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MUNDO

Colômbia: Em meio ao crescimento da centro-direita, as FARC disputaram sua primeira eleição

 

Por David Cavalcante, Recife (PE)

 

Segundo país mais populoso da América do Sul, com quase 50 milhões de habitantes, a contemporânea realidade política colombiana, marcada pelo narcotráfico, guerra civil e pelo protagonismo repressivo e assassino do Estado e grupos paramilitares, não pode ser compreendida sem uma mínima aproximação do conhecimento sobre a formação social e política daquele país, cuja marca maior é uma forte presença da intervenção direta norte-americana, ao longo do Século XX, e, nestes marcos, a não superação de seu passado como país semicolonial e primário-exportador.

 

Historicamente marcada pela derrota do projeto bolivariano anti-imperialista da Grande Colômbia, liderado pelo libertador, Simón Bolívar, no Século XIX, o país andino adentrou o Século XX com várias amputações territoriais, sendo a maior delas uma faixa importante do seu território patrocinada diretamente pelos EUA. Fato que, após a chamada Guerra dos Mil Dias (1899-1902), fez gerar o enclave econômico conhecido como República do Panamá, essencialmente criado para viabilizar a construção do canal interoceânico, resultando no seu controle pelos ianques até 1999.

 

Foi no cenário da crise mundial de 1929, no entanto, que o país abriu caminho para uma relativa industrialização nacional. No aspecto político, surge a República Liberal (1930-1946) que buscou modernizar a exploração agrária abrindo espaço para companhias estrangeiras, atacando o latifúndio improdutivo em favor de relações capitalista no campo, gerando, porém, fortes conflitos armados, entre conservadores e liberais. Estima-se que naquela época houve deslocamentos de cerca de 2 milhões de camponeses, com aproximadamente 200 mil assassinatos, em razão da expropriação violenta de terras.

 

Da resistência camponesa, destaca-se o líder Pedro Antônio Marín, que ficou conhecido depois como Manuel Marulanda ou Tirofijo (tiro certeiro), dirigente fundador da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), organizada nos anos 60, entre outros grupos guerrilheiros (M-19, ELN, EPL, etc) que atuariam posteriormente no país, nas décadas seguintes.

 

Entre os anos 1940 e 1950, as frações burguesas se enfrentavam de forma violenta e após acirradas disputas, também armadas, entre liberais e conservadores, cujo ápice foi o assassinato do candidato liberal à presidência, Jorge Gaitán, em 09 de abril de 1948, que gerou a revolta do Bogotaço, onde morreram ao redor de 180 mil pessoas.

 

Nas décadas seguintes de 1958 a 1974, os liberais se afastaram dos movimentos guerrilheiros e garantiram, em coligação com os conservadores, um pacto chamado Frente Nacional. Este regime possibilitou a alternância na presidência e a repartição paritária de cargos no aparelho de Estado. Eram os anos subsequentes à  Revolução Cubana de 1959 e da principal política imperialista para a região, denominada Aliança para o Progresso, articulada para afiançar a influência norte-americana na América Latina.

 

Os narcos e a política da coca do DEA-USA

 

As políticas da Frente Nacional recrudesceram os conflitos no campo, pois aumentaram a concentração fundiária e a expropriação dos pequenos camponeses que, no princípio, formaram as bases sociais para o fortalecimento dos grupos guerrilheiros. Ocorre que, nos anos 1980, também se expandiu o tráfico de cocaína, base econômica para a formação dos famosos cartéis de Medellín e Cali que inundaram o mercado de Nova York e Miami com a venda de coca que, por sua vez, enriqueciam os carteis com os dólares norte-americanos.

 

O poder crescente do maior traficante do país, Pablo Escobar, com enfrentamentos acirrados entre os bandos dos cartéis, com centenas de mortes à luz do dia, e entre estes e as forças militares do Estado, deixaram surgir, com a conivência do governo e da DEA-USA, as forças de extermínio paramilitares de extrema direita associadas ao narcotráfico. A mais conhecida delas foram as Autodefesas Unidas de Colômbia-AUC, que conseguiram derrotar o Cartel de Medellín e depois iniciar a caça às FARC.

