Nervos de Aço e o direito de Lula ser candidato

Matheus Gomes

Deputado estadual pelo PSOL no Rio Grande do Sul, Matheus Gomes é historiador, servidor do IBGE e ativista do movimento social há mais de 10 anos. Sua coluna mostra a visão de um jovem negro e marxista sobre temas da política nacional e internacional, especialmente dos povos da diáspora africana.

Por Matheus Gomes, Colunista do Esquerda Online

Tentando refletir sobre o clima de Porto Alegre nessa quarta-feira, lembrei dos versos de Lupicínio Rodrigues em “Nervos de Aço”. Mas qual a relação entre essa canção que narra uma desilusão amorosa e o julgamento de Lula? Bom, se tem um diferencial entre Lula e qualquer outro presidente eleito na última fase “democrática” do Brasil é a sua capacidade em despertar paixões. Diante dele são poucos os que permanecem indiferentes: independente se é “ciúmes, despeito, amizade ou horror”, os sentimentos pululam no dia de hoje. A grande manifestação de ontem comprova isso por um lado, assim como a balsa do “pixuleco”, os manifestantes do Parcão e o ódio destilado pelos comentaristas locais comprovam isso no outro extremo.

Mas me arrisco a dizer que o sempre anônimo “mercado” é o nervo com menos quantidade aço nessa quarta. Ontem a queda na bolsa foi de 1,22%, a maior desde 30 de novembro de 2017, dia em que Rodrigo Maia admitiu não ter os votos necessários para aprovar a Reforma da Previdência. E hoje, eles terão o placar necessário? Todas as fichas desses apaixonados pelo ajuste estão no 3×0 no julgamento, mas o medo do 2×1 é grande, pois o saldo de gols é qualificado e esticaria a querela por mais alguns meses.

O discurso de Temer em Davos reafirmando o compromisso com as contrarreformas é o menos importante. Certamente os investidores internacionais escutaram o presidente com um ouvido, enquanto o outro já estava ligado no TRF4. Hoje o essencial é o julgamento de Lula. Temer, no auge de seus 3% de popularidade, é insignificante para eles.

Mas por que Lula desestabiliza o mercado? Gleisi Hoffmann já prometeu uma nova carta ao mercado financeiro, nos moldes de 2003, isso não basta? Prestei atenção no discurso de Lula ontem e foi a primeira vez nos momentos decisivos vividos nos últimos meses que o famoso “nunca antes na História deste país os empresários ganharam tanto” não foi utilizado. Lula focou nos êxitos do programa aplicado nos 3 governos e meio, apostando no comparativo entre a situação de vida atual e a anterior. De fato, são momentos muito diferentes, a capacidade de geração de expectativa e esperança é o segredo desse discurso. Só que é possível repetir a fórmula? Eu creio que a tensão do mercado se dá por que seus agentes são “mais realistas que o Rei”. Um dos painéis do Fórum Econômico Mundial de Davos chama-se “A nova crise financeira?”, pois muitos economistas lá presentes acreditam que 2018 pode ser o novo 2008. Hoje as coisas são diferentes, somos o elo frágil da cadeia internacional, o inverso do período anterior, e isso, tragicamente, não começou com Temer, nem com Joaquim Levy, liberal ortodoxo e ex-ministro de Dilma.

Constatado esse quadro, a grande questão é: deixaremos os interesses do mercado definirem os rumos do país ou defenderemos o direito da população escolher o que bem entender, mesmo não concordando com o n° 1 das pesquisas? A democracia brasileira nunca foi plena – o processo que respondemos desde 2013 indica algumas coisas sobre isso -, mas a verdade é que desde 31 de agosto de 2016 seu grau de formalidade deu saltos. Lula condenado representa a segunda eleição onde uma instituição das elites se sobrepõe ao voto popular. Lula tem o direito de ser candidato, assim como eu tenho o direito de não votar nele. O que eu não quero é que três homens brancos e cheios de privilégios definam os rumos do país, ao lado de outros tantos “sem sangue nas veias e sem coração”, apenas interessados em lucro, lucro e mais lucros.

Foto: Mídia Ninja