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BRASIL

Perguntas e respostas sobre o julgamento de Lula

Julgamento de Lula. Foto EBC

Porto Alegre (RS) – Advogado Cristiano Zanin Martins fala no julgamento de recursos da Lava Jato na 8ª Turma do TRF4 (Sylvio Sirangelo/TRF4)

Fernando Castelo Branco, professor e advogado, de Fortaleza (CE)

O objetivo deste texto é, de forma muito resumida e esquemática, tentar dar resposta a algumas das perguntas mais frequentes sobre o julgamento de Lula no TRF e seus desdobramentos jurídicos e políticos.

01. Lula está condenado? O processo já acabou?
02. A sentença do juiz Sérgio Moro foi confirmada de maneira unânime por outros três juízes, desembargadores do TRF. Isso prova que o julgamento foi técnico e isento, sem motivação política?
03. Lula pode ser preso?
04. Lula pode registrar a sua candidatura ou a Lei da Ficha Limpa o proíbe de ser candidato?
05. É papel da esquerda defender a absolvição de Lula e o seu direito de ser candidato?


01. Lula está condenado? O processo já acabou?

Não. O processo ainda não acabou nem sequer no TRF. A defesa ainda pode apresentar um recurso pedindo que os desembargadores se pronunciem sobre dúvidas, contradições e omissões da decisão. Depois disso, existe ainda a possibilidade de se recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).

 

02. A sentença do juiz Sérgio Moro foi confirmada de maneira unânime por outros três juízes, desembargadores do TRF. Isso prova que o julgamento foi técnico e isento, sem motivação política?


Não. Ao contrário. A decisão do TRF reforça a natureza política do julgamento por várias razões.
Primeiro porque mais uma vez a condenação se deu sem provas materiais, apenas com base em indícios, depoimentos testemunhais e delações, que são tão somente meio para a obtenção de prova, e não, prova propriamente dita. A unanimidade da decisão não reflete a dúvida, a controvérsia e a polêmica existente no Brasil, em torno dos fundamentos dessa condenação. Assim, a unanimidade não representa uma certeza jurídica, mas antes uma opção política deliberada.

Segundo porque a decisão foi unânime também quanto à pena e isso só é usual quando os juízes decidem pela aplicação da pena mínima ao réu. Não foi este o caso. Todos os juízes agravaram a pena de forma exatamente igual. Isso retirou da defesa a possibilidade de recorrer, no próprio TRF, a um colegiado maior, formado não por três, mas por seis desembargadores que teriam poderes, inclusive, para mudar o conteúdo da decisão que foi tomada no dia 24 de janeiro. Os três desembargadores deliberadamente retiraram da defesa a possibilidade de tentar reverter a decisão no TRF, abreviando a tramitação do processo com nítido objetivo de concluir o quanto antes uma condenação definitiva na segunda instância, fato indispensável para afastar Lula do processo eleitoral a pretexto da aplicação da Lei da Ficha Limpa.

Terceiro porque a partir da decisão do TRF um outro juiz federal, que não está vinculado ao processo pelo qual Lula foi condenado, exigiu a entrega de seu passaporte e o proibiu de deixar o país. Um gesto juridicamente injustificável e que representa apenas mais um ataque político com o objetivo de desmoralizar Lula junto à opinião pública e produzir mais notícia negativa em torno de seu nome.

Quarto porque enquanto a justiça federal de primeira e segunda instâncias correm para processar e julgar Lula o quanto antes, os processos de José Serra e Aécio Neves foram arquivados por prescrição. Isto é, a polícia, o ministério público e o judiciário levaram tanto tempo para investigar, processar e julgar Serra e Aécio, que agora a lei proíbe que eles sejam punidos pelos crimes dos quais são acusados.

Fica, portanto, cada vez mais evidente que o processo é politicamente orientado para a condenação.

 

03. Lula pode ser preso?

Sim, Lula pode ser preso. Já no dia seguinte ao julgamento, o jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre os preparativos, já em andamento na Polícia Federal, para o momento da prisão de Lula. Depois que julgar o recurso apresentado pela defesa e concluir a condenação de Lula, o TRF já pode expedir a ordem de prisão para a execução provisória da pena. A defesa, no entanto, deve tentar no STF um habeas corpus que garanta a Lula o direito que continuar em liberdade enquanto recorre ao STJ e ao STF para tentar reverter a condenação decidida pelo TRF.

 

04. Lula pode registrar a sua candidatura ou a Lei da Ficha Limpa o proíbe de ser candidato?

O PT vai pedir o registro da candidatura de Lula mesmo que ele esteja condenado pelo TRF. Mesmo que Lula esteja preso, ainda assim, o PT vai pedir o registro de sua candidatura. Isto porque não cabe ao TRF decidir quem pode e quem não pode participar das eleições. Quando o pedido de registro da candidatura for feito, no dia 15 de agosto, caberá ao TSE registrar ou negar o registro da candidatura. Qualquer que seja a decisão do TSE, haverá a possibilidade de recurso e enquanto o recurso estiver sendo examinado Lula poderá participar da campanha, inclusive dos programas de rádio e de televisão. Quando, mais provavelmente em setembro, o TSE tiver uma decisão definitiva sobre o registro da candidatura, ainda haverá a possibilidade de se recorrer ao STF, mas, neste caso, Lula só pode seguir fazendo campanha se conseguir uma liminar do Supremo. Se a decisão que proíbe Lula de ser candidato for tomada faltando até 20 dias para as eleições, o PT pode substituir Lula por outro candidato. Se a decisão for tomada a menos de 20 dias, não haverá possibilidade de substituição. Se a decisão for tomada durante o segundo turno, Lula é retirado do processo eleitoral e o terceiro colocado do primeiro turno é levado para a disputa no segundo turno. Se Lula for eleito, e só depois das eleições sair da decisão que o proíbe de ser candidato, então a eleição estará anulada, e uma outra deve ser realizada.

 

05. É papel da esquerda defender a absolvição de Lula e o seu direito de ser candidato?

Lula já não interessa mais ao mercado financeiro, nem tampouco aos grandes capitalistas internacionais. No dia de seu julgamento, os jornais noticiaram a forte alta da bolsa de valores e a queda do dólar. O grande capital trabalha para ter Lula fora do processo eleitoral. Para proteger com mais rapidez e eficiência os seus interesses, a burguesia rompeu o pacto de colaboração que tinha com o PT e, através de um golpe parlamentar, formou um governo por fora das regras do jogo eleitoral, aprofundando o período de mais duros ataques aos direitos do povo pobre, da juventude e dos trabalhadores brasileiros.

A segunda fase desse golpe é a disputa ideológica mentirosa em torno da necessidade das medidas de ajuste fiscal que criminalizam os servidores públicos e os aposentados, de destruição da legislação trabalhista, de privatização dos serviços públicos, e de associação da ideia de corrupção como uma prática da esquerda, e não como algo inerente ao capitalismo. Afastar Lula do processo eleitoral é uma terceira etapa desse mesmo golpe, é um movimento que reflete o interesse de um setor importante da burguesia.

Nós não estamos entre aqueles que defendem o projeto político de Lula e do PT. Mesmo que Lula seja candidato denunciaremos seu projeto de conciliação e apresentaremos um candidatura própria, crítica ao lulismo, uma candidatura que reflita as lutas contra a destruição da previdência, dos serviços públicos e dos direitos trabalhistas. Mas achamos que é sim, um dever da esquerda posicionar-se contra o golpe. Contra uma condenação sem provas. Contra a tentativa de colar a ideia de corrupção às lideranças populares e às organizações de esquerda. É papel da esquerda defender que o povo tenha mais controle sobre o processo político. Posicionar-se contra o uso do direito e do sistema de justiça como instrumento da luta política.

Não defendemos o projeto de Lula e do PT, mas somos contra um julgamento com motivação política, defendemos uma liberdade democrática em um contexto de golpes institucionais sucessivos.