 

Era o período da Guerra às drogas iniciado pelo governo Reagan nos anos 1980 e levada ao paroxismo pelo  governo de George Bush. Ela foi o pilar para o chamado Plano Colômbia, em que, somente entre os anos 2000 e 2008, os EUA garantiram, entre armamentos, treinamentos, fornecimentos de armas e equipamentos, cerca de 1,3 bilhões de dólares. Seu objetivo era o de “combater o tráfico”, mas principalmente derrotar os movimentos guerrilheiros, incluindo-se aí a fumigação de plantações nas terras camponesas com drásticas consequências ambientais e sociais, arruinando a agricultura de pequenos agricultores.

 

A decadência e o desarmamento das FARC

 

Nos anos 2000, estima-se que as FARC, então maior grupo guerrilheiro do país, chegaram a organizar cerca de 18 mil membros e influenciar e/ou controlar aproximadamente de 20% a 40% do território colombiano. A ofensiva do Plano Colômbia se somou ao peso das dificuldades materiais de sustentação de 5 décadas de um movimento armado. O isolamento propiciado pelas ações “exemplares” isoladas sem apoio de massas, em particular nas cidades, levou à criação de um fosso entre a guerrilha e a grande maioria da população, inclusive em setores do campo. (sempre usou métodos militares e terroristas permanentes que atingiram suas próprias bases sociais). Isso se somou ao fracasso das primeiras negociações para desarmamento, no governo conservador-populista de Andrés Pastrana (1998-2002), abriram caminho para que o ultrarreacionário, Álvaro Uribe (2002-2010), crítico de Pastrana e dos acordos de desarmamentos, desencadeasse a maior ofensiva militarista contra os movimentos de guerrilha em ações conjuntas com os EUA.

 

As FARC foram perdendo cada vez mais território e efetivos, chegando a cerca de 7 mil membros, com cada vez menos bases sociais, menos apoios externos devido ao contexto global e perdas militares que incluíram a morte dos principais dirigentes em combate, sem falar das acusações de associações ao narcotráfico e do apoio que Uribe obteve devido às ações de sequestros da guerrilha e às milhares de mortes e refugiados, sempre bem aproveitadas pela propaganda governista.

 

Esta ofensiva se deu no marco de um quadro histórico de mais de 50 anos de movimento armado e do esgotamento do tecido social em que se baseava. O saldo aproximado foi de 220 mil mortos, sendo a maioria civis, 25 mil desaparecidos, 30 mil sequestrados e cerca de 6 milhões de deslocados internos. Estima-se que deixou um total de 8 milhões de pessoas vítimas do enfrentamento entre os grupos guerrilheiros, os paramilitares, os cartéis e o Exército.

 

Neste cenário, o novo governo de Juan Manoel Santos (2010) e o Comandante Timochenko, assinaram no dia 26 de setembro de 2016, um acordo de desarmamento, após 4 anos de negociações, para pôr fim ao conflito armado e assegurar a vida política das FARC como partido político legal. Tal acordo, quase foi para o ralo ante uma derrota no referendo de 02 de outubro do mesmo ano, em que a extrema direita dirigida pelo ex-Presidente Uribe pregou o NÃO ao acordo, vencendo por 50,24% dos votos.

 

11 de março 2018: as primeiras eleições legislativas depois do Acordo de Paz

 

Ocorre que no primeiro teste eleitoral das FARC (agora Força Alternativa Revolucionária do Comum), ocorrido em 11 de março último, as mesmas obtiveram menos de 1% dos votos, um parco resultado que garantirá apenas as 5 cadeiras do Senado e as 5 da Câmara, devido à reserva de vagas asseguradas como parte do Acordo do desarmamento. Além do mais, a centro-direita obteve uma vitória importante nas duas casas legislativas o que faz com que a consolidação do Acordo seja uma interrogação.

 

O parlamento colombiano é bicameral, tendo o Senado 107 cadeiras, das quais a centro-direita somada obteve 75% e a extrema-direita, isolada, ficou com 50 cadeiras, e toda a esquerda alcançou 24 cadeiras. A Câmara de Deputados, possui 171 cadeiras, sendo que a centro-direita somada obteve 85% e a extrema-direita, sozinha, 83 cadeiras, e toda a esquerda atingiu 18 cadeiras, apenas. Tais eleições são preliminares das eleições presidenciais que ocorrerão no mês de maio, oxalá tal quadro não permaneça à sombra do velho fantasma reacionário.