Pular para o conteúdo
Especiais
array(2) { [0]=> object(WP_Term)#20947 (10) { ["term_id"]=> int(4295) ["name"]=> string(20) "Especial Neofascismo" ["slug"]=> string(20) "especial-neofascismo" ["term_group"]=> int(0) ["term_taxonomy_id"]=> int(4295) ["taxonomy"]=> string(9) "especiais" ["description"]=> string(0) "" ["parent"]=> int(0) ["count"]=> int(69) ["filter"]=> string(3) "raw" } [1]=> object(WP_Term)#20946 (10) { ["term_id"]=> int(4350) ["name"]=> string(13) "Marielle Vive" ["slug"]=> string(13) "marielle-vive" ["term_group"]=> int(0) ["term_taxonomy_id"]=> int(4350) ["taxonomy"]=> string(9) "especiais" ["description"]=> string(0) "" ["parent"]=> int(0) ["count"]=> int(207) ["filter"]=> string(3) "raw" } }

A execução de Marielle Franco e a ascensão do fascismo no contexto do golpe de Estado de 2016

Armando Pompermaier*, de Xapuri (AC)

Por volta de março de 2015, pouco tempo após os parlamentares eleitos para a atual composição do Congresso Nacional assumirem seus mandatos, pouco depois da eleição de Eduardo Cunha como seu presidente, em um evento que visava dar esclarecimentos sobre o projeto da terceirização da atividade fim, eu me utilizei em um debate, para dar uma dimensão dos riscos que a classe trabalhadora corria então, do seguinte ditado popular: “por onde passa um boi, passa uma boiada”.

A intenção era alertar que o Congresso mais reacionário já eleito desde o golpe de estado de 1964 provavelmente utilizaria a votação deste projeto como um indicador das probabilidades de sucesso na aprovação de outros já conhecidos na previsível da pauta dos radicais do Estado mínimo neoliberal. Se não houvesse uma forte mobilização contrária, afirmava na ocasião, provavelmente vários dos pontos de pauta da agenda de ataques aos trabalhadores propostos na época do governo do PSDB, partido reiteradamente derrotado em suas candidaturas à Presidência da República nas últimas eleições, seriam aprovados nos quase quatro anos seguintes. Foi dito e feito, mas o pior é que não ficou só por aí.

Na verdade, o reacionarismo do atual Congresso acabou superando as expectativas. Depois de aprovada a terceirização irrestrita, não houve nenhuma barreira à implantação dos pontos mais emergenciais da agenda neoliberal mais radical: antes do final dos quatro anos do período, as privatizações haviam se reiniciado, as principais riquezas naturais entregues ao capital estrangeiro, uma (contra)reforma do Ensino Médio e uma das leis trabalhistas haviam sido aprovadas, cortaram e congelaram os investimentos públicos em saúde e educação por 20 anos, tendo chegado inclusive o ponto de ser dado um golpe institucional de Estado, com a deposição da presidente eleita, sem a comprovação de qualquer crime, por prática largamente utilizada por todos os seus antecessores e sucessor no poder.

Paralelamente, para observadores atentos, já era previsível também a condenação do ex-presidente Lula, reconhecido como o ex-presidente mais popular da história do país e líder nas pesquisas de intenção de voto para as eleições à Presidência de 2018, condenação esta efetuada de forma escandalosa pela seletividade dos procedimentos do Judiciário – chamada também por alguns de seus críticos de aparelhamento político-partidário deste poder –, novamente sem provas e em tempo recorde.

Como forma de tentar assegurar a continuidade dos rumos definidos pelos atuais grupos hegemônicos na política nacional, entre os projetos propostos para votação provavelmente após as eleições de 2018, já figuram agora no início deste ano um que extingue os cursos de ciências humanas nas universidades públicas, um que permite que 40% do Ensino Médio seja à distância, um que prevê a demissão de funcionários públicos efetivos caso não tenham uma produtividade que se tornará inviável devido aos cortes da Emenda 95, um que tipifica as atuações do MST e MTST como terroristas, entre vários outros de mesma orientação política.

Em meio a esses processos, o candidato à Presidência em primeiro lugar nas pesquisas, após a inviabilização da candidatura de Lula, já declarava há muito em sua companha antecipada que caso seja eleito não haverá um centímetro de terras indígenas ou quilombolas no país, que as mulheres devem ganhar menos que os homens porque engravidam, que as minorias tem que se adequar às maiorias ou desaparecer, que é a favor da tortura, que vai dar garantias para os policiais que matarem, deixando a entender inclusive que os movimentos sociais são quadrilhas e seus integrantes são bandidos, assim como que, para ele, “bandido bom é bandido morto”.

