O desmonte por trás do Orçamento de 2018

O presidente sancionou no dia 2 de janeiro a Lei Orçamentária Anual. Este será o primeiro orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95)

Por Julia Neves – EPSJV/Fiocruz

O presidente Michel Temer sancionou no dia 2 de janeiro a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2018, que prevê R$ 3,5 trilhões de receitas e despesas da União para o exercício financeiro deste ano. Este será o primeiro orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), que limita as despesas públicas à inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos. Uma das principais novidades é o aporte de R$ 1,7 bilhão para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que vai custear com recursos públicos as campanhas dos partidos políticos.

Educação

Em contrapartida, foi vetado o recurso extra de R$ 1,5 bilhão para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que ajuda a custear o salário de professores de escolas públicas em estados cuja remuneração não alcança o piso nacional da categoria, e pode ser usado também em atividades como o custeio de programas de melhora da qualidade da Educação, a formação continuada dos professores, a aquisição de equipamentos e a construção e manutenção das escolas, por exemplo. Isso porque segundo o Palácio do Planalto, o Fundeb já possui previsão de R$ 14 bilhões para 2018.

De acordo com Catarina Almeida, professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do comitê distrital da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o veto de Temer a essa complementação inviabiliza o atendimento às demandas da educação básica. “Para que a educação básica seja implementada de forma mínima, nós precisamos objetivamente dessa complementação da União. Pelo menos dez estados hoje na Federação não conseguem, com sua arrecadação, chegar ao patamar de uma qualidade mínima necessária para a educação”, alerta a professora. Para ela, o veto também atingiria de forma negativa metas estabelecidas no Plano Nacional da Educação (PNE): “O veto vai impossibilitar uma expansão do atendimento às crianças que estão fora da educação infantil, além das expansões de creches e do ensino médio”.

Para Catarina, isso mostra definitivamente que a educação não é prioridade para o governo. “E além do mais, esse veto pode inviabilizar que se cumpra o mínimo que a EC 59 coloca – a universalização da educação básica obrigatória”, acrescenta.

Do total das despesas de R$ 3,5 trilhões do orçamento, R$ 1,16 trilhão serão destinados ao refinanciamento da dívida pública e outros R$ 316 bilhões com o pagamento de juros da dívida. Por tratar-se de uma despesa financeira da União, a dívida ficou de fora dos limites impostos pelo teto de gastos, que abrange apenas as despesas primárias. Os gastos com Previdência Social somam R$ 585 bilhões. O orçamento prevê ainda um déficit primário de R$ 157 bilhões para o ano.

Para a Educação e a Saúde, o quadro tem agravos. A LOA prevê R$ 130 bilhões para a Saúde e outros R$ 109 bilhões para a Educação, valor que, em teoria, faz com que o governo gaste com juros da dívida três vezes mais do que com Educação. “Claramente, o que se vê é a valorização de quem não precisa, seria a questão da dívida e do fundo eleitoral, e você tira da maior parte da população brasileira, que é exatamente quem vai precisar dos investimentos nas áreas sociais”, diz Cataria.

Se os cortes chegaram até a educação básica, com a educação superior a situação também não é diferente. No planejamento do governo em 2018, o orçamento previsto é de apenas R$ 5 bilhões para universidades, enquanto em 2017 foi de R$ 8 bilhões e de R$ 15 bilhões em 2015, uma queda progressiva. Segundo dados da Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a LOA de 2017 já trouxe uma redução no orçamento das universidades federais de 11,2% em relação a 2016. Os cortes atingiram principalmente as despesas com investimentos, que caíram 40%. E, segundo a Andifes, 35% dos valores previstos na LOA 2017 para as universidades sofreram contingenciamentos, agravando o quadro. As despesas com investimentos novamente foram as mais atingidas: o governo liberou apenas 40% do valor previsto em 2017.

Com esse orçamento, Catarina acredita ser provável um maior endividamento das universidades e até mesmo suspensão de atividades, como já vem acontecendo nos últimos anos com o corte de terceirizados. “Se elas já não estavam nas melhores condições e pedindo sempre mais verbas para o seu funcionamento básico e desenvolvimento de pesquisa, com esse corte a gente pode ter dificuldades de manter as universidades funcionando. Nessa perspectiva entra a lógica da privatização das universidades públicas, que vem na pauta de prioridades desse governo”, ressalta.
Na área de Ciência e Tecnologia, a redução é de R$ 2 bilhões em relação ao ano passado. “Como o país sai da crise se a gente não investe naquilo que pode provocar o seu crescimento, o seu desenvolvimento? Ao contrário, o que o governo está fazendo é exatamente cortar essa possibilidade de gerar novos empregos, pesquisas e conhecimentos”, lamenta Catarina.

