A Terra não é nossa, nós é que somos a Terra
Por: Alinne Brito, de Macapá e Gizelle Freitas, de Belém, PA
“Isso aqui é minha vida, minha alma. Se você me levar para longe dessa terra, você leva a minha vida.”
(Marcos Veron, liderança Guarani-Kaiowá morta em 2003, aos 70 anos)
Quem não lembra de quando era criança chegar em casa no dia 19 de abril com o rosto pintado e um cocar de papelão? Esse é o dia dos povos indígenas no Brasil e em vários países do continente americano. Foi nesse dia, em 1940, que delegados indígenas representando várias etnias, reuniram-se no primeiro Congresso Indigenista Interamericano, com o objetivo de discutir várias pautas após séculos de colonização.
Somos 305 etnias indígenas no Brasil, compondo uma população superior a 800 mil pessoas, em maioria concentrados na região Norte do país. Somos parte da história e sofremos com uma política “míope” que finge não nos enxergar e, por não querer nos ver, nega nossa existência e nossos direitos.
Definitivamente, não é um dia comemorativo. Na memória de cada um existe a lembrança do indígena Pataxó Galdino Jesus dos Santos, na época, com 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus em Brasília e acordou com o corpo em chamas, ação monstruosa cometida por cinco jovens de classe média. E a situação de violência somente tem aumentado. Segundo Relatório Violência Contra os Povos Indígenas de 2016, houve aumento de violência e violação de direitos em relação aos anos anteriores. Segundo a própria Relatora Especial das Nações Unidas para os direitos dos povos indígenas, em entrevista no dia 16 de outubro de 2016, “as mudanças na recente conjuntura política do país consolidaram ainda mais os interesses e o poder da elite econômica e política, em detrimento dos direitos dos povos indígenas”.
É fato que o tratamento dado aos direitos humanos dos povos indígenas pelo governo e pelo Judiciário brasileiros vem se deteriorando de forma acelerada, culminando hoje num momento jurídico de maior fragilidade, sem falar no desmonte orçamentário da FUNAI.
Os números são expressivos em assassinato. Em 2016, foram 118, sendo 106 que se suicidaram em 2017. Ainda, 735 crianças indígenas menores de cinco anos vieram a óbito em decorrência da desnutrição infantil. Os assassinatos de lideranças indígenas que lutavam pela garantia dos direitos no ano de 2017 provocaram a construção do protesto que reuniu aproximadamente três mil indígenas de diferentes etnias, ocupando a Esplanada dos Ministérios em Brasília que solicitava a retomada da demarcação das terras e a demissão de Osmar Serraglio, Ministro da Justiça. Porém, foram recebidos com forte repressão diante da maior ofensiva nos últimos 30 anos contra os direitos dos povos originários.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), há uma ofensiva anti-indígena em sua fase de barbárie racionalizada no Brasil. De acordo com o Secretário Executivo do CIMI, Cleber Buzatto, “o ano de 2018 apresenta-se como extremamente perigoso e desafiador para os povos indígenas no Brasil. Os assassinatos dos professores Marcondes Namblá Xokleng, a pauladas, e Daniel Kabinxana Tapirapé, apedrejado, nos Estados de Santa Catarina e Mato Grosso, no mês de janeiro, e a queima da base de proteção da terra indígena Karipuna, em Rondônia, e o despejo extrajudicial com práticas de tortura contra famílias do povo Kaingang, pela polícia militar do Rio Grande do Sul, em fevereiro, dão mostras inequívocas de que o patamar de violência e violações contra os povos, seus membros e seus direitos, alcançou um nível de envergadura insuportável no país”. São exemplos de 2018, mas que infelizmente não serão os últimos.
Mais um exemplo é o caso do povo Karipuna. A terra se reduz a cada dia, com invasores a lotando para venda e grilando. O território, por sua vez, vem sendo devastado por madeireiros e criadores de gado. O impacto socioambiental sofrido pelos Karipunas coloca em risco a sobrevivência e a reprodução física e cultural, posto que áreas de apropriação espiritual e fontes de subsistência estão invadidas e depredadas.
