Últimas palavras, de quem? Para quem?
Kelly Adriane de Campos*, do Rio de Janeiro (RJ)
No dia 16/03/18, o Jornal do Brasil publicou em primeira página um artigo de autoria de Marielle Franco, que segundo o jornal, fora enviado horas antes de seu assassinato. O artigo escrito por Marielle é contundente ao afirmar que “as mortes na favela têm cor, classe social e território”. E que a “sensação de segurança” a partir da intervenção não passa de um discurso político-midiático.
Ao final do artigo, como uma nota de rodapé chamando a leitura do editorial, está escrito que por “por ela” (referindo-se à Marielle), aguardavam os bons resultados da intervenção e que aqueles que ela achava que eram vítimas da intervenção, seriam os beneficiados. No editorial, o jornal polidamente nega tudo que foi dito por Marielle em seu artigo, afirmando todos os bons e corretos motivos para a realização da intervenção, de forma escancarada.
O que surpreende é que não há questão em aberto, há uma afirmação clara e o posicionamento do jornal a favor da intervenção e em resposta ao artigo. Apresentam então, uma “pegadinha” no enunciado do artigo, diria até, uma falsa questão. Pois não se trata ali das “Últimas palavras de Marielle”, mas sim que a última palavra é a do próprio jornal, do editorial e do que está para além da certeza absoluta de que a Intervenção traz bons resultados. Bons resultados, para quem?
Sendo assim, o que supostamente seria dar voz e palavra à Marielle através da publicação do artigo, o Jornal do Brasil faz uma inversão, fazendo prevalecer “a sua própria verdade”, e o que interessa a eles próprios. Portanto, as palavras, o artigo escrito por Marielle, se transfigura na manipulação da palavra feita pelo editorial, que não suporta o que deveria ser a função do jornalismo: fazer ressoar a palavra de quem se colocou à trabalho, escutando, fazendo circular a palavra entre muitos, dando voz aos diferentes segmentos e movimentos. Vozes que não costumam ser escutadas e Marielle levou às últimas conseqüências, pagando um preço alto, com a própria vida. Mas não deixou de dizer o que era preciso dizer. Fez a palavra dela própria e de tantos outros ecoar, não se acovardou e seguiu corajosamente.
Portanto, o Jornal do Brasil, o seu editorial, está a serviço de quem? De quem é a última palavra?
“Não te aflijas com a pétala que voa:
Também é ser deixar de ser assim.
Rosas verás só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando em mim.
E por perder-me é que vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.”
(Cecília Meireles)
* Kelly é musicoterapeuta e psicanalista, e trabalhadora da rede de saúde mental do município do Rio de Janeiro.
LEIA O ARTIGO DE MARIELLE
Comentários