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EDITORIAL

A impossibilidade da Greve Internacional de Mulheres é exatamente o motivo dela ser tão necessária

Tradução: Lara Lima
Revisão Paula Farias

Sabemos que o Dia Internacional das Mulheres surgiu da luta das trabalhadoras, aquelas que vieram antes de nós e lutaram por Pão, Paz e Rosas, por melhores condições de trabalho e de vida e conquistaram muitos direitos que temos hoje. É uma data que marca nossa luta política historicamente, por isso é muito importante ver esse movimento crescer a cada ano.

Em 2017, nos unimos em uma greve internacional, demonstrando o poder da nossa mobilização enquanto classe. Dissemos não às reformas do governo Temer, expusemos o caráter exploratório dos trabalhos de reprodução da sociedade e de cuidado, trabalhos que são exercidos em maioria por mulheres. Pedimos o fim da violência e a legalização do aborto.

Este ano estaremos novamente nas ruas com nossas bandeiras.

Somos diversas e muitos debates importantes fizeram parte da construção desse rico 8 de março, que colocaremos nas ruas na próxima semana. Aproveito este momento para resgatar este texto, que foi publicado nas vésperas da grande Greve Internacional das Mulheres do ano passado (2017), para contribuir com uma das discussões que estamos trazendo para este dia.

Por uma greve internacional de mulheres!
#EuParo #Feminismopara99% #Parodemujeres #Greveinternacionaldemulheres #womenstrike

POR CAMILLE BARBAGALLO

A greve internacional de mulheres é impossível. Realmente impossível. Mas sejamos claras – sua impossibilidade é precisamente porque é uma das coisas mais importantes que deve ser feita. A impossibilidade da greve de mulheres não é porque uma greve de mulheres não é uma “greve de verdade” (você sabe, quando os sindicatos abandonaram as fábricas), também não é importante por ser apenas para “mulheres privilegiadas”, ou por “mulheres desprivilegiadas” não poderem parar. A impossibilidade aparece quando confrontamos a realidade do trabalho da mulher e o significado de greve hoje.

O timing da greve internacional de mulheres coincidir com o Dia Internacional das Mulheres é um poderoso lembrete da nossa história. Em primeiro lugar, as mulheres sempre trabalharam – às vezes não recebemos um salário pelo trabalho que fazemos. A história do Dia Internacional das Mulheres, começando com uma greve de trabalhadoras da indústria têxtil, muitas delas imigrantes, em Manhattan, em 1908, nos força a confrontar a imagem fácil do homem no trabalho e a mulher em casa nos lembrando da centralidade do trabalho das mulheres para o desenvolvimento da produção capitalista, e que as mulheres sempre lutaram e entraram em greve. Não apenas por melhores salários e condições de trabalho, mas também, como milhares de mulheres grevistas Russas fizeram em 1917, por Paz, Pão e Rosas.

Por muitos anos, o Dia Internacional das Mulheres vem sendo separado da sua história radical, tendo sido capturado por um particular tipo de feminismo – alguns chamam de “feminismo branco”, outros de feminismo corporativo ou neoliberal. Foi-nos dito para “comemorar” ser uma mulher, para ver todos esses avanços que “nós” conquistamos, como o “girl power” e toda a inclinação para “ir em frente” no mundo do trabalho. Nas últimas décadas, talvez tenhamos uma reunião programada para um fim de semana por ano, na melhor das hipóteses. A igualdade de gêneros foi reduzida a uma conversa sobre as diferenças salariais entre homens e mulheres e a colocar mais mulheres em cargos de poder.

Porém, durante todos esses anos também há muitas de nós que temos sidos críticas a esse tipo de feminismo – trazendo à luz que esses “ganhos” não têm sido distribuídos igualmente, e que, para o feminismo ser parte da solução, precisa ser anti-racista, anti-colonial, anti-capitalista e inclusivo para trabalhadoras do sexo e mulheres trans, e que ele tem que trazer a desigual distribuição do trabalho reprodutivo e a realidade das mulheres trabalhadoras para o centro do que queremos dizer quando falamos sobre trabalho das mulheres.
Vale a pena repetir. Mulheres sempre trabalharam, mas às vezes (talvez na maioria das vezes) nós não somos pagas pelo trabalho que fazemos. Como lavar os pratos, fazer sexo, ler uma história de dormir para uma criança pequena ou lembrar do aniversário da sua mãe e lembrar de mandar o cartão a tempo. O que todas essas atividades têm em comum é que são trabalhos que podemos entender como reprodutivos.

