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“Todo 11 tem seu 13!”: quando o povo venezuelano derrotou o golpe de abril de 2002

Por José Carlos Miranda, coordenador nacional do M-LPS e membro do Conselho Curador da Fundação Lauro Campos

Com este pequeno artigo não temos a pretensão de fazer um balanço histórico do enfrentamento de “revolução e contrarrevolução” na Venezuela, mas relembrar um dos mais marcantes fatos da história da América Latina, a saber: o golpe de estado em 11 de abril de 2002 e o contragolpe a partir da entrada em cena das massas populares que derrotaram o golpe e no dia 13 de abril, 47 horas depois, reconduziram Chávez a presidência.

Antecedentes

Em 27 de fevereiro de 1989 ocorreu o “Caracazo”, um levante popular em repúdio ao pacote de medidas neoliberais do então presidente Carlos Andrés Pérez (CAP). O confronto teve um saldo de por volta de 1.500 populares mortos e abriu uma profunda crise no regime de dominação venezuelano em vigência desde 31 de outubro de 1958, a partir do “Pacto de Punto Fijo”. Foi um acordo entre URD, AD e Copei, principais partidos das classes dominantes, que estabelecia uma distribuição proporcional e uma alternância no poder entre esses partidos visando dar uma estabilidade à situação politicamente conturbada da história do país. Com o debilitamento da URD, estabeleceu-se o bipartidarismo.

Em 4 de fevereiro de 1992, refletindo o descontentamento e a crise aberta com o “Caracazo”, o tenente-coronel Hugo Rafael Chávez Frias, encabeçando o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR 200), tenta um golpe de estado contra CAP. O golpe fracassa e Chávez é preso. Em 27 de novembro, uma nova tentativa de golpe liderada por outros dirigentes do MBR 200 também fracassa. Pouco mais de um ano depois, em 20 de maio de 1993, um impeachment derruba CAP. Rafael Caldeira, um hábil e tradicional político da ex-Copei, é eleito presidente por uma nova sigla. Neste mesmo ano Chávez é solto.

Em 1997, com o objetivo de participar das eleições, Chávez se junta a veteranos militantes de esquerda e funda o Movimento V República (MVR). Em 6 de dezembro de 1998 vence as eleições pela frente eleitoral chamada Polo Patriótico, com 56% dos votos (na Venezuela o voto não é obrigatório). Em 2 de fevereiro de 1999 o novo governo toma posse e a primeira medida que anuncia é a realização de um plebiscito para a convocação de uma Assembleia Constituinte. O plebiscito é realizado em 25 de abril de 1999 e 70% dos votantes são a favor da instalação da Constituinte. Em julho de 1999, as eleições para a Assembleia Constituinte são realizadas e o Polo Patriótico conquista 120 das 131 cadeiras.

A Constituinte inaugura a Quinta República e, dentre outras medidas, aprova uma reforma agrária, o reconhecimento dos direitos culturais e das línguas dos povos originários, um maior controle da economia pelo Estado, fim do Senado e a transformação da Assembleia Nacional em parlamento unicameral. Também foi aprovada a convocação de novas eleições em 30 de julho de 2000, onde Chávez e o Polo Patriótico obtiveram a maioria na Assembleia Nacional.

Em novembro de 2000, a Assembleia Nacional aprova a “lei habilitante” que outorgava à presidência a prerrogativa de em alguns setores sancionar “decretos-lei” que depois seriam analisados pelo parlamento. Nos 12 meses de vigência da lei habilitante Chávez promulgou 49 decretos-leis que, apesar de suas limitações, iam ao encontro das aspirações populares e atingiam os interesses das oligarquias venezuelanas. É o caso dos decretos-leis das Terras (Reforma Agrária), da nova Lei de Hidrocarbonetos estabelecendo o controle estatal no setor de petróleo, da Lei de Pesca, dentre outras.

Em dezembro de 2001, a oposição constitui a chamada “Coordinadora Democrática”, impulsionada principalmente pela Fedecameras (Associação Nacional da Industria e Comercio), presidida por Pedro Carmona, e pela central sindical CTV (Central dos Trabalhadores Venezuelanos), dirigida pela burocracia, para pressionar o governo a rever os decretos.

