Belo Horizonte: um carnaval que respira resistência

Por Bernardo Pilotto, do Rio de Janeiro (RJ), com informações de Ellen Naiara

Em 2017, o carnaval em Belo Horizonte bateu recordes. Segundo a Belotur (Empresa Municipal de Turismo), cerca de 3 milhões de pessoas circularam pelos blocos, sendo que 500 mil eram de fora da cidade. E esse sucesso de público veio a partir de um processo de luta pelo direito à cidade e pela ocupação dos espaços públicos.

Lá pelos idos dos anos 2000, a legislação municipal em BH era bastante restritiva em relação ao uso dos espaços públicos. No final da década, dois acontecimentos marcaram o auge desta política repressiva e, também, a virada que a cidade começou a experimentar. Em agosto de 2008, uma mulher foi presa por tomar sol de biquini na praça Raul Soares; no final de 2009, o então prefeito Marcio Lacerda (do PSB, eleito com apoio do PT e do PSDB) editou decreto que proibia “eventos de qualquer natureza” na Praça da Estação.

Foi a partir daí que o jogo começou definitivamente a virar. Isso porque em janeiro de 2010 surgiu o movimento Praia da Estação, que ocupou a praça de forma lúdica.

Esse movimento acabou tendo seus reflexos no carnaval, visto que o encontro das pessoas acabou gerando a ideia de manter a ação também durante o carnaval, transformando essas manifestações em blocos.

O crescimento do carnaval acabou gerando novas questões. A prefeitura, acuada, viu que não poderia ir contra a realidade e passou a tentar enquadrar os blocos. Para isso, firmou acordo com a cervejaria Skol para o carnaval de 2014, visando que, por conta de um patrocínio da cervejaria, apenas esta marca de cerveja pudesse ser vendida pelos ambulantes.

Essa ação da prefeitura gerou novas resistências e, em fevereiro de 2015, mais de 20 blocos lançaram uma carta de repúdio a este acordo. Em 2017, uma ação popular ganhou na Justiça a quebra do monopólio da Ambev (cervejaria dona da marca Skol), em resultado inédito no Brasil.

A luta contra o monopólio da Ambev também rendeu um produto que já virou uma tradição local: os carrinhos de catuçaí (catuaba + a polpa do açaí), que são vistos em toda a cidade.

Apesar dessas vitórias, a visão da prefeitura não mudou e segue sendo a de um carnaval com cunho comercial e turístico. Assim como em outras cidades do país, o poder municipal vem trabalhando para fortalecer apenas o carnaval que possa render dividendos econômicos diretos para a prefeitura. Em alguns casos, também atuou para reprimir diretamente, como no caso do Garotas Solteiras, que teve seu cortejo parado na metade por ordem policial.

Alguns blocos optaram por não participar do edital da prefeitura e partiram para uma busca própria de recursos, através da realização de festas e de vaquinhas.

Nesse cenário, os blocos seguem, portanto, disputando o carnaval, seja com a própria ocupação do espaço público, seja com a politização mais direta dos blocos, trazendo pautas LGBTs, feministas, anti-racistas, contra a repressão policial e ambientais para os temas dos desfiles. Depois do grande sucesso de 2017, o clima é de esperança com o carnaval de 2018, seja em termos de público, seja com a qualidade do evento.

Definitivamente, o carnaval de Belo Horizonte, entre catuçaís e banho na fonte das praças, respira resistência.

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