Trabalho reprodutivo – que pode ser pago ou não pago – é todo trabalho que fazemos (maioria mulheres) que faz e refaz as pessoas, diariamente e intergeracionalmente. A divisão de trabalho por gênero significa que na maioria são mulheres que fazem esse trabalho em casa e quando vão para o trabalho. E como todo trabalho que acontece sob o capitalismo, é trabalho que envolve conflito, luta, violência, exploração e expropriação. No capitalismo, reproduzimos seres humanos como força de trabalho. Produzimos pessoas como trabalhadores. Nós os reproduzimos como sujeitos de classe que são disciplinados, educados, qualificados e moldados – para “saber o seu lugar”, seja um gerente, uma mãe ou trabalhar feito um cão para outra pessoa por menos de um salário mínimo.
Mas quando falamos de reprodução é crucial que também consideremos o potencial radical, a luta com questões de trabalho e da vida. As decisões e escolhas que tomamos em como conceber, o nascimento (ou não), a criação e a educação de nossas crianças, o cuidado com nossos idosos, controle de nossos corpos, organização de nossas famílias. Famílias e relacionamentos são cruciais em imaginar e praticar novos e emancipatórios modelos sociais que sejam livres de opressão colonial e racial, exploração capitalista e controle patriarcal.

Quando trazemos essa compreensão do trabalho reprodutivo para esta conversa sobre greve – o que pode ser entendido de forma útil como retirar o trabalho das atuais condições capitalistas de produção e reprodução, que é o que o atual apelo à greve de mulheres está nos desafiando a fazer – a impossibilidade da greve torna-se mais visível: quando se trata de uma grande quantidade de cuidados e trabalho doméstico (remunerado e não remunerado), este trabalho não pode parar.

Claro, podemos nos recusar a fazer trabalho doméstico por um dia ou dois, mas quando se trata de cuidar das crianças e dos idosos, o fato do trabalho reprodutivo ser o que nos mantém e aqueles que amamos ou somos pagas para cuidar, significa que o trabalho reprodutivo não pode ser recusado. Sob as atuais condições do capitalismo, o trabalho reprodutivo só pode ser redistribuído por processos de mercantilização ou a outra pessoa não remunerada.

Trazendo de volta uma política que confronta o trabalho das mulheres tanto em sua capacidade produtiva e reprodutiva, somos capazes de confrontar a impossibilidade do trabalho das mulheres com algo mais: a demanda de reorganização não apenas da produção, mas da reprodução. O capitalismo depende e necessita de trabalho reprodutivo não remunerado e nosso trabalho de cuidados. Temos que atacar o sistema que exige e depende de nossas vidas serem valorizadas de forma diferente ou de nosso trabalho não sendo avaliado de nenhuma maneira. Por esta razão, a libertação pela qual estamos lutando nunca pode ser alcançada dentro do capitalismo. Nós temos que recusar coletivamente a continuar oferecendo nossa mão de obra, nossos serviços e nossos cuidados àqueles que buscam apenas manter seu poder e lucros.

Nós paramos para tornar nosso poder visível, paramos para vencer.

*Camille Barbagallo é membro do Plan C* e uma feminista, mãe, militante e pesquisadora (não necessariamente nessa ordem) atualmente vivendo no campo inglês.

**Plan C é um movimento que existe para organizar para além e contra o capital. Uma ferramenta para o desenvolvimento dos movimentos sociais, e estão organizados em diversos grupos pela Inglaterra.

***Esse artigo foi publicado primeiramente em 6 de março de 2017 no Novara Media It Is Time – #Feminism4th