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BRASIL

STF também pode julgar hoje o direito de manifestação

Supremo Tribunal Federal vai julgar se manifestações precisarão ser comunicadas e autorizadas previamente

Ana Lucia Marchiori*, de São Paulo (SP)

Está na pauta desta quarta-feira (04) o julgamento do Recurso Extraordinário 806.339, sobre o direito de manifestação. O Supremo Tribunal Federal irá julgar o alcance do artigo 5º, inciso XVI, da Constituição Federal, que exige aviso prévio à autoridade competente para o legítimo exercício da liberdade de reunião. Em um mesmo dia, o STF irá pautar o julgamento do Habeas Corpus de Lula, podendo desferir um duro golpe contra os direitos democráticos, e ainda na prática acabar com o direito de manifestação.

O tema pode vir a não ser discutido hoje – além do julgamento do habeas corpus de Lula, estão na pauta processos sobre o uso do telemarketing nas eleições e a competência da Justiça Militar no julgamento de crimes cometidos.

A questão está em discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5122,, mas vem sendo analisado há quase dez anos, após questionamento feito pela Advocacia Geral da União. A justificativa foi uma manifestação convocada pelo Sindicato dos Petroleiros de Sergipe em 01 de abril de 2008, da qual participaram diversas entidades. A Advocacia-Geral da União pediu que a Justiça impedisse a manifestação na rodovia para evitar riscos e violações ao direito de ir e vir dos motoristas. Uma liminar chegou a proibir o ato, que acabou ocorrendo do mesmo jeito. Assim, as entidades participantes foram condenadas em primeira instância a pagar multa. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a decisão.

Os ministros do STF na sua maioria já reconheceram a repercussão geral do tema no Plenário Virtual da corte, isto significa que o caso específico valerá para toda e qualquer manifestação. A Constituição Federal no artigo 5º que trata dos direitos e garantias fundamentais, tanto dos direitos individuais como coletivos diz que:

Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. (grifo nosso)

O que está em jogo é a discussão sobre o que pode ou não ser exigido de manifestantes e pessoas envolvidas em protestos públicos. A principal polêmica é que o aviso prévio deve formal, se deve ser entregue a alguma autoridade específica, se deve haver um prazo para e qual deve ser o conteúdo desta notificação. Caso o STF venha dar uma nova interpretação ao texto constitucional, exigindo autorização de autoridade “competente” para que os movimentos sociais realizem manifestações, será mais um duro golpe na democracia.

As liberdades democráticas estão em cheque. Apesar da ação ter sido originada em Sergipe, a pauta sobre o aviso prévio para manifestações é uma questão de abrangência nacional, e assim já reconheceu o Supremo com a repercussão geral do caso.

Desde as manifestações de junho de 2013, o tema tem sido palco de polêmicas. Em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública, na época chefiada pelo hoje Ministro do STF Alexandre de Moraes, travou uma batalha com os movimentos sociais, exigindo aviso prévio e até qual trajeto seria percorrido pelos manifestantes.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do Recurso Extraordinário 806.339, propôs o seu julgamento, como “leading case”, alinhando os seguintes argumentos com relação à norma constitucional em questão:

“Houve discussão acerca da norma constitucional no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.969-4/DF, relator o ministro Ricardo Lewandowski, na qual versado decreto distrital a restringir a realização de manifestações públicas em locais determinados. Na oportunidade, não foi enfrentada a problemática sob o ângulo da amplitude da parte final do mencionado inciso XVI do artigo 5º da Lei das Leis.
Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187/DF, o Tribunal limitou-se a reafirmar a relevância da livre expressão do pensamento, de maneira a afastar qualquer interpretação do artigo 287 do Código Penal que enseje a criminalização da defesa da legalização de substâncias entorpecentes. O aludido preceito constitucional, no que exige a prévia comunicação, não veio a ser diretamente abordado.
Eis tema a reclamar o crivo do Supremo, assentando-se o alcance da norma em jogo, ou seja, cabe ao guarda maior da Constituição Federal definir, a partir do dispositivo apontado, as balizas no tocante à exigência de prévio aviso à autoridade competente, como pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião, direito ligado à manifestação de pensamento e à participação dos cidadãos na vida política do Estado”.<

A Anistia Internacional emitiu relatório intitulado “Eles usam a estratégia do medo”, no qual considerou que manifestantes são enquadrados em leis totalmente arbitrárias, como no caso de manifestantes de São Paulo e no Rio de Janeiro enquadrados na Lei 12.850/2013, que trata sobre o crime organizado internacional e as milícias, por estarem se manifestando pacificamente.

A Anistia Internacional diz em seu relatório que, caso o STF hoje venha decidir pela necessidade de autorização prévia para manifestações, os manifestantes que não cumprirem esta decisão poderão ser considerados terroristas.

A Lei 13.260/2016, a Lei Antiterrorismo, foi aprovada e sancionada no final do governo Dilma e tem claro objetivo de criminalizar os movimentos sociais. Embora tenha uma excludente que trata dos movimentos sociais, o avanço da pauta conservadora no Congresso Nacional não deixou passar despercebido e está em tramitação o PL 9.604/2018, que tem por objetivo criminalizar o abuso do direito de articulação de movimentos sociais, de acordo com o texto.

Ele traz um exemplo do que seria esse abuso, que é a ocupação de imóveis rurais e urbanos. O que esse projeto de lei possibilitaria é a aplicação da Lei Antiterrorismo contra movimentos como o MST e o MTST.

Lutar não é crime!

A criminalização da esquerda e da luta é um braço fundamental do golpe à democracia no nosso país. É preciso reafirmar a retirada de direitos historicamente conquistados e o desmonte do Estado brasileiro, como está no manifesto dos juristas encabeçado por Fabio Konder Comparato, quando da prisão de manifestantes em São Paulo:

“Os direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição de 1988 foram conquistados após muita luta e resistência contra a Ditadura que arrasou o país entre 1964 e 1985. Não é possível tolerar a naturalização de práticas ilegais de repressão e criminalização de ativistas, em claro vilipêndio ao direito constitucional de se reunir e de se manifestar.”

* Ana Lucia Marchiori é advogada de presos e perseguidos políticos, Diretora do Sindicato dos Advogados de São Paulo e Membro do CASC- Comitê de Assessoramento da Sociedade Civil à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

 

AO VIVO | Julgamento do Habeas Corpus de Lula no STF