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BRASIL

Esporte é política, caro Leifert

Reinaldo, jogador do Atlético Mineiro, comerando um gol com o gesto dos Panteras Negras

Reinaldo, jogador do Atlético Mineiro, comerando um gol com o gesto dos Panteras Negras

Por Mariana Vantine* e Bernardo Pilotto**, do Rio de Janeiro (RJ)

O artigo de Tiago Leifert, apresentador de programas de grande audiência da Rede Globo, no site da revista GQ Brasil, que afirma que esporte e política não devem se misturar, é fruto de uma opinião conservadora e liberal sobr o que é esporte e também do que é política.

Mas, antes de desfazer os argumentos de Leifert, é preciso dizer que seu artigo é uma resposta à crescente politização dos atletas, tanto no Brasil quanto no mundo. O que parece é que Leifert se sente acanhado com essa “onda” e por isso resolveu escrever para mostrar como essa “onda” estaria errada.

Logo no início de seu texto, o apresentador global tenta ganhar a simpatia de todos os leitores e por isso faz críticas a execução do hino nacional antes das partidas de futebol. Mas na sequência já demonstra uma visão liberal do que é o esporte, ao afirmar que considera errado que uma Assembleia Legislativa “interfira no rito esportivo”.

Nós temos uma visão oposta: consideramos que as Assembleias Legislativas (e demais instâncias do poder público) tem o direito (e o dever) de opinar e regulamentar sobre os ritos esportivos. É importante que o poder público delimite regras sobre os direitos dos atletas e demais trabalhadores dos eventos esportivos, por exemplo. Lembramos aqui da Lei nº 13.748/09, de autoria do deputado estadual Raul Marcelo (PSOL-SP), que obriga os clubes de futebol profissional a assegurar a permanência e frequência escolar aos seus atletas menores de 18 anos, sob pena de multa e desligamento das competições oficiais no Estado de São Paulo.

Depois, Leifert traz o exemplo de Colin Kaepernick, jogador da NFL (liga de futebol americano dos EUA), que está desempregado após protestar, durante a execução do hino nacional, contra o extermínio da população negra de seu país. Ao invés de denunciar a demissão como uma atitude persecutória da direção do time, Leifert se limita a dizer que isso é a prova de que misturar política e esporte “dá ruim”. Ele quase comemora a demissão de Colin.

Após os dois exemplos, Leifert traz seus argumentos. Para ele, o fato do jogador estar vestindo uma camiseta de um clube não autorizaria a ele demonstrar uma opinião que é individual. O esporte seria também um momento de paz, de não se “importar com nada”. Ter política num jogo de futebol seria como sua pizza de sexta-feira a noite vir com palavras de ordem desenhadas no catupiry (!!!).

Acontece que o esporte não existe no vácuo
O esporte não é uma bolha, ele é parte de nossa sociedade. Ele está, portanto, inserido em todo um contexto de lutas na sociedade. O fenômeno futebol no Brasil, por exemplo, surgiu da luta de classes. Sim, já que se esse esporte chegou ao país apenas como um hobby de elite e só conseguiu se tornar um esporte de massas a partir da luta dos operários para conseguir jogar nos times e ocupar as arquibancadas. Não podemos esquecer também, que nossos craques, como Pelé, Garrincha, Jairzinho, entre tantos outros, nem sonhariam em ser jogadores se não fosse a luta contra o racismo, já que no início da história do futebol brasileiro os negros eram proibidos de serem atletas de futebol.

A participação política é, portanto, um direito dos atletas. E é muito saudável que eles aproveitem a repercussão que o esporte tem para levantarem bandeiras e demandas que muitas vezes são ignoradas pelos governos e pela sociedade.

A verdade é que o esporte, assim como a sociedade num geral, precisa cada vez mais de pessoas engajadas. Infelizmente, ainda temos muitos atletas LGBTs que não se sentem a vontade de se assumir, ou ainda LGBTs que sequer se interessam e se envolvem no meio esportivo, por encontrar um ambiente altamente opressor e refratário. Se começar a surgir posicionamentos por essa luta, certamente essa realidade irá mudar. E as mulheres? Seria justo não se posicionar diante da diferença salarial e de premiação entre atletas homens e mulheres? Ficarem caladas diante de assédios e estupros? É essencial que as atletas se posicionem contra a cultura machista na qual o esporte está inserido.

Os valores do esporte também são políticos
Mas, para além das relações do esporte com a sociedade, é preciso ainda dizer que o esporte em si também é política. Isso porque os esportes trazem alguns valores junto consigo. Nas atividades esportivas podem ser ensinadas relações de amizade e camaradagem, por exemplo.

E, numa sociedade pautada pelo individualismo e pela competitividade, sabemos que tais valores são também um posicionamento político.

Se no esporte de alto rendimento o investimento é baixo, a valorização do esporte enquanto uma atividade cotidiana, é ainda mais complicada. No Brasil e na maioria dos países por aí, é valorizado apenas o esporte que pode gerar medalhas olímpicas e vitórias internacionais (no caso do Brasil, nem esse muitas vezes é valorizado). Nessa concepção, parece que só os muito bons tem direito a praticar o esporte.

Entendemos que o esporte deve ser visto de forma diferente: como algo cotidiano, para todos e todas, possibilitando inclusive uma vida mais saudável. Infelizmente, é raro ter por exemplo, espaços públicos para a prática de esportes, sobretudo nas periferias.

A política é a forma de mudar a sociedade
Ao deixar de debater os problemas de nossa vida e nossa sociedade (o que se chama de política), estamos sendo contribuindo para que esses problemas não sejam alterados. Por isso o texto de Leifert representa uma visão conservadora, pois na prática ele colabora para que tudo permaneça como está.

E essas diferenças e problemas sociais existem mesmo nos momentos de lazer. Pois há aqueles que têm direito ao lazer e a prática esportiva e há outros tantos que não tem esse direito, seja porque não podem pagar, ou porque estão trabalhando (na dupla e tripla jornada doméstica e/ou em empregos precários).

Há aqueles que podem pedir uma pizza com catupiry e há aqueles que nem esse direito tem.

 

*Mariana Vantine – Graduanda no curso de Economia da UFRJ, membro do Football Collective e militante do RUA – Juventude Anticapitalista

**Bernardo Pilotto – Sociólogo formado pela UFPR.

Foto: O jogador Reinaldo comemorando um gol com a camisa do Atlético Mineiro e erguendo o punho, como na saudação dos Panteras Negras

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