Nota da Rede de Médicas e Médicos Populares do Rio de Janeiro
Somos centenas de médicos/as que atuam diariamente nas favelas cariocas, junto com outros profissionais de saúde e estudantes universitários, realizando atendimento nas Clínicas da Familia e visitando pacientes acamados em suas casas.
Andando pelas ruas dos bairros mais pobres das cidade, vemos de perto o terror causado pela guerra entre o Estado e o tráfico de drogas.
Operações policiais que se iniciam de forma repentina, colocando moradores e profissionais de saúde muitas vezes no meio de tiroteios; casas dos nossos pacientes invadidas; unidades de saúde e escolas fechadas ou utilizadas como bunker pela polícia; balas perdidas e morte de inocentes.
Diante da notícia de mais uma intervenção do Governo Federal no Rio de Janeiro, perguntamos: isto trará paz às comunidades ou aumentará os conflitos gerando mais terror nas favelas?
Os militares repetirão abusos de atuações anteriores, quando produziram violência contra trabalhadores inocentes – empregadas domésticas, motoristas, pedreiros, garis, etc. – que vivem nestas comunidades e que nada deveriam ter a ver com esta guerra?
Qual o impacto esperado na redução no número de homicídios e outros indicadores de violência, já que ações militares anteriores – no complexo da Maré, por exemplo – não produziram melhora alguma nestes números?
A principal causa da violência no Rio é a guerra associada ao tráfico de drogas, seja entre policiais e traficantes, seja entre facções rivais.
O Estado vai reforçar uma guerra que existe há pelo 30 anos e que não apresentou resultados efetivos neste período?
Vale dizer que, segundo relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, de 2011, a repressão ao tráfico pelas forças do Estado não só não diminuiu o número de usuários nem o comércio clandestino das drogas, como, pelo contrário, valorizou os traficantes, estimulou o consumo e gerou mais custos de policiamento e no sistema prisional.
Resolver o problema da violência no Rio passa por enfrentar o debate da legalização das drogas leves no Brasil, como forma de impactar o volume de recursos – em torno de 5,7 bilhões de reais no Brasil, segundo estudo técnico de 2016 da Câmara do Deputados – que gira em torno do comércio clandestino destas das mesmas e que alimenta a compra de armas pesadas e a corrupção de agentes públicos.
A intervenção militar do Governo Federal tem tudo para agravar ainda mais o problema da violência no Rio e penalizar a população pobre e e negra das favelas.
Na “melhor” das hipóteses, fará com que criminosos se reorganizem em estados vizinhos, como aconteceu no caso das UPPs.
É uma ação que parece beneficiar apenas políticos corruptos – interessados em distrair a opinião pública – e a indústria de armamentos que faz dos conflitos armados sua fonte de lucro, para assim continuar financiando governantes e partidos políticos que defendam seus interesses.
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