A região Norte, que concentra a maior população indígena do Brasil, também é onde se encontra a terceira maior usina hidrelétrica do planeta, Belo Monte, construída no governo de Dilma Rousseff (PT), mesmo sob fortes protestos dos movimentos sociais. Ao todo, foram 13 terras indígenas atingidas pelo empreendimento, cerca de quatro mil indígenas, sem falar os que vivem em área urbana, em Altamira. Ha diversas ações judiciais contra a usina. Uma delas, ainda não apreciada pela Justiça Federal de Altamira, por Etnocídio, que é o assassinato cultural do modo de vida das populações indígenas.
A demarcação de terras indígenas é uma reivindicação histórica, o governo de Dilma Rousseff (PT) foi muito criticado por ser um dos que menos fez nos últimos 30 anos, pelo assentamentos de reforma agrária e áreas protegidas – Terras Indígenas; Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas. Essa paralisação se deve aos acordos firmados por Dilma com a bancada ruralista.
Obviamente, o ilegítimo governo Temer também tem sua contribuição negativa a dar. Atendendo a fortes pressões da bancada ruralista, tendo à frente o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), exonerou o presidente da FUNAI – Franklimberg Ribeiro de Freitas. O argumento de tal bancada é que o atual presidente não estava contribuindo com o setor. Essa demissão ocorre há poucos dias do principal encontro indígena do país, o Acampamento Terra Livre, que acontecera de 23 a 27 de abril, com previsão de reunir cinco mil indígenas.
Há Luta, há resistência
Em meio à ofensiva dessa política anti-indigenista, no ano de 2018 o Brasil, pela primeira vez, terá uma candidata a copresidente indígena. Estamos falando de Sonia Bone Guajajara (Terra Indigena Arariboia no Maranhão), que faz parte da coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Uma mulher indígena ao lado do líder do maior movimento de luta por moradia. Apostamos que é uma campanha que vai empolgar, pela força ancestral que carrega, pela representatividade e por ser reflexo de lutas históricas.
Diante da investida da burguesia em retirar direitos e da onda neofascista que não reconhece a diversidade que constrói o Brasil, a candidatura apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade aponta uma alternativa para construir um projeto diferente para esse país, pautado na realidade de nosso povo. Sônia Guajajara, com a força dos povos originários que sempre estiveram lutando e resistindo aos ataques, traz a possibilidade concreta de ocupar outros espaços, como o parlamento, que pode nutrir as lutas pela demarcação das terras, assegurado o direito de existência, social e cultural, dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, camponesas e de pescadores.
A demarcação das terras indígenas é uma questão histórica e ainda mal resolvida. Antagônico a ela, há os interesses políticos e econômicos das elites. Daí a necessidade de ter representatividade nos territórios de decisões, que transcendam as aldeias, que enfrente a pressão da cultura machista e da exploração capitalista, para avançar empoderando outros que necessitam dar conta das provocações, tendo voz e mantendo a credibilidade junto aos nossos povos e sensibilizando a sociedade.
As mulheres são as mais atingidas com todas as medidas do governo de Temer. O avanço do agronegócio, os baixos investimentos em políticas públicas e todo contexto de vulnerabilidade de ser indígena e mulher nessa conjuntura. Tem de existir luta, tem que existir resistência, tem que se ecoar um grito de liberdade. Partir do quem somos e do fato de nos identificarmos com causas que só pertencem aos que são de nossa classe é assumir a responsabilidade de subverter a ordem desta política elitista que nos precariza.
Ser indígena não se limita ao tom de pele e ao cocar, primeiro se dá em se reconhecer como tal e garantir essa identidade a partir do que se constrói como referencial social. Reconhecer-se é um passo importante para adotar as lutas de nossos povos que, desde a colonização, amargam as imposições de um modelo que negligencia nossas diferenças, necessidades e acaba por dar continuidade às agressões, culminando em sua forma mais brutal de violência quando nos ceifa a vida.
– Contra o genocídio do povo indígena;
– Por demarcaçao das terras indígenas e quilombolas;
– Em defesa de nossas terras, rios e florestas
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