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MUNDO

Formas de verdades chinesas e revolução tecnológica

Artigo de Fernanda Ramone, publicado no site Extramuros, a China Além da China.
Fernanda, “curadora, produtora e jornalista cultural a viver no Rio de Janeiro”, em suas palavras, viveu e trabalhou como jornalista por cerca de 10 anos em Beijing.

Foto de abertura: Estádio Nacional em Pequim, também conhecido como Ninho de Pássaro. Crédito: Pixabay
A China esperou que a revolução tecnológica chegasse a todo o mundo para então aderir também. Proporcionou entretanto a muita gente lá fora realidades virtuais, deslumbres megalomaníacos e oportunidades de máquinas do tempo. Me refiro em especial ao período da cena pequinesa da primeira década de 2000.
Ali estávamos, imersos, a descobrir ícones ocidentais dos anos 1980 que embalavam agora uma metrópole chinesa, capital cultural e política. Michael Jackson em Thriller, cabelos femininos em permanentes, coloridos fosforescentes no vestuário, bilhetes em papel a serem rasgados por agentes do metrô, entre outras analogias poéticas desta realidade virtual que era apresentada com características futuristas para os chineses e de passado para os estrangeiros, em especial os ocidentais.
Tenho especial admiração pelos deslumbres megalomaníacos chineses: avenidas, praças, salões, plataformas, hall de espera, vagões, tudo arquitetado para que caibam milhões. Por este mérito gostam de taguear a descrição geoespacial o título de “maior do mundo”.
E em muitas coisas são mesmo. Vide a extensão da muralha, da malha metroviária, do tamanho do exército e também da população. Se acostumaram a isso, embora por vezes não estejam bem certos, 不清楚 (bù qīngchǔ), mas dada a magnitude a que estão habituados, patrioticamente levam adiante os saltos.
Foi mesmo num pulo que se deu a passagem dos anos entre as graciosidades de origem rural ao povoar das áreas urbanas, ao acomodar de botões, na presença de máquinas, portas e prédios inteligentes, edifícios envidraçados, mensagens eletrônicas. A tal da revolução tecnológica chegando entre a conurbação de prédios de arquitetura moderna e envidraçada.
Chegaram as olimpíadas, a classe média chinesa e também seu poder aquisitivo.
Já nesta altura, toda a cidade tinha informações em inglês. E mesmo assim a confusão com o novo prédio da Embaixada dos EUA vigorava, duas representações oficiais na capital política pequinesa para dar vazão à intensidade de trocas.
O café também virou moda, assim como as aulas de degustação de vinho, etiqueta à mesa, a chegada do marketing e das marcas, dos tablets, dos grafites como arte, do 3D, do distrito artístico que agora é também um dos pólos de tecnologia, games, apps, softwares, satélites, foguetes. Foi tudo nessa velocidade descrita sem vírgulas nem interrupções.
Das oportunidades de máquina do tempo parece que são afeitos à arte do ilusionismo. David Cooperfield, Spice Girls, Back Street Boys, programas de namoro na tv ou radionovela – grande sucesso entre os taxistas. Conduziram muito bem os movimentos retrógrados de aceleração. Na altura em que as críticas por conta da flutuação artificial do yuan eram mais frequentes, projetos como o do gmaps eram levados a Beijing.

A metrópole oferecia diversidade de nacionalidades e todas as condições favoráveis para um projeto deste porte: traduzir para muitos idiomas os nomes de todas as ruas de tantos países era rotina entre as empresas de softwares e tecnologia chinesa. Conheceram as ruas todas do mundo sem sair de lá, convidaram e foram visitados.

Foram vendo chegar Avatar, sistemas operacionais, jogos de Xbox, games virtuais, redes sociais. Aprenderam tudo, supervisionaram tudo com rigor para atender aos padrões internacionais e ocidentais exigidos. Há tempos trataram de fazer os seus, todas as versões e melhoradas daquilo que antes recebiam de fora.
Funcionam ao seu modo, do modo que lhes convém, já digerido e regurgitado em versão antropofágica millenial em facilidades paypal de transações em app, versões melhoradas dos seus similares ocidentais mais difundidos fora da China.
Assistem, conhecem, acompanham ou já estiveram. Assim estão.
Por cá, seguimos a olhar com certo atraso a chegada dos trens de alta velocidade, ficam surpresos por tudo o que desconhecem sem saber. E seguem olhando para os mesmos rincões onde parecem caber apenas imagens de uma China esfumaçada em poluição, névoas.
Esmiúçam vantagens e pseudos conhecimentos com toda a propriedade contida, são os especialistas de salas de embarques. Garbosos na arte da guerra, no mercado da seda e na manutenção da polifonia de que esta é a China. Pode ser mesmo, me parece, pena apenas que não cheguem de facto a avançar um bocadinho nisso, ou pesam na mão e se perdem no voltar, ficando ali entre as dinastias Tang e Qing, shaolin.
No panorâmico por vezes também dão zoom, fazem selfies. Chegam mesmo a se colocar ao centro do Império do Meio. Há os que observam, os que admiram, os que escutam, os que interagem, os que convivem, os que respeitam e especialmente aqueles que pedem licença para entrar e agradecem ao serem bem-vindos, 欢迎
(huānyíng).