Gustavo Sixel*, da redação
Várias torcidas de clubes argentinos – conhecidas por músicas que empurram o time durante o jogo – começaram a incluir em seus repertórios uma canção de xingamentos ao presidente. Começou no dia 02 de fevereiro, quando torcedores do San Lorenzo (conhecido como o time do papa Francisco) e do Boca Juniors fizeram um grande protesto contra o presidente Mauricio Macri. Prosseguiu no estádio do River Plate, com o empate com o Godoy Cruz. Em ambos os jogos, falhas na arbitragem – incluindo um penâlti não marcado – contribuíram para aumentar o tom dos protestos.
E o coro se repetiu mesmo em partidas sem questionamentos aos árbitros, virando o “hit do verão”. Nas semanas seguintes, o xingamento foi cantado por torcedores do Independiente, do Chacarita, San Martin, Belgrano. No estádio do Huracán, em Buenos Aires, faltou luz por 20 minutos durante o segundo tempo. A torcida não deixou passar e começou a insultar o presidente, que governa o País desde 2015.
Veja os protestos nos estádios
O fato de as torcidas organizadas terem liderado o início dos protestos tem sido visto como um reação a tentativa de aproximação do governo com a AFA (Associação de Futebol da Argentina). Do seu lado, o governo Macri tenta atribuir os protestos a líderes oposicionistas peronistas, que estariam “infiltrados”. Ou a sindicalistas, como um líder dos caminhoneiros que teria influência junto a uma das torcidas.
Apagando o incêndio com gasolina
Nesta semana, a polêmica ganhou novo impulso, com a declaração do secretário-geral do Sindicato dos Árbritos de Futebol (SADRA), Guillermo Marconi, de que estariam analisando suspender a partida, quando a torcida começasse a insultar o presidente. A associação estaria analisando se, legalmente, o gesto da torcida poderia ser enquadrada como ato de discriminação. Neste caso, poderiam parar as partidas, como já ocorreu, diante de agressões verbais contra bolivianos, paraguaios e a comunidade judaica. Em 2012, um clube chegou a perder um ponto, em função das músicas discriminatórias cantadas pela torcida.
O juízes não esclarecem se a vítima da discriminação seria o presidente Macri ou as profissionais do sexo, cuja profissão é associada a um xingamento bastante comum. Um dos dirigentes da AFA teria se manifestado afirmando que não caberia aos juízes de futebol decidir parar as partidas diante dos insultos a Macri e que “esse é um tema político”. A AFA debaterá o tema na próxima semana.
Analistas e advogados pedem punição, por atacar a “imagem do presidente”. E uma associação estuda pedir a suspensão da final da Supercopa argentina, entre Boca Juniors e River Plate, marcada para 14 de março, por conta dos protestos.
Mas tudo indica que trata-se de tentativas de calar a torcida e cessar os insultos, que, segundo a imprensa argentina, estariam incomodando Macri, a ponto deste debater o assunto com um dirigente do Boca Juniors, clube que chegou a presidir.
Dos estádios para a internet e as ruas
A trapalhada dos juízes só fez aumentar a repercussão e iniciar novos protestos. No twitter, a hashtag #ApprovedSongs (“canções aprovadas”) deu início a uma enxurrada de paródias e músicas irônicas, que não poderiam ser proibidas pelos juízes.
A conta do Twitter @NFLPARATODOS tem se dedicado a reunir todas as versões de músicas e letras criadas. Em uma delas, o usuário debocha: “Sooooooolo le piiiiiido a Dios / que dejen tranquilo al presidente / Que lo dejen que gobierne / para toda la alegría de la gente…”
Outro ironiza a queda das condições de vida e a alta dos preços: “sí sí señores yo soy macrista / sí sí señores de corazón / porque me gustan los tarifazos / el desempleo y la hiperinflación“.
Há ainda referências à reforma da Previdência, aprovada pelo Congresso em dezembro, em meio a um gigantesco protesto que parou Buenos Aires e o Congresso Nacional. E ainda tuítes sobre as mudanças na legislação trabalhista e exigindo que o parlamento discuta a legislação sobre o aborto. Fruto da pressão das mulheres, o governo argentino enviou mensagem ao Congresso com a ampliação do período da interrupção voluntária da gestação.
De todo modo, o barulho das arquibancadas vem causando mal estar no governo, se assemelhando ao que foram os protestos no Brasil, durante o carnaval, contra o governo Temer. A canção já começa a ser cantada nas ruas, nas galerias do metrô e em shows de rock.
PROTESTO NO METRO
Mais uma prova de que, ao contrário do que afirma o apresentador “sapatênis” Tiago Leifert, é impossível separar o esporte da política. Por mais que se tente, não conseguirão impedir os atletas de erguerem os punhos e nem as torcidas de escolherem os governantes como alvos.
* Com informações do Clarin, La Nacion, olaargentina.com e La Politica Online
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