Por Alexandre Velden, do Rio de Janeiro, RJ
O Rio de Janeiro estremeceu desde que a intervenção militar e federal de Michel Temer foi decretada no dia 16 de fevereiro. Ao longo do Carnaval, anunciado pela mídia como da “alegria” e da “insegurança”, imagens de assaltos e arrastões em Copacabana foram repetidas inúmeras vezes, preparando o clima da “necessidade de intervenção”. Passado a festividade, outras imagens surgiram, não pela televisão, mas no cotidiano dos moradores das favelas cariocas: o “fichamento” para ir e vir de seus bairros, a revista a mochilas de crianças a caminho de suas escolas, diversos casos de abusos e barbaridades cometidos pelas forças militares. No entanto, a intervenção também veio acompanhada de repúdio e respostas a essa política de segurança que criminaliza as favelas e sua população, que militariza o cotidiano dessas comunidades e que não mexe com as estruturas econômicas do tráfico e do crime. A resistência cresce a partir de diversas iniciativas e atividades encabeçadas por movimentos populares, associações de moradores, partidos, parlamentares e organizações contrárias à intervenção.
O Esquerda Online conversou sobre a intervenção militar e a necessidade de “caminhar sem medo de construir a esperança”, com Xaolin da Rocinha, morador da favela, liderança comunitária e construtor do Movimento Popular de Favelas.
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Esquerda Online – Ao contrário do que Temer e os meios de comunicação dizem, sabemos que as intervenções e operações “especiais” nas favelas cariocas não trazem mudanças significativas para a população desses territórios. Quase sempre são mega-operações midiatizadas, que causam grande alarde, mas não significam nem mais segurança nem melhoria na vida das pessoas que residem nas favelas. Isso nos faz pensar que há muitos interesses e necessidade de agentes externos a esses territórios, que pouco ou nada se preocupam com a vida dessa população. Para você o que está por trás dessa operação e o que justifica a aposta em uma operação de enorme custo financeiro e social?
Xaolin – Na minha análise, a intervenção tem mais de um viés, vou me ater ao principal. Na verdade, ela é um “plano B” que poderia não ter ocorrido caso passasse a reforma da previdência pelo governo Temer. Penso assim, por que a reforma da previdência estava sendo muito pressionada pelo “mercado”, pelos banqueiros, pelos industriais, a elite, que também é externa. O “mercado” também estava assustado com a caminhada pró Bolsonaro na população, que cresceu com a pauta “anticorrupção” com um discurso moralista e até fascista. O “mercado” e a grande mídia precisavam de uma alternativa. Esse jogo de 2 a 2 com o PT e o PSDB já não interessa muito ao mercado. Conciliar. Eles não querem mais conciliação. Foi quando perceberam que a reforma da previdência não passaria porque os parlamentares não queriam se queimar, porque o discurso da esquerda “se votar não volta” colou. Daí o mercado e a grande mídia, junto com o Temer, o general Etchegoyen e o Moreira Franco – que é o grande mentor para mim dessa operação – fizeram uma jogada de mestre.
Então criaram algo novo, que é mais do mesmo. Essa intervenção militar que impactou o Brasil inteiro. Obviamente, com o auxilio da mídia, repetindo as mesmas imagens de violência de Copacabana. Então, colocou-se esses golpistas na pauta política eleitoral novamente. Agora eles se fortalecem. O próprio PMDB, não o do Sérgio Cabral (com Picciani e sua turma), mas o PMDB do Moreira Franco, que não sabemos ainda direito quem são.
Nesse sentido, é uma grande jogada política e uma nova perspectiva para o mercado. Tira o Bolsonaro do tabuleiro, que é muito reacionário, “porra louca” e coloca quem eles querem. O Temer fazia as reformas que o “mercado” queria, e isso fazia a popularidade dele diminuir, mas com a intervenção ele volta à pauta política. A reforma da previdência não passa agora, mas pode ser feita lá para frente por eles, por Temer ou alguém indicado, alguém de interesse dos partidos da direita tradicional (PMDB, DEM), da direita que não quer conciliar mais. Com essa falsa luta contra a corrupção, a população colocou todos no mesmo balaio, direita e conciliadores. Por isso é preciso surgir algo novo. O algo novo tem que ser a resistência da esquerda que não quer conciliar e sabe que é preciso construir o processo revolucionário que não está dado.
