Por Bernardo Pilotto* e Rafael Nunes**
“Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval”
(João Bosco)
Após vários adiamentos e especulações, a prefeitura do Rio de Janeiro anunciou, através da Riotur, nesta quarta-feira (10), o que pretende com sua proposta de blocódromo (chamada oficialmente de Arena Carnaval). E, como já se esperava, a proposta é mais um ataque de Crivella ao carnaval.
Segundo a prefeitura, haverá uma verba de R$3,3 milhões para organizar desfiles no local que sediou o Parque dos Atletas nas Olimpíadas de 2016. E não basta tentar confinar os blocos num local fechado: dentro do blocódromo haverá uma área VIP (e o edital da prefeitura prevê até dinheiro para canapés para este setor).
A proposta de blocódromo é um aprofundamento do processo de privatização da cultura, do carnaval e da cidade, pois caminha no sentido de esvaziar os blocos de rua. Ao permitir comercialização de áreas VIPs, a prefeitura permite que também no carnaval se reproduza a desigualdade cotidiana de nossa sociedade. É, por exemplo, o processo que aconteceu no carnaval oficial de Salvador.
Segundo Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da UERJ, “em lugar de uma rua carnavalescamente ressignificada, propõe um território higienizado, organizado e delimitado como para um evento de rock ou jogo de futebol, transformando o que era folia em um espetáculo espacialmente controlável”.
Com muita propaganda na rádio e na TV e com a presença de cantores famosos, certamente o blocódromo atrairá muitas pessoas em seus shows. Mas o grosso da população que para lá se deslocar encontrará um espaço segregado, dividido nas classes e na cor.
Além de ser um ataque aos princípios momescos, a medida de Crivella é também ilegal. Isso porque, em 2013, o então prefeito Eduardo Paes editou decreto proibindo esse tipo de prática. Foram anos e anos de lutas e pressão dos blocos e movimentos culturais para tal medida fosse oficializada.
Como afirmou o presidente da Riotur, Marcelo Alves, um dos motivos para a criação do espaço é por essa ser a região da cidade “com menor ocupação hoteleira para o carnaval”. Esse é mais um dos legados olímpicos às avessas. Segundo a compositora Manu da Cuíca, esse “é o legado dos grandes eventos em sua essência: a cidade moldada para satisfazer os grandes empresários”.
Ao invés de uma arena, o que os blocos precisam é de apoio, com mais e melhores banheiros químicos, com a limpeza das ruas, estrutura de som, transporte público 24h (e não só o metro) e divulgação.
Lutar contra mais esse ataque ao carnaval é também lutar por uma cidade democrática, inclusiva e igualitária.
*Bernardo Pilotto é sociólogo
**Rafael Nunes é carioca e folião
Imagem: O Globo
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