Por John Riddell e Mike Taber (tradução: Gleice Barros)
Originalmente publicado no portal Internacional Socialist Review.
O artigo a seguir é uma introdução a recém-publicada coletânea Fighting Fascism: How to Struggle and How to Win da marxista alemã Clara Zetkin (Editora Haymarket Books, 2017).
Raramente houve uma palavra tão discutida, e mal interpretada, quanto fascismo. Para muitos, o rótulo ‘fascismo’ é apenas um insulto direcionado a indivíduos e movimentos particularmente repugnantes e reacionários. É também costumeiro utilizar como uma descrição política de ditaduras militares de ultra-direita.
O termo ganhou novo significado durante a campanha presidencial americana de 2016, em que o vencedor, Donald Trump, foi frequentemente comparado a Benito Mussolini e outros líderes fascistas. “Comparações fascistas não são novas na política americana” declarou o New York Times em maio de 2016. “Mas com o Sr. Trump, tais comparações têm atingido outros limites e entrado em grandes debates sobre os Estados Unidos e o exterior”.
Apesar dessas comparações serem exageradas e imprecisas, todas as alegações tidas como fascistas devem ser consideradas seriamente. O povo trabalhador e pobre tem várias razões para temer o racismo endêmico, a abolição de direitos trabalhistas e civis, a repressão brutal e o genocídio que caracterizam o fascismo.
Enquanto algum nível de semelhanças podem indiscutivelmente serem encontradas entre muitos movimentos e regimes de direita, o fascismo em si é um fenômeno muito específico com características únicas. Entender as características e dinâmicas do fascismo não é apenas um exercício acadêmico. Fazer isso é essencial para saber como combatê-lo.
Este curto livro contendo uma declaração e resolução de Clara Zetkin por ocasião do Comitê Central da Internacional Comunista em 1923 apresenta uma análise fruto de grande pesquisa do que foi, à época, algo completamente novo no cenário internacional.
Muitos leitores serão atingidos pela clareza e prognóstico das declarações de Zetkin, feitas em um momento que o surgimento do fascismo ainda era um mistério para a maioria. Revisitadas quase um século depois, é possível apreciar sua realização ao delimitar, nesta data inicial, uma posição marxista consistente sobre a natureza do fascismo e como combatê-lo.
Surgimento do Fascismo
As origens do fascismo podem ser encontradas na Itália da pós-primeira guerra. Organizado por Benito Mussolini durante o período de crise social em 1919, o Fasci Italiani di Combattimento surgiu como uma reação ao aparecimento do movimento proletário, isto é, a classe social que depende da venda de sua força de trabalho para conseguir meios de sobrevivência.
Neste período, os trabalhadores italianos, inspirados pela vitória da Revolução Russa e maltratados pela crise capitalista do pós-guerra na Itália, avançavam na luta militante. Em todas as camadas da sociedade italiana as expectativas eram altas de que o Partido Socialista Italiano – então membro da Internacional Comunista – estava à beira de chegar ao poder.
O levante proletário chegou ao auge em setembro de 1920. Durante aquele mês mais de meio milhão de trabalhadores, liberados por metalúrgicos, ocuparam fábricas por todo o país. Os trabalhadores começaram a organizar a produção sob a direção dos conselhos de fábrica, e em muitos lugares eles formaram Guardas Vermelhas para defender as fábricas ocupadas. As greves se espalharam por ferrovias e outros locais de trabalho e muitos camponeses pobres e trabalhadores agrícolas realizaram confiscos de terras. Apelos efetivos foram feitos a soldados, como trabalhadores uniformizados, que se recusassem a obedecer ordens de entrar nas fábricas ocupadas. Frente a esta onda aparentemente irrefreável, a classe capitalista e seus governos estavam paralisados pela indecisão e medo. Uma situação revolucionária se abria com a conquista do poder político na ordem do dia.