EOL – Já são mais de três semanas de intervenção. Ao longo dessas semanas, diversas iniciativas e reuniões ocorreram a fim de discutir o tema e articular uma resistência e resposta política contra a intervenção. Como você avalia essa resposta e o que se pode esperar dessa articulação de resistência?
Xaolin – Em minha visão, surgiu um novo processo em disputa, a partir da resistência do Rio de Janeiro, para quem o Brasil todo está olhando. Na minha leitura, os outros estados estão observando se a intervenção “dá certo”. Se “der certo” pode-se jogar a intervenção para outros estados, para eleger novos governadores. Se “der errado” vai ser devido à nossa luta e resistência. Da unidade da esquerda, das favelas, das periferias, com a unidade dos partidos de esquerda e movimentos sociais de luta. Está sendo construída uma resistência a partir desses movimentos.
Ouve uma atividade da Frente Brasil Popular, esperamos a Povo sem Medo puxar uma agora, de preferência dentro de uma favela. Também é muito importante o grupo de trabalho Favelas e Direitos Humanos que surgiu na ALERJ através de uma audiência pública. Fizemos atividades também na Maré e outras favelas. Mas é preciso ter clara a necessidade de unificar todas as forças com o protagonismo da favela para fazer a resistência.
Mas também, despontar pela esquerda um candidato que faça um contraponto ao Temer, um candidato que esteja fora da conciliação e junto à camada popular. Acho que esse candidato está sendo construído, o Guilherme Boulos. Esse é o momento propício para se lançar, ir nas favelas, se apresentar para a população. Uma roda de conversa na Rocinha, receberíamos com maior prazer, um rodão de conversa, misturando o asfalto e a favela. Se a intervenção der certo, Temer vai se candidatar ou escolher quem vai. O Jungmann já deve ter transferido o título dele para o Rio de Janeiro pensando no governo do Estado. Eu torço para “dar errado”, não no sentido de que a população sofra com ela. Mas no sentido de que a intervenção é um paliativo para a população, e quando a população reconhecer que isso é um jogo político, a intervenção está dando errado.
EOL – Quando se fala sobre os “problemas da favela”, muitas vezes coloca-se que ela não precisa de mais intervenção policial, mas sim de investimentos sociais. E sabemos também que esses investimentos não surgem, porque é de interesse de determinados grupos econômicos e de poder que a população da favela continue na situação econômica e social atual. Para você, o que a favela precisa e quais os caminhos para sua mudança?
Xaolin – Existe um senso comum dos governos, da população no geral e mesmo dos que trabalham nas favelas como ONGs, professores, assistentes sociais, entre outros, de que a favela precisa de saneamento básico. Sim, toda favela precisa. Ventilação e luz natural nos becos, educação digna, integral e de qualidade. Sem dúvida. Saúde sem precarização, como infelizmente a Prefeitura do Rio do Crivella está fazendo e como ocorre em toda Baixada e outras regiões do estado. A favela precisa disso tudo.
Mas a grande necessidade é a transformação da favela num espaço no qual o morador não seja discriminado, nem a favela seja criminalizada. Um bairro de trabalhadores, como qualquer outro. Também é preciso dar opções de trabalho para essas pessoas. Ter uma reforma econômica que traga qualidade de vida, mobilidade urbana, casa própria. Hoje a favela é assim com seus problemas, porque o sistema quer que continue assim, que a doméstica não vire doutora. O certo é uma transformação classista, mas para isso é preciso se preparar.
E isso ocorre também elegendo alguém que queira preparar. Um candidato que venha da área popular, que representa aquela classe, que não concilie. É preciso pensar também como se da à formação política nas favelas. E tudo isso não tem jeito sem revogar as reformas que os golpistas fizeram, da reforma do ensino à reforma trabalhista. A esquerda hoje deve seguir esse caminho, conversando com as favelas, construindo um candidato não conciliador. É preciso construir um pós-lulismo a partir desse 2018. Boulos pode representar uma boa esperança que infelizmente as pessoas andaram perdendo com a triste situação da economia e da política. É preciso unificar isso também com o campo e suas lutas. O lulismo perdeu espaço em meio à corrupção generalizada, principalmente na parte da população que é mais necessitada. Mas surgiu uma nova esperança. É preciso construir a esperança. Precisamos caminhar sem medo de construir a esperança.
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