Por Demian Melo, Professor da UFF
Essa afirmação causa arrepios em certas parcelas da esquerda socialista que, como eu, nunca apoiaram o projeto Lulista e sempre lhe fizeram oposição. Não vejo nada realista em, a essa altura do campeonato, dar um cavalo de pau e apagar todas as críticas que fizemos ao projeto Lulista. Todavia, além de militante socialista eu sou historiador e tenho compromisso com a verdade. E mesmo quem não tem esse “desvio funcional” de compromisso com a Clio(1) deveria ter compromisso com a verdade. E não houve líder operário mais influente na política brasileira na história do país que o Lula. E talvez também não tenha havido líder político mais influente nas últimas décadas que ele (mesmo quando sucessivamente perdeu eleições).
Mas o compromisso com a verdade é também reconhecer que, quando finalmente chegou no Palácio do Planalto, Lula não era mais um líder operário. Já havia se transformado num líder de massas de um partido reformista que já havia abandonado o projeto socialista há uma década. A imagem do Lula finalmente presidente não era o do líder das greves no ABC no final da década de 1970, mas do “self made man”, daquele que tinha “subido na vida”.
Mas da fase de líder operário Lula conservou a prática conciliatória. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) criado pelo primeiro governo Lula é um dos exemplos da política conciliatória. E como se sabe, Lula teve também a sorte de governar o país num período de crescimento da economia global, puxado pelo crescimento chinês e que favoreceu grandes grupos econômicos brasileiros. Isso, naturalmente, favoreceu o sucesso conjuntural da concertação social.
Conciliador, não fez nenhum enfrentamento ao grande capital, nem mesmo ao nível retórico. No fim das coisas, o Lulismo foi sempre um projeto politicamente de capitulação, uma capitulação que, de certo modo, teve um fio de continuidade da trajetória do PT do radicalismo originário à moderação mais irritante já observada na década de 1990. E o PT foi entregando tudo. Abriu mão do programa originário, abriu mão dos enfrentamentos necessários até para um projeto reformista. E quando já havia sido golpeado, e mesmo golpeado continuou a assumir a defesa do regime político realmente existente (acreditando no Congresso e no Judiciário), quando não tinha mais nada para entregar o Lulismo entregou o Lula. Foi isso que ocorreu nesse dia 7 de abril de 2018, há 40 anos da heroica greve geral no ABC paulista, onde tudo começou.
Mas eu discordo de quem viu hoje na estratégia do Lula de se entregar depois de uma missa simplesmente uma capitulação. Há muito simbolismo, que mexe com a cultura popular católica brasileira, que ultrapassa em muito o terreno da esquerda (que foi a única que lhe apoiou até o final, enquanto as classes dominantes que se serviram muito bem do banquete enquanto o projeto Lulista tinha hegemonia, não teve pudores em abandonar a mesa). Não foi simplesmente capitulação, teve emoção, teve choro, teve repercussão internacional, mas foi capitulação. Não foi só, mas foi.
A grande questão política agora é responder se a “Jararaca ainda está viva” e se Lula continuará a ser o grande eleitor em 2018. Ou será que o Lulismo como fenômeno de massas teve hoje seu ponto final?
Duvido muito que tenha acabado.
(1) Na mitologia grega é a deusa da história e da poesia heróica
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