Mas o Partido Socialista Italiano e a principal central sindical sob sua influência se recusaram a ver o movimento revolucionário daquele mês como algo maior que uma luta sindical. Com essa mentalidade, os líderes sindicais dirigiram os trabalhadores a deixar as fábricas em troca de um pacote de promessas sedutoras, mas vazias, feitas pelos capitalistas – os quais, naquele momento, estavam dispostos a fazer qualquer coisa para ter suas fábricas de volta. Os trabalhadores italianos, que estavam esperançosos e com expectativas de que o fim do capitalismo estava perto, abandonaram as fábricas com desânimo.
O fracasso do movimento de ocupação das fábricas fez espalhar a desmoralização na classe trabalhadora. O Fasci reforçou o recrutamento e realizou uma onda crescente de ataques ao movimento operário, recebendo um financiamento crescente dos lideres capitalistas e proteção da polícia e outros setores do estado italiano. Entre 1921 e 1922, milhares de trabalhadores e camponeses foram assassinados pelas “expedições punitivas” dos fascistas. Centenas de sedes dos trabalhadores e do movimento sindical foram destruídas.
Rapidamente assumindo o caráter de movimento de massas, os fascistas se tornaram hábeis para ascender ao governo no final de Outubro de 1922, com Mussolini se tornando primeiro-ministro. No poder, o fascismo esmagou completamente os sindicatos, além de outras organizações independentes dos trabalhadores.
Encorajados pela vitória do fascismo italiano, movimentos similares surgiram em outros países europeus, o mais forte na Alemanha. Formações do tipo fascista também surgiram na Polônia, Tchecoslováquia, Áustria e outros.
Reconhecendo um novo fenômeno
Em muitos fenômenos sociais novos, não é totalmente aparente o que exatamente os envolve. Inicialmente, muitos tenderam a agrupar o fascismo a outras instâncias de violência e terror contrarrevolucionário.
Nos anos após a Primeira Guerra Mundial, tal terror estava muito difundido. Na Hungria, uma revolução derrotada que chegou brevemente ao poder em 1919 foi seguida por 5 mil execuções e 75 mil prisões. Na Finlândia, onde havia uma guerra civil, os números chegaram a 10 mil baleados e 100 mil enviados a campos de concentração. Situações parecidas se tornaram conhecidas como “terror branco” e foram vistas em outros países.
Enquanto os fascistas italianos usaram de violência contrarrevolucionária de forma análoga, o fenômeno fascista envolveu algo a mais. Descobrir sua verdadeira natureza era uma tarefa da Internacional Comunista.
Fundada em 1919 sob o impacto da Revolução Russa, a Internacional Comunista (Comintern) era algo completamente novo: um movimento dedicado a discutir como a classe trabalhadora poderia se organizar e derrotar a ordem capitalista. Sob Lenin, os congressos e reuniões da Internacional eram escolas de política revolucionária.
A Internacional fez sua primeira discussão organizada sobre o fascismo em seu Quarto Congresso em novembro de 1922. Contudo, não foi um debate muito frutífero. Um informe feito pelo comunista italiano Amadeo Bordiga, enquanto descreveu aspectos importantes no movimento de Mussolini na Itália, foi menos bem menos sucedido em desvendar a natureza fascista, enfatizando as similaridades entre fascismo e democracia burguesa e prevendo que o fascismo italiano não duraria muito. Nem o informe de Bordiga, nem a discussão que se seguiu deram muita atenção à luta contra o fascismo[1].
Ao perceber que ainda não tinham chegado ao cerne da questão, em junho de 1923, os líderes da Internacional se voltaram para o tema novamente. O local da reunião foi a Terceira Plenária Ampliada do Comitê Executivo da Internacional Comunista. A pessoa essencial para realizar tal esforço foi Clara Zetkin, que deu o informe na reunião e escreveu a resolução que foi aprovada.
Clara Zetkin
Aos 66 anos em 1923, Clara Zetkin foi uma das lutadoras veteranas mais promissoras da Internacional. Era uma figura singular no movimento revolucionário internacional.
