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MUNDO

Paquistão: Uma intifada pachtun

 

 

Artigo inicialmente publicado em 13 de abril no site Asian Marxist Review sobre as mobilizações democráticas que continuam ocorrendo em várias províncias do Paquistão.
O Esquerda Online reproduz o artigo em português publicado  pelo M-LPS (Movimento de Luta Pelo Socialismo, corrente interna do PSOL), com modificações de edição (Editoria Internacional)

 

Foto: Ali Wazir e Manzoor Pashteen no comício em Peshawar em 8 de abril

 

O grande comício de 08 de abril em Peshawar¹, convocado pela PTM (Pashtoon Tahafuz Movement – Movimento de Proteção Pachtun²) cresceu meteoricamente, acontecimento sem precedentes nos últimos tempos – e não apenas em Peshawar e na KPK³. O apagão virtual da mídia corporativa na cobertura da manifestação foi uma vergonha para a “liberdade de expressão”. Isso demonstrou claramente o conluio dos barões da mídia com o governo repressivo do país. As lideranças não só dos grupos islâmicos, mas dos partidos nacionalistas, seculares e liberais, e também dos nacionalistas pachtun se opuseram à manifestação e tentaram impedir as pessoas de comparecerem. Essa sabotagem falhou miseravelmente. Este comício foi muito maior do que os comícios dos outros grandes partidos transmitidos ao vivo nos canais de televisão ao longo do dia.

A participação das mulheres na manifestação de Peshawar foi espetacular. Isso revelou o aspecto progressivo de um povo considerado socialmente o mais conservador do país.

Massiva participação das mulheres

As mulheres foram as que mais sofreram no conflito que devastou a região por muitas décadas. A ascensão do Taleban e do obscurantismo coagiu e sufocou cotidianamente suas vidas. O deslocamento de seus lares durante as operações militares prejudicou a situação de mulheres e crianças em particular.

Depois que o governo não conseguiu levar a cabo as garantias que acabaram com o protesto em Islamabad, ressurgiu o movimento com impulso do PTM. Em sua maioria são jovens e pachtuns comuns, principalmente da FATA4. Na verdade, é uma explosão social latente por gerações contra a subjugação política e socioeconômica da região. O movimento, até agora, desafiou todas as probabilidades, agitando a sociedade do Paquistão mergulhada em uma relativa inércia. Ao desafiar a ordem estabelecida, esses jovens inspiraram milhões em toda a região.

Há certos momentos na história da evolução social em que qualquer incidente ou acidente grave pode desencadear um forte levante de massas que rompe as barreiras e destrói os obstáculos. O assassinato do jovem Pakthun Naqeebullah Mehsud em uma “batida” policial encenada em Karachi provou ser um evento cataclísmico. Já se passaram décadas desde que o caos começou com os imperialistas americanos e a Guerra Santa fomentada pelos dólares da Monarquia e Zia ul Hak (ditador militar do país entre 1978 e 1988) contra a revolução afegã de 1978. Essa política desastrosa levou à guerra de George Bush contra o terrorismo contra esses jihadistas islâmicos patrocinados que se transformaram em monstros Frankenstein. depois que os militares americanos partiram da região em 1992.

O devastador terrorismo dos fundamentalistas religiosos após isso e a operação militar do Estado paquistanês pulverizaram essa região. O movimento pachtun surgiu das ruínas e das cinzas dessa terrível guerra interna entre esses saqueadores e tiranos monstruosos, estrangeiros e domésticos. A ascensão do PTM obteve apoio e simpatia massivos não apenas em Pushtoonkhawa (Província do Paquistão), mas também em todo o Paquistão.

Suas demandas básicas são simples e diretas. Estas incluíam levar à justiça Rao Anwar e outros policiais envolvidos no assassinato de Naqeebullah; acabar com o tratamento discriminatório das pessoas comuns das áreas tribais; Acabar com as humilhações e o assédio particularmente das mulheres tribais pelas forças de segurança nos postos de controle, a recuperação dos desaparecidos sequestrados secretamente, a remoção de minas terrestres perigosas das áreas tribais e a reconstrução das suas habitações destruídas nos chamados danos colaterais durante a operação militar. O PTM também acrescentou as demandas de uma existência socioeconômica decente com a provisão  básica de alimentos, saúde, emprego e de equipamentos educacionais.

O PTM já havia realizado manifestações em massa e longas marchas em Quetta, Qila Saifullah, Zhob, Batkhela (Malakand), Landikotal, agência Khyber e várias outras cidades antes do comício de Peshawar. Seus comícios e marchas de protesto foram disciplinados e pacíficos. Em contraste com outras ‘Dharnas’ (manifestações não-violentas originadas no movimento de resistência ao colonialismo no subcontinente indiano durante a dominação britânica – NT)  e comícios da direita e partidos religiosos, a liderança do PTM assegurou que não houvesse bloqueio das estradas, obstrução de tráfego e nenhum inconveniente causado aos habitantes comuns da terra durante os protestos do PTM. .

Além das acusações de serem agentes e traidores estrangeiros, a campanha de difamação na mídia e na intelectualidade paga pelas classes endinheiradas é testemunha da potencial ameaça política do movimento que é sentida pelas forças do status quo. Os guardiões do estado e os senhores da moralidade e dos bons costumes estão apreensivos em aceitar essas exigências genuínas e simples. Atualmente, os líderes do PTM proclamam que sua luta está dentro dos limites da constituição. Mas eles permaneceram firmes com uma determinação enérgica e nenhum sinal de fraqueza na luta.

