Por: Luciana Boiteux*, do Rio de Janeiro, RJ
O triste espetáculo de ontem nos traz lições, políticas e jurídicas. O voto iluminista e indignado do grande Ministro Celso de Mello, já tarde da noite, clamava por razoabilidade, tradição, coerência e garantismo, mas a decisão já estava tomada. Para os detentores do poder, representados no sorriso sarcástico de Carmen Lucia, e sua articulação estratégica para, sabedora da ingenuidade de Rosa Weber, pautar somente o HC do Lula, e não a ADC geral, foi um julgamento milimetricamente calculado, com o apoio da classe dominante e dos neofascistas. A Constituição de 1988, marco garantista civilizatório conquistado a duras penas após a sangrenta ditadura empresarial-militar, foi rasgada sem culpa.
Basta interpretar, disseram alguns, ponderação de princípios diziam outros, valeu até invenção barrosiana do princípio da “efetividade do sistema penal” (? não tá escrito isso em lugar nenhum). Há países como a Inglaterra que nem precisam de Constituição escrita, pois seus princípios são garantidos pelo costume e pelas Cortes Constitucionais, que honram seus precedentes coerentes. Aqui no Brasil direitos são formalmente previstos em lei como cláusula pétrea mas solenemente ignorados pela maioria do STF. Quem tem esse nível oportunista de tribunal supremo, nem precisa de emenda constitucional (aliás, vedada, nesse caso). É a interpretação contra a Constituição, guiada pela baioneta, pelo “sentimento” de parte da população manipulada pela mídia corporativa e pelas fakenews sujas e subterrâneas de movimentos neofascistas.
Que “colegiado” é esse, Min. Rosa, a que a senhora se vincula? Uma decisão apertada de 2016, tornada vinculante por interesses da classe dominante para instrumentalizar a operação Lava a Jato e garantir a direita e Temer no poder? Mas felizmente Celso de Mello deu aula de história do direito, deu aula de Supremo (aprende, Barrosoooo). Indicado por Sarney, é hoje o decano e o melhor ministro do Supremo. Marco Aurelio resistiu, Levandovski tb, Toffoli é muito fraco, mas Gilmar Mendes brilhou. Com toda crítica que tenho a ele, fez meaculpa, questionou a imprensa e votou coerente a seus princípios liberais. Quisera eu que a esquerda tivesse um representante como ele no STF, mesmo com todos seus defeitos e tendo um lado político muito bem definido, votou com suas convicções liberais e sociodemocratas.
Rosa medrosa, Facchin acuado, Barroso soberbo e vaidoso, só esperava deles coerência e afirmação de direitos. Esperei demais. E o General interventor do RJ mostrou sua força, ameaçou o STF, se disse contra a impunidade. Se é assim, vamos investigar os crimes da ditadura, ou não? E só Celso de Mello lembrou de 1964 e 1967 , e colocou o general no seu devido lugar. Fomos dormir atônitos e inconformados, especialmente os professores de direito. Vergonha nacional e internacional do STF.
O que nos resta? Continuar a luta e repensar o direito e a política, questionar as ilegalidades e os absurdos supremos, sem “data venia”, porque essa maioria do tribunal não merece nem a nossa vênia, somente a nossa forte crítica. A luta continua, e não é só pelo Lula, porquê essa decisão de prisão automática só vai valer para ele e para os negros e pobres, jamais para Aécio, Temer, Jucá e afins. É uma questão de classe. A baioneta venceu essa batalha, mas a luta jurídica e política continuam.
Foto: Luke Garcia
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