Por: Artemis Martins, de Fortaleza, CE*
O neoliberalismo é incompatível com a democracia. Mediante a permanente crise, que ao passar dos tempos parece fugir ao controle e embaraçar a própria burguesia, o capital reinventa seus ajustes e tragédias, elabora novas agendas para tentar responder ao velho dilema: garantir em alta as taxas de lucros das elites. Para isso, recorre sempre – com novas roupagens e às vezes não tão novas assim – à precarização das condições de vida do povo com as políticas de austeridade (cortes dos investimentos e supressão das políticas sociais) e à extração do que Marx chamou de mais-valor, ou trabalho não pago, com a flexibilização das leis e retirada dos direitos trabalhistas. No contexto de um capitalismo financeiro e rentista, globalizado, essas medidas têm ocorrido em alternância: ora quase imperceptíveis, ora mais ostensivas.
A intervenção militar no Rio de Janeiro, mascarada sob a prerrogativa de combate à violência e ao crime organizado, abre caminhos para mais repressão combinada à sequência de medidas que aprofundam a exploração da classe trabalhadora. Uma coisa é certa: não é por justiça, por combate à violência ou ao narcotráfico, nem pela segurança da população. Não é correto dissociar as questões políticas das econômicas, tampouco das ideológicas. A Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e a condenação de Lula confirmam isso. Diante da alta reprovação de seu mandato e sem o número necessário para garantir a aprovação da reforma da previdência, o governo parece apostar, se logra êxito (ainda que imediata e aparentemente) com essa ação, na cooptação de importante fração das massas, incluindo os setores mais oprimidos da classe trabalhadora, que acredita na intervenção das forças armadas como uma medida eficaz ao combate à corrupção, à violência, bem como à moralização da política e à retomada do crescimento econômico. Na veiculação da opinião pública nos jornais de hoje já foi possível observar isso.
Com a crise de representação do andar de cima e essa disputa ideológica avançando, é possível pensar no lançamento do nome de Temer como candidato à Presidência ou na consolidação de um nome da extrema direita que represente os setores mais conservadores e reacionários da burguesia. O plano é reprimir mais para explorar mais, e como isso não ocorre sem resistência e efervescência social, o capital garante a super-exploração por meio da repressão. O Rio de Janeiro tem sido vanguarda na disputa política (lembremos da campanha de Freixo) e, em um ano eleitoral conturbadíssimo, com uma perversa e longa agenda de medidas neoliberais para implementar, a intervenção até 31/12/18 aparece como uma medida meticulosamente calculada para cercear a atuação dos movimentos sociais e dos partidos de oposição – ao seu governo e às contrarreformas da agenda neoliberal.
Enfim, trata-se de uma situação complexa onde muitos outros debates e análises são cabíveis, mas que abre um novo cenário no Brasil. Por certo, esse quadro demandará da esquerda brasileira paciência, perspicácia, muita lógica e a plasticidade para reconfigurar o seu campo de atuação e suas táticas. Ainda é cedo para pensar em uma extensão do golpe parlamentar para a via militar, contudo, não é uma possibilidade a se descartar. É preciso aprumar o ponto nevrálgico a ser alvejado, e nessa hora, uma questão se coloca: o momento é de combater o reformismo ou de fazer frente com ele (sem incorporá-lo politicamente)?
* O artigo acima é um texto de opinião e reflete as opiniões da autora.
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