de experiência sobre a condição racial e as experiências vividas de racismo;
– Efetivação da Lei nº. 10.639 de Ensino da História e Cultura da África;
– Inclusão de autores/as negros/as no conteúdo escolar;
– Organização da Campanha “Escola Sem Racismo”;
– Organização de uma campanha contra o racismo institucional nas categorias profissionais;
-Produção de dados sobre a situação da população negra que sejam base para políticas públicas;
– Efetivação do direito à vida e do direito à moradia, aproximando os movimentos negros dos movimentos de moradia;
– Identificação e valorização dos quilombos urbanos e das práticas culturais no espaço público;
– Comitês de defesa do povo negro contra o extermínio;
– Traduzir para a o povo nas periferias, por meio do trabalho de base, o significado e o funcionamento do genocídio da população negra.

Política de Gênero e Sexualidade:
– Investimento público para o combate à violência contra mulheres e LGBTs;
– Legalização do aborto;
– Fim da violência obstétrica contra as mulheres negras;
– Creches e espaços de socialização das crianças funcionando em período noturno;
– Educação sexual e de gênero nas escolas;
– Inclusão das LGBTs em todos os espaços sociais;
– Iluminação pública para combater a violência;
– Produção de dados sobre a situação das mulheres e das LGBTs que sejam base para políticas públicas;
– Recusa dos projetos de lei do Escola Sem Partido.

Foto: Reprodução Facebook