Seu vice é um fundamentalista religioso que se destaca por suas atitudes sensacionalistas que parecem objetivar a reedição dos velhos tribunais da Santa Inquisição, sendo autor de projetos como o Escola Sem Partido – que persegue e desrespeita agressivamente a categoria dos educadores –, assim como tentando criminalizar performances artísticas – que o parlamentar não tem ou finge não ter condições intelectuais e/ou psicológicas de entender –, chegando a tentar, inclusive, normalizar a exposição e humilhação pública de pessoas em sessões do Senado.

Parte considerável da direita – indo desde os neoliberais mais radicais aos neofascistas, neste contexto de uma crise econômica onde “farinha pouca, meu pirão primeiro”, além de crise institucional, onde militares exaltados dão declarações de intenções intervencionistas – já deixou claro que não vai aceitar mais uma derrota nas próximas eleições que impeçam a continuidade de seu projeto econômico, social, político e cultural de nação, cujas metas iniciais foram planejadas para serem postas em prática no mínimo pelos próximos 20 anos (convém não esquecer que o último golpe de estado da direita durou 21 anos).

A atuação do judiciário neste contexto merece certamente menção, embora acredite que não haja necessidade de tecer muitos comentários, considerando que tudo o que tem ocorrido jurídica e politicamente no país tem se dado de acordo com o que é previsto na mais perfeita normalidade jurídico-institucional, em uma visão que parece generalizada a todas as instâncias deste poder, mas vinda principalmente de suas instâncias superiores.

Por fim, entre os elementos da conjuntura descritos acima, que considero ter características suficientes para ser considerado como um processo de ascensão do fascismo, consideradas as especificidades das heranças históricas do sistema colonial que criaram as bases da sociedade brasileira e da reestruturação política neoliberal do contexto de avanço global do imperialismo, os significados da execução da camarada vereadora Marielle Franco têm que ser analisados e debatidos da forma mais precisa, séria e urgente possível, considerando que esta não representava única e exclusivamente a si mesma.

O crescimento da representatividade extremamente dedicada, competente, corajosa e carismática de uma mulher negra, lésbica, da esquerda socialista, saída de uma favela para ocupar espaços de poder, lutando contra uma intervenção militar e os abusos de poder de grupos militaristas corruptos e assassinos, foi completamente intolerável para os diversos tipos de protagonistas da ascensão do fascismo. Seu caráter de execução, a qual não se tentou de forma nenhuma dissimular, soou tanto como um aviso quanto como a certeza da impunidade, além de um incentivo a outros atos do mesmo teor. O grito de “Somos todos Marielle!” da militância de esquerda deixa já implícito o ato também simbólico da execução de sua representante, assim como de suas prováveis intenções e possíveis consequências.

Os herdeiros do século XXI da Casa Grande e de seu exército de compadres, afilhados, jagunços, capatazes, feitores e capitães do mato estão cada vez mais de prontidão, cada vez mais sedentos, mobilizados, motivados, convictos, atuantes. Suas estratégias fascistas para o ano de 2018 e 2019 dependem em grande medida da resposta dada agora à execução da camarada Marielle. Caso seja fraca, os fascistas se sentirão autorizados a intensificar sua truculência, seus arbítrios, seus desrespeitos, seus abusos, seu autoritarismo.

É no mesmo sentido de alerta que repito a frase dita em 2015, mencionada no início deste texto: “por onde passa um boi, passa uma boiada”. Caso a luta contra a ascensão do fascismo no contexto do golpe provavelmente progressivo de Estado não se intensifique e se amplie urgentemente, as consequências provavelmente serão a banalização dos assassinatos, dos fake news, das condenações sem prova, dos linchamentos públicos, dos diversos tipos de silenciamentos e assassinatos, tanto nos meios virtuais quanto físicos. Hoje não temos a desculpa de termos sido pegos de surpresa: este país já sofre vários golpes de Estado, o modus operandi dos fascistas é historicamente conhecido e seus passos previsíveis.

Em um contexto de ascensão do fascismo não basta simplesmente a resistência passiva e acovardada de uma discordância silenciosa. Tal atitude significaria, na prática, que as estratégias de silenciamento por trás das atitudes fascistas listadas acima simplesmente estão dando certo. Chegou o momento no qual os enfrentamentos se fazem imprescindíveis para a própria continuidade da resistência ao golpe e para que tal resistência tenha chance de êxito em sua luta. Portanto, precisamos tornar a execução da camarada Marielle um novo marco da luta contra a atual ascensão do fascismo, um momento de conscientização e unidade, que dê início a uma grande virada neste jogo.

Finalizo minha contribuição para o debate com uma poesia do camarada Eduardo Alves da Costa, escrita no contexto do golpe de Estado de 1964, anterior a este.

No caminho com Maiakovski

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

Marielle vive! Virou uma semente de flor plantada em nossos corações à espera da chegada da primavera para que seu sorriso floresça novamente!

Avante, camaradas!

* Armando Pompermaier é professor de História e sindicalista

 

 

LEIA MAIS

É preciso dar um basta às provocações fascistas