O baixo orçamento também vem agravar a situação da Educação Profissional. “Os Institutos Federais (IFs) têm uma grande importância no processo de profissionalização. E como formar com qualidade com esses cortes?”, questiona Catarina. E continua: “O corte na verba da educação superior vai impactar também no trabalho dos IFs. E por outro lado, a gente tem uma lógica de Reforma do Ensino Médio que, para ser implementada como o governo supostamente diz, com a construção dos itinerários formativos, precisaria, na verdade, de mais verbas e não corte das verbas existentes. A gente coloca o país no lugar de consumidor do que se produz em outros países e não de produtor de conhecimento”, analisa, explicando que o orçamento expressa uma ação sistêmica de desvalorização da educação, que vai desde a educação infantil até a pós-graduação.

Saúde

A especialista em orçamento público e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David também observa algumas tendências para a saúde no orçamento deste ano. Segundo ela, em 2017, o governo previu um valor acima dos 15% da receita corrente líquida para saúde, mas não executou. “Era para ele ter executado, pelo menos, R$ 114 bilhões, mas ele só executou R$ 107 bilhões, então sobraram R$7 bilhões inscritos em restos a pagar. A grande questão é: quando isso vai ser pago? A saúde já tem R$ 51 bilhões inscritos em restos a pagar e sem previsão de quando vai ser pago”, afirma.

Em relação ao valor destinado para a saúde em 2018, de R$ 130 bilhões, Grazielle explica o cálculo realizado pelo governo: “Esse valor é superior ao mínimo que tem que ser aplicado, porque se eu pego 15% de 2017, que eram R$ 114 bilhões, acrescento 3% de Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), que é aregra do teto dos gastos da EC 95, eu chego a R$ 118 bilhões, que seria o mínimo a ser aplicado em saúde em 2018”. Ela conclui: “Os R$ 130 bilhões estão de acordo com a lei e até um pouco acima. A grande questão é: será que ele vai executar esse dinheiro mesmo? Porque é bastante frequente que os governos não executem o orçamento destinado”, alerta.

Grazielle identifica um baixo investimento ao longo dos anos, aliado ao fato de haver um congelamento real dos gastos, só corrigido pela inflação, um crescimento e envelhecimento significativo da população e uma demanda tecnológica cada vez mais ampliada. Ainda assim, segundo ela, são destinados cada vez menos recursos para a saúde. Qual o grande risco disso? A especialista acredita que é a perda de abertura de serviços, o que segundo ela já é bastante previsto para este ano. “O orçamento de 2018 para a saúde praticamente não tem previsão de investimento em inversão financeira, então a gente pode esquecer ampliação de novos serviços e, ao longo dos anos, juntamente com o teto dos gastos, haverá diminuição ainda maior da qualidade dos serviços ofertados. E como o Ministério da Saúde também aprovou uma portaria que acaba com os blocos de financiamento – que tinha atenção básica, média e alta complexidade, vigilância em saúde, e agora só tem custeio e investimento -, o grande risco é que os setores que gastam mais, como ambiente hospitalar e medicamento suguem todo o recurso, deixando a atenção básica bastante prejudicada e afetando diretamente a população”, alerta.

Grazielle acrescenta que a LOA expressa apenas números de destinação orçamentária, não baseados em uma necessidade. “A gente não tem um planejamento de fato ascendente, é um cálculo de orçamento previsto não de acordo com a necessidade da população, mas meramente nas regras das emendas constitucionais 86 e  95”.

O mínimo

O gasto com funcionalismo público foi estimado em R$ 322,8 bilhões para 2018. Esse montante contempla os reajustes salariais previamente acordados e já conta com o aumento da contribuição previdenciária dos servidores (de 11% para 14%), conforme determinado pela Medida Provisória 805/17, embora ela tenha sido suspensa por uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que será submetida a referendo do plenário do STF após o término do recesso forense e a abertura do Ano Judiciário de 2018.

Em relação ao salário mínimo, que era R$ 937 em 2017, no texto aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro, a previsão para 2018 era de R$ 965. No entanto, o cálculo para o reajuste foi atualizado e o governo confirmou na última semana o novo mínimo de R$ 954, em vigor desde o dia 1° de janeiro – um reajuste de apenas 1,81%, que não repõe nem a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano, que fechou em 2,07%. Além de estar abaixo da estimativa que havia sido aprovada pelo Congresso, esse será o menor reajuste do piso nacional dos últimos 24 anos, desde a criação do Plano Real.

A lógica dos últimos anos, segundo Catarina, é que o salário mínimo fosse reajustado de forma que, em um futuro próximo, pudesse chegar o mais próximo possível daquilo que a Constituição Federal de 88 previa – no artigo 7º, inciso IV: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

“Com esse salário mínimo, o Governo Temer mostra mais uma vez que a maior parte da população brasileira, que ganha um ou dois salários mínimos, não é olhada pelo governo, não faz parte desse processo de priorização”, afirma. E completa: “Além de ter um salário mínimo baixo, a gente teve uma reforma trabalhista e a aprovação do processo de terceirização que, na verdade, desobriga que muita gente, inclusive, olhe nessa perspectiva do valor do salário mínimo, já que existem agora diversas possibilidades de negociação e de precarização da oferta de trabalho”.