Em 1878, com 21 anos, Zetkin entrou nas fileiras do movimento socialista alemão. Aquele foi o ano em que foram decretadas leis anti-socialistas na Alemanha, tornando a defesa pública do socialismo crime e o ingresso no Partido Social-Democrata (PSD) ilegal. Mas Zetkin se recusou a ser intimidada. Forçada ao exílio por muitos anos, intensificou sua atividade no movimento revolucionário e se tornou líder do partido. Em 1891 passou a ser editora do Die Gleichheit, o jornal do PSD dirigido por mulheres.
Em 1907 Zetkin foi uma fundadora central para o movimento de mulheres da internacional socialista. Uma das mais importantes iniciativas deste movimento foi instituir o 8 de março como Dia Internacional das Mulheres, decisão tomada na conferência de 1910.
Colaboradora de Rosa Luxemburgo, Zetkin pertenceu à ala esquerda do PSD. Em 1914, quando o partido traiu os princípios socialistas e apoiou abertamente os esforços alemães na Primeira Guerra Mundial, Zetkin rompeu com a declaração do partido de “paz civil” com o capitalismo alemão durante a guerra e fez ativa oposição. Como parte importante da organização clandestina na Liga Spartacus, foi presa diversas vezes em atividades antiguerra. Em 1918, a Liga Spartacus ajudou a fundar o Partido Comunista, em que Zetkin tornou-se dirigente.
Na seqüência ao assassinato de Luxemburgo, Karl Liebknecht e outros no começo de 1919, Zetkin passou a cumprir um papel central na direção do partido comunista, como ela também fez na Internacional Comunista.
Embora Zetkin seja mais conhecida pelo papel central que cumpriu por longas décadas na direção do movimento de mulheres socialistas e comunistas, ela fez muito mais que isso. Era uma líder política notável com profunda capacidade de análise política, e conclusões práticas em consequência, como demonstrado em sua elaboração sobre o fascismo em 1923.
Características do Fascismo
No informe, Zetkin apontou algumas características chave do fascismo:
- O surgimento do Fascismo está intrinsecamente ligado a crise econômica do capitalismo e o declínio de suas instituições. Esta crise é caracterizada por uma escalada de ataques a classe trabalhadora, e aos setores médios da sociedade sendo esmagados e levados a níveis semelhantes ao proletariado.
“O fascismo está enraizado, de fato, na dissolução da economia capitalista e do estado burguês… A guerra destruiu a economia capitalista em suas bases. Isso é evidente não só no terrível empobrecimento do proletariado, como também na proletarização de setores massivos da pequena burguesia e burgueses médios.”
- O avanço do fascismo é baseado na derrota do proletariado em resolver a crise social do capitalismo pela tomada do poder e começo da reorganização da sociedade. Essa derrota da liderança da classe trabalhadora gera desmoralização entre os trabalhadores e entre as forças da sociedade que miravam no proletariado e no socialismo o caminho para sair da crise.
Estas forças sociais, indicava Zetkin, esperavam que o “socialismo pudesse realizar uma mudança global. Estas expectativas foram dolorosamente destruídas…Perderam a crença não apenas nos lideres reformistas mas também no próprio socialismo.”
- O fascismo possui um caráter de massas, com especial apelo entre setores da pequena burguesia ameaçada pelo declínio da ordem capitalista.
O declínio capitalista resulta “na proletarização de amplos setores da pequena burguesia e massas da média burguesia, na calamitosa situação entre os pequenos camponeses, e o desespero sombrio da ‘intelligentsia’… o que pesa sobre tudo é a falta de segurança para sua sobrevivência básica.”
- Para ganhar apoio destas camadas, o fascismo faz uso de uma demagogia anticapitalista.
“As massas aos milhares convergem ao fascismo. Este se torna o asilo para todo o abandono político, socialização desarraigada, empobrecimento e desilusão… a pequena-burguesia e as forças sociais intermediárias primeiro vacilam de forma indecisa entre os campos historicamente poderosos do proletariado e da burguesia. Tendem a simpatizar com o proletariado no sofrimento vivido na vida e, em parte, nos anseios nobres e grandes ideais, desde que sejam revolucionários em sua conduta e tenham probabilidade de vitória. Sob a pressão das massas e suas necessidades, e influenciados por esta situação, mesmo os líderes fascistas são forçados a pelo menos flertar com o proletariado revolucionário, mesmo que não tenham simpatia.”