A relutância do Estado em aceitar suas demandas reflete seu medo de perder o controle dessas áreas; os britânicos o haviam imposto através de seus agentes políticos sem representação local, quase duzentos anos atrás. A outra razão principal de sua aversão é o receio de que a aceitação dessas demandas possa levar a demandas mais amplas que possam abalar as bases desse sistema socioeconômico e as estruturas de seu governo. Mas, acima de tudo, todos os estrategistas sérios  da burguesia temem que o sucesso desse movimento possa ter um efeito contagioso em todo o país, onde a repressão, a opressão socioeconômica e estatal é praticada e a dissidência também está latente em todos lados.

O movimento enfrenta sérios desafios. O estado pode escolher a repressão direta com o encarceramento ou atos mais duros contra a liderança. Esse seria um caminho perigoso para os altos escalões trilharem, já que o movimento atraiu apoio em Punjab, Sindh, Baluchistão e todas as outras regiões do país, além de sua base no KPK. Poderia haver a utilização de justiceiros islâmicos ou outros agentes descaracterizados para eliminar a liderança. Ou a possibilidade de agentes provocadores reais ou agentes de interesses externos ou internos também penetrar no movimento e fornecer um álibi para uma brutal repressão, hipótese que não pode ser descartada. Mas tais atos desesperados podem levar a situações mais extremas para o governo como um todo. Tal ato preocuparia as elites imperialistas paquistanesas – ocidentais e orientais. Interrupções ou bloqueios das próximas manifestações em massa em Lahore, Swat e outros lugares poderiam ter repercussões piores para a elite. A possibilidade de uma solução negociada não pode ser descartada. Mas mesmo se algumas das principais demandas fossem aceitas, sua implementação seria duvidosa a longo prazo. Os estrategistas da elite também estariam trabalhando na política de isolar e protelar o movimento para dispersa-lo através da exaustão e fadiga.

Ali Wazir e Manzoor Pashteen no comício em Peshawar em 8 de abril

Os sucessos iniciais desse movimento trouxeram desafios maiores para a liderança do PTM. Estes são tempos de teste para eles. Haverá difamações e denúncias. Táticas de cooptação misturadas com ameaças, intimidações e chantagens. Eles e suas famílias podem ser pressionados por serem economicamente carentes e podem ser submetidos a uma repressão gradual e furtiva. É crucial que a liderança mantenha a moral e a dinâmica do movimento. Mas também é necessário reunir um apoio mais amplo das pessoas comuns e jovens de todas as outras nacionalidades do país. A liderança do PTM deve assegurar que esse intenso e valente movimento não seja capturado por elementos ligados a interesses oportunistas estranhos ao movimento. Eles também não devem se distrair com aventureiros e pseudo-esquerdistas que possam abortar o movimento. Pessoas que se apresentam como “simpatizantes” podem levar ao desastre essa insurreição.

Este é um movimento dos oprimidos e dos despossuídos. Seus simpatizantes e apoiadores genuínos, em quem esse movimento pode confiar e naqueles ligados à luta de classes pela transformação revolucionária da sociedade. É uma luta comum dos oprimidos contra as classes opressoras em todas as nacionalidades para acabar com essa opressão, miséria e derramamento de sangue. Somente a unidade nesta luta de classes pode garantir que seus direitos sejam alcançados e que o sistema de exploração e tirania seja abolido. Este movimento iniciado pelo PTM mostrou para todo mundo, seu potencial e a capacidade das massas oprimidas de se revoltarem e lutarem nas condições mais árduas da Terra.

Lal Khan é teórico e dirigente marxista do Paquistão e editor da revista Asian Marxist Revew 

Notas

[1] Peshawar ou Pexauar é uma cidade do Paquistão, capital da província Khyber Pakhtunkhwa e centro administrativo do Território federal das Áreas Tribais.

[2] Pashtoon (Pachtuns) são uma nacionalidade com população localizada principalmente no Leste e no Sul do Afeganistão e no Paquistão nas províncias da KPK, do Baluchistão e nas áreas tribais administradas pelo governo federal.
O PTM (Pashtoon Tahafuz Movement – Movimento de Proteção Pachtun) é um movimento social pelos direitos humanos Pachtun, com base nas Areas Tribais Federalmente Administradas (FATA), KPK e Baluquistão, Paquistão. O movimento começou originalmente em 2014 como uma iniciativa para remover minas terrestres no Waziristão, afetadas pelas guerras no noroeste do Paquistão. E ganhou notoriedade em janeiro de 2018  quando iniciou um movimento de justiça para Naqeebullah Mehsud , que foi morto durante uma “batida” policial em Karachi no mesmo mês.

 

[3] Khyber Pakhtunkhwa KPK – antigamente, Província da Fronteira Noroeste – é a menor das quatro províncias em que se subdivide o Paquistão.

[4] Território Federal das Áreas Tribais, é uma subdivisão do Paquistão que não pertence a nenhuma província paquistanesa, com uma área de cerca de 27 220 km² e uma população de aproximadamente 5 milhões de habitantes