No dia 11, oposição opera o golpe

Chávez manteve os decretos e, em fevereiro de 2002, decide demitir executivos da PDVSA (estatal de petróleo venezuelana) ligados a oposição, sendo substituídos por gestores da confiança do governo. Vale ressaltar que o petróleo é a principal fonte de divisas da Venezuela e mais de 90% da produção de petróleo estava agora sob controle da estatal.  Em represália a oposição convocou uma “greve geral” de 48 horas para 9 de abril, paralisando metade da produção de petróleo do país.

No dia 11 de abril, uma passeata exige a renúncia de Chávez. No meio do caminho os organizadores mudam a direção da passeata e se dirigem ao Palácio Miraflores (Palácio da Presidência, em Caracas) onde havia uma manifestação de apoio a Chávez.  Entretanto, franco atiradores disparam contra a passeata oposicionista e matam alguns manifestantes. Imediatamente as redes de televisão começam a transmitir as cenas ao vivo e apontam o governo como responsável pelos assassinatos.

Militares de alta patente exigem a renúncia de Chávez e grupos militares de assalto ocupam o canal de televisão estatal (VTV) interrompendo sua transmissão. No dia 12 de abril o general Lucas Rincón anuncia em rede nacional de televisão que Chávez havia renunciado e que Pedro Carmona havia assumido a presidência.

Carmona fez discurso de posse e suas primeiras medidas foram dissolver a Assembleia e os poderes judiciais, atribuindo a si próprio poderes extraordinários, destituindo todos governadores, prefeitos e declarando publicamente que no prazo de um ano se celebrariam novas eleições presidenciais e legislativas.

No dia 13, o contragolpe

Apesar de ter se entregado, Chávez envia um áudio onde afirmava que não havia renunciado. Em poucas horas, milhares e milhares de pessoas começaram a descer dos “barrios” (bairros populares nos morros ao redor de Caracas) e se dirigir ao Palácio Miraflores em um verdadeiro e massivo levante popular. Ao mesmo tempo, soldados leais a Chávez organizavam um contragolpe e a retomada do Palácio e a exigência da entrega de Chávez pelos golpistas.

Após a retomada do Palácio, o vice-presidente Diosdado Cabello anunciava a vitória afirmando que estava tudo normalizado e que o presidente Hugo Chávez retornaria à presidência, o que aconteceu nas horas seguintes.

O protagonismo das massas populares e do proletariado venezuelano

A história do golpe de menos de 48 horas demonstrou a capacidade e a força das massas populares e do proletariado venezuelano e como é possível a vitória e derrotar a reação mesmo nos momentos mais difíceis. Seguramente essa histórica e emblemática vitória influenciou positivamente todo um período da luta de classes no continente latino-americano.

A coragem das pessoas comuns que cercaram Miraflores e dos soldados que retomaram o Palácio, em especial os que deram a vida no enfrentamento com a enorme repressão executada pela polícia metropolitana e por bandos insuflados por lideranças da oposição, merece ser recordada. Hoje, um monumento em “Puente Llaguno” na avenida Urdeta em Caracas relembra este espetacular acontecimento.

Rememorar esse acontecimento de nossos irmãos venezuelanos, em minha opinião, é um dever para todos aqueles que lutam e constroem cotidianamente as transformações radicais na sociedade, a luta pelo socialismo. Honrar a memória dos que tombaram naqueles dias e dos que seguem nessa dura luta pela sobrevivência do processo revolucionário venezuelano sob forte pressão do imperialismo.

Aproveito para convidar todos e todas a assistirem o sensacional documentário “A Revolução não Será Televisionada”. Essas imagens “dizem” muito sobre essas dramáticas 47 horas.

Não esquecer jamais da capacidade de luta e organização da classe trabalhadora. Nela está o presente e o futuro da humanidade. Como se costuma dizer na Venezuela: “Todo 11 tem seu 13!”

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