- A ideologia fascista eleva a nação e o estado sobre todas as contradições e interesses de classes.
“O que as massas não mais anseiam do proletariado revolucionário e do socialismo revolucionário, esperam agora que seja alcançado pelos mais hábeis, fortes, determinados e ousados elementos de cada classe social. Todas estas forças devem estar juntas em uma comunidade. E esta comunidade, para os fascistas, é a nação… O instrumento para alcançar os ideais fascistas é, para estes, o Estado. Um Estado forte e autoritário que será sua própria criação e uma ferramenta obediente. Este estado irá se elevar sobre todas as diferenças de partido e classes.”
- A ideologia do chauvinismo nacional é usada pelos lideres fascistas como um disfarce para incitar o militarismo e a guerra imperialista.
“As forças armadas [do fascismo italiano] servem apenas para a defesa da pátria. Esta é sua promessa. Mas o crescente aumento do exército e o enorme âmbito do armamento são orientados para grandes aventuras imperialistas… Centenas de milhões de liras [NT – moeda italiana] têm sido aprovadas para a indústria pesada para construção das mais modernas máquinas e instrumentos de matança.”
- A característica principal do fascismo é o uso de violência organizada através de tropas de choque anti classe trabalhadora, visando destruir qualquer atividade independente do proletariado.
Na Itália, as forças de Mussolini se envolveram em “direto e sangrento terror”, apontou Zetkin. Começando em áreas agrícolas, os fascistas “atacaram os proletários rurais, cujas organizações foram devastadas e queimadas e cujos líderes foram assassinados.” Depois “o terror fascista se estendeu aos proletários das grandes cidades.”
- A ideologia do racismo e do bode expiatório racista é central para a mensagem fascista. Embora este aspecto não estivesse completamente claro em 1923, mesmo assim Zetkin indicou como na Alemanha “o programa fascista é esgotado pela frase ‘abatam os judeus’”.
- Até certo ponto, setores importantes da classe capitalista começaram a apoiar e financiar o movimento fascista, como um meio de conter a ameaça da revolução proletária.
“A burguesia não pode mais se apoiar nos métodos regulares de força para assegurar sua ordem de classe. Para isso faz-se necessário instrumentos de força ilegais e não estatais. O que tem sido oferecido pelo conjunto heterogêneo que compõe a máfia fascista.” Os capitalistas “patrocinam abertamente o terrorismo fascista, apoiando com dinheiro e outros meios.”
- Uma vez no poder, o fascismo tende a se tornar burocratizado e se afastar de seus primeiro apelos demagógicos, levando ao ressurgimento das contradições de classe e luta de classes.
“Existe uma contradição flagrante entre o que o fascismo promete e o que ele realmente entrega as massas. Toda a conversa sobre como o estado fascista vai implantar os interesses da nação sobre todas as coisas, uma vez exposto pela realidade, some como fumaça. A ‘nação’ revela-se como burguesa, o ideal de estado fascista se mostra como uma vulgar e inescrupulosa versão do estado da burguesia… As contradições de classe são mais poderosas que as ideologias que negam suas existências.”
Análise alternativa
A análise sobre fascismo de Clara Zetkin foi radicalmente diferente de outras que então eram apresentadas dento do movimento dos trabalhadores e socialistas.
Entre estes, a elaboração de Zetkin abordou a visão reformista dos social-democratas. “Para estes, o fascismo não é nada alem de terror e violência”, afirmou.
“Os reformistas vêem o fascismo como uma expressão do poder inabalável, conquistador e da força do domínio da classe burguesa. O proletariado não está apto a assumir a luta contra ele – isso seria presunçoso e fadado ao fracasso. Então, nada resta ao proletariado além de se afastar silenciosamente e humildemente e não provocar os tigres e leões da classe burguesa por meio de uma luta por sua libertação e suas próprias leis”.
