OPINIÃO | Vegetarianismo, um modismo da geração saúde ou um ato de resistência?

Produtos e alimentos cultivados sem aditivos químicos e sem causar danos ao meio ambiente, expostos na conferência Green Rio – Rio Orgânico 2014, no Jardim Botânico (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por: Larissa Bellezi, petroleira de Santos, SP

Muito tem se falado sobre optar por uma vida saudável, escolher alimentos integrais, vegetarianos, orgânicos e, ao menos, tentar exercitar-se com regularidade. As grandes indústrias incorporaram esse discurso e atualmente é fácil encontrar os velhos produtos de sempre, repaginados com versões integrais ou “fit”, com algum percentual de cereais integrais. Para além das embalagens, nós enquanto consumidores podemos e devemos deixar de fornecer recursos para grandes negócios que não são ambientalmente interessantes.

As grandes indústrias da pecuária, a exemplo da maior produtora de proteína animal do mundo, a JBS dona de marcas como Seara, Friboi e Vigor, não tem pudor em adquirir gado criado em áreas de desmatamento ilegal, o que configura crime ambiental e já rendeu milhões à empresa em multas, conforme denunciado pela operação ‘Carne-Fria’, deflagrada pelo Ibama ainda em 2017, que autuou pelo menos 15 frigoríficos. É valido ressaltar que 40% das receitas da referida empresa são provenientes de exportações.

Já é sabido e amplamente reconhecido que a agropecuária é a principal atividade responsável pelo desmatamento. A derrubada da floresta significa diminuição da biodiversidade, diminuição de reserva genéticas e, consequente, menor potencial tecnológico nacional para desenvolvimento de substâncias diversas, especialmente as farmacológicas. Significa a perda de serviços ecossistêmicos como purificação do ar e da água, que reflete em maiores cobranças pelas concessionárias e distribuidoras de água potável. Significa também incentivo ao processo de aquecimento global que tem intensificado eventos extremos, como enchentes e ressacas que resultam em inestimáveis prejuízos à população que reside em centros urbanos. Solos destinados às pastagens muitas vezes são de difícil recuperação, seja para agricultura, ou para o próprio reflorestamento, visto que ao pastarem, os animais pisoteiam o terreno e compactam o solo. Em decorrência desse processo, a penetração de ar e água é prejudicada, favorecendo, por sua vez, processos erosivos que deterioram e podem inutilizar os solos.

Para além das consequências do desmatamento da criação extensiva, existe uma série de questões ambientais relacionadas à destinação dos dejetos provenientes da criação intensiva de aves e suínos em confinamento, que contêm excessiva carga de matéria orgânica, nitratos e bactérias fecais nocivas. A destinação desses dejetos deve ser objeto de constante fiscalização, uma vez que podem contaminar o solo e corpos d’água superficiais e subterrâneos, oferecendo risco à saúde pública das regiões próximas às indústrias.

Para este tipo de malfeitoria se dá o nome de “externalidade” . Significa consequências da produção que não estão incorporadas no custo de mercado do produto final, neste caso, refere-se aos custos ambientais inerentes à produção pecuária no Brasil que serão pagos não pelo produtor, mas sim por quem compartilha do meio ambiente aqui: nós. Já os produtos, materiais agrícolas de baixo valor agregado, se vão em vultuosas proporções para fora do país, corroborando o rótulo brasileiro de país das bananas.

Assistimos, assim, à apropriação pela esfera privada do meio ambiente, bem de uso comum do povo conforme dita o artigo 225 da constituição, e sua transformação em mercadoria em benefício de grandes corporações. Tal apropriação se torna ainda mais perversa, uma vez que é realizada a custo de milhões de animais submetidos a precárias condições artificiais industriais muito diferentes de seus habitats naturais, além de sofrerem procedimentos de abate de questionável conduta ética. Deixar de alimentar este tipo de negócio é uma das bandeiras levantadas por quem decidiu retirar definitivamente os produtos de origem animal do prato, uma forma de boicote diário a essas indústrias.

Há quem argumente, de forma equivocada, que reduzir a produção de produtos de origem animal causaria fome devido à escassez de recursos alimentares. Desconsideram que, para produzir produtos de origem vegetal, são necessários menos recursos em relação à produção de origem animal. Podemos exemplificar com a quantidade de água doce necessária para produzir 1 kg de carne bovina, mais de 15 mil litros, enquanto que, para a produção de 1 kg de batatas, usa-se menos de mil litros. Para a produção dos vários tipos de carne são demandados, ainda, outros insumos além da água, como pastagens e ração, sendo comum o uso da soja, grão que é mais destinado à pecuária do que à alimentação humana. Ampliar a produção de produtos vegetais visando a alimentação humana se mostra como alternativa para garantir suficiente oferta de alimentos em face ao constante declínio de recursos.

A produção em larga escala de produtos de origem animal é custosa ambientalmente e favorece desigualdades socioambientais. Se faz necessário privilegiar alternativas menos danosas ambientalmente e mais descentralizadas economicamente, como os pequenos agricultores e a agricultura familiar orgânica, caminhos alternativos promotores de alimentação saudável e de geração de empregos.

Foto: Antonio Costa | EBC