A análise de Zetkin também contrasta fortemente com a análise do fascismo apresentada pelos partidos comunistas estalinistas que viriam nos anos e décadas posteriores. Existiam duas visões estalinistas principais, ambas que se contrapunham a perspectiva de Zetkin:
- Fascismo social. Adotado durante o ultraesquerdista “Terceiro Periodo” da Internacional Comunista no final dos anos 1920 e inicio dos 1930, o impulso desta visão era igualar social-democracia e fascismo e, assim, justificar a recusa do Partido Comunista Alemão de impulsionar a unidade com o poderoso Partido Social Democrata na luta contra os nazistas.
Tal unidade organizada poderia ter sido o suporte para a esmagadora maioria do povo trabalhador na Alemanha e certamente teria sido poderosa suficiente para conter os nazistas. A recusa intransigente das lideranças do PC e do PSD pode certamente ser dito como a porta de entrada para a ascensão de Hitler ao poder.
- Frente popular. Esta visão foi apresentada de forma completa pela primeira vez na elaboração feita por Georgi Dimitrov ao Sétimo Congresso da Internacional Comunista já estalinizada em 1935. O fascismo, afirmou Dimitrov, foi “a ditadura terrorista aberta da mais reacionária, mais chauvinista e dos elementos mais imperialistas do capital financeiro”. “Age nos interesses de imperialistas extremos” que ele caracterizou como “os mais reacionários círculos de burgueses”[2].
Baseado nesta análise, a tarefa central seria formar blocos – “frentes populares” – com setores burgueses supostamente menos reacionários, menos chauvinistas e com menor número de elementos imperialistas – “alas antifascistas” – e subordinar a luta da classe trabalhadora independente e a ação política a este objetivo. Na prática, tal abordagem significava que os partidos estalinistas mantinham oposição a ação revolucionaria do proletariado independente em geral, encarando como um obstáculo ao projeto de frente popular. Esta perspectiva também se tornou justificativa para um apoio escuso a políticos capitalistas “antifascistas” como a de Franklin D Roosevelt nos Estados Unidos, com o pretexto de que seu oponente republicano representava “a principal ameaça do fascismo”[3].
Leon Trotsky tornou-se linha de frente na rejeição a estas posições estalinistas, defendendo pontos chaves levantados por Zetkin em 1923. Escritos de forma polêmica, os textos de Trotsky durante a década de 1930 durante o surgimento do fascismo na Alemanha e as lições da vitória nazista apresentam um das exposições mais claras da análise marxista sobre o fascismo e o que é necessário para derrotá-lo[4].
Como lutar contra o fascismo
Forças pró-capitalistas liberais freqüentemente sugerem que as figuras fascistas se ignoradas, logo desaparecerão. Esta não era a visão de Zetkin. Em sua opinião era uma necessidade de vida ou morte para a classe trabalhadora e seus aliados mobilizar todos os seus esforços em se opor ao fascismo.
Ao debater a luta da classe trabalhadora contra o fascismo, Zetkin enfatizou diversos pontos:
- A autodefesa dos trabalhadores é crucial para confrontar a campanha de terror fascista. Sobretudo, isso inclui organizar guardas de defesa dos trabalhadores para combater os ataques fascistas.
“Hoje o proletariado tem necessidade urgente de autodefesa contra o fascismo e essa defesa não pode ser negligenciada um segundo. Estão em jogo a segurança física do proletariado e sua existência, assim como a sobrevivência de suas organizações. Autodefesa do proletariado é a necessidade do momento. Não podemos combater o fascismo como os reformistas na Itália, que suplicam ‘nos deixem em paz, então te deixaremos em paz’. Ao contrário! Violência contra violência. Mas não violência em forma de terror individual – que certamente falhará. Mas sim violência como o poder revolucionário e organizado da luta da classe proletária”.
- A ação de frente única contra o fascismo é essencial, envolvendo todas as organizações e correntes da classe trabalhadora, apesar das diferenças políticas.
“A luta e a autodefesa proletária contra o fascismo requerem uma frente única proletária. O fascismo não pode perguntar se o trabalhador da fábrica tem a alma nas cores branca e azul da Bavária; preta, vermelha ou dourada da república burguesa ou a bandeira vermelha com a foice e o martelo. Não deve perguntar se o trabalhador quer restaurar a dinastia Wittelsbach [da Bavária], se é entusiasta de Friedrich Ebert [dirigente do PSD e presidente alemão], ou prefere ver nosso amigo [dirigente do PC) Heinrich Brandler como presidente da República Soviética Alemã. Tudo que interessa ao fascismo é enfrentar a consciência de classe proletária e então colocá-la no chão. Este é o porquê que os trabalhadores devem se manter unidos na luta sem distinções de partidos ou sindicatos.”
- Além de combater o fascismo fisicamente quando necessário para sua própria defesa, a classe trabalhadora precisa combater o apelo de massas fascista politicamente, com especial esforço entre as camadas de classe média.
“O Partido Comunista Italiano certamente também comete o erro político de ver o fascismo somente como um fenômeno militar e negligenciam o lado ideológico e político. Não devemos esquecer que antes de derrotar o proletariado com ações de terror, o fascismo na Itália já tinha uma vitória ideológica e política sobre o movimento dos trabalhadores que estava no topo de seu triunfo. Seria muito perigoso falhar em considerar a importância de superar o fascismo ideológica e politicamente”.
- Combater o fascismo por estes meios significa, acima de tudo, demonstrar a absoluta determinação da liderança proletária em lutar para tomar o poder das mãos da burguesia para resolver a crise social do capitalismo, e colocar a frente um programa destinado a sedimentar as alianças necessárias para tal.
Zetkin acreditava que a perspectiva da luta revolucionária pelo poder, baseado numa aliança entre as classes sociais exploradas e oprimidas, era essencial para uma vitoria sobre o fascismo. Por esta razão, em sua elaboração ela enfatizou que a demanda de governo expressada nesta perspectiva – “um governo operário e camponês” – “é efetivamente um requisito na luta para derrotar o fascismo”.
A ameaça do fascismo hoje
Esforçando-se para entender o fascismo hoje não é meramente uma questão histórica.
Á medida que o século XXI se desenrola, o capitalismo entra em um período de crise social, marcada pela escalada dos ataques aos direitos e condições de vida do povo trabalhador e de todos os oprimidos, seguido pelo desenvolvimento de polarização social. A eleição do bilionário capitalista Donald Trump como presidente dos EUA, em novembro de 2016, seguida por uma campanha marcada por uma descarada demagogia de direita e apelos abertamente racistas, foi tanto uma reflexão quanto uma agudização desta crise.
Como Zetkin previu há quase um século atrás, é precisamente em situações como esta que movimentos fascistas podem se gestar.
Tais movimentos reconhecem a crise social, mas apontam as causas fora do sistema capitalista, criando bodes expiatórios: imigrantes, negros, judeus, mulheres independentes, LGBT’s, ciganos e outros. Teorias da conspiração de estrangeiros são propagadas, feitas para desviar a atenção da responsabilidade do sistema econômico e social da crise.
Para obter apoio, os movimentos fascistas se utilizam do ressentimento. Apelam ao racismo, chauvinismo e sentimento anti-mulher que permeiam profundamente a chamada cultura popular sob o capitalismo.
Os apelos reacionários para dividir o povo trabalhador precisam ser combatidos, colocando a necessidade de uma luta comum dos oprimidos e explorados independente da nacionalidade, etnia ou gênero para jogar fora a ordem dos capitalistas e latifundiários e começar a construção de uma sociedade mais justa e humana.
Mas esta batalha não se dará somente no campo das idéias.
Com a crise social se aprofundando e uma resposta entre o povo trabalhador em desenvolvimento, um número crescente de capitalistas e seus servos recorrem a meios legais e extralegais para defender seu governo.
Ao aumentar os ataques, precisarão ser respondidos pelos trabalhadores com luta para defender seus sindicatos, pela luta contra o racismo, a brutalidade policial, os assassinatos feitos por policiais; pelos defensores dos direitos das mulheres de lutar pelo direito ao aborto; pelos defensores das liberdades civis lutando contra os ataques aos direitos democráticos; por aqueles que se levantam contra a destruição ambiental capitalista; por aqueles que lutam contra a violência anti-imigrante e as deportações – em resumo, todos aqueles que lutam pelos interesses dos oprimidos e explorados.
Serão estes ativistas e lutadores que estarão mais interessados em estudar a natureza do fascismo e a história da luta contra ele.
Muitos acharão que a perspectiva marxista delimitada primeiro por Clara Zetkin, e depois ampliada por Leon Trotsky, Antonio Gramsci e outros, é uma arma essencial na luta contra a ameaça fascista.
Neste contexto, um número crescente de trabalhadores e jovens serão atraídos a se juntar na luta por um futuro socialista.
Esta era a firme convicção de Clara Zetkin.
Ao discutir o apelo fascista entre os jovens, ela apontou que “os melhores deles estão buscando uma saída da profunda angústia da alma. Estão em busca de novos e firmes ideais e uma visão de mundo que os permita entender a natureza, sociedade e suas próprias vidas; um visão de mundo que não seja uma formula estéril mas que opere criativa e construtivamente. Não nos esqueçamos que as violentas gangues fascistas não são compostas inteiramente por mal-feitores da guerra, mercenários por escolha e lúmpens viscerais que têm prazer em atos de terror. Também encontraremos entre eles as mais ativas forças destas camadas sociais, com muita capacidade de desenvolvimento. Temos que ir até eles com convicção e compreensão de suas condições e seus impetuosos anseios, trabalhar entre eles e lhes mostrar uma solução que não os jogue para trás, mas a frente, ao comunismo. A grandeza primordial do comunismo como uma perspectiva de mundo irá ganhar sua simpatia para nós”.
O fascismo é em última análise um produto do sistema capitalista, Zetkin mantém. A ameaça fascista irá acabar de vez apenas quando os trabalhadores tomarem o poder das mãos das famílias capitalistas bilionárias e construírem um novo mundo.
Firmemente convencida desse fato, a inabalável confiança de Zetkin no potencial revolucionário da classe trabalhadora pode ser vista na conclusão do informe de 1923:
“Cada proletário deve se sentir mais que apenas um escravo, um objeto manipulável do capitalismo e seu poderio. Os trabalhadores devem sentir e entender a si mesmos como membros da classe revolucionária, que vai reinventar o antigo estado de propriedade no novo estado do sistema soviético. Quando despertarmos a consciência de classe em cada trabalhador e acender a chama de determinação de classe, poderemos prosseguir em preparar e realizar militarmente a derrubada necessária do fascismo. Entretanto, a brutal ofensiva do mundo capitalista contra o mundo proletário pode ser dar por um tempo, por mais forte que possa se enfurecer, o proletariado vai lutar de seu modo até a vitória final”.
O corajoso chamado de Zetkin para a ação antifascista, emitido menos de um ano antes de sua morte, é um tributo apropriado para toda uma vida de luta revolucionária e para o seu legado, e é um farol para as futuras gerações.
[1] O informe de Bordiga pode ser encontrado em RIDDELL, John, ed. Toward the United Front: Proceeding of the Fouth Congresso f the Communist Internacional, 1922. Historical Materialism Book Series, Chhicago. Haymarket Books, 2012, 409-23.
[2] O artigo de Dimitrov pode ser encontrado em VII Congress of The Communist Interncacional:Abridged Stenographic Reporto of Proceedings. Moscow: Foreign Languades Publishing House, 1939, 126-29. Também pode ser acessado no Arquivo de Internet Marxista.
[3] The Communist, nº 6, julho de 1936, 489
[4] Os escritos básicos de Trotsky sobre o surgimento do Nazismo na Alemanha pode ser encontrado em The Struggle Against Fascism in Germany. Nova Iorque. Editora Pathfider Press, 1971. Muito desse material também pode ser acessado no Arquivo